Jacques Attali tem um currículo invejável. Economista, banqueiro, conselheiro de Estado, publicista, escritor.
Licenciado pela École Polytechnique, a École des Mines, Institut d’études politiques de Paris, é hoje professor de Economia na Universidade de Paris-Dauphine, na École Polytechnique e na École des Ponts et Chaussées.
E ao longo de dez anos foi conselheiro especial de François Mitterand. E mais algumas coisitas, explicadas no artigo que se segue.
Resumindo: tem os números para saber do que está a falar.
E concedeu uma entrevista à jornalista Anais Ginori do diário La Repubblica, um dos mais lidos em Italia.
As suas previsões não são boas. Pelo contrário: o mundo que prefigura está longe de ser um lugar ideal para viver. Talvez Attali esteja demasiado pessimista. Ou, ao menos, esta é a nossa esperança…
“No próximo decénio o mundo passará por mudanças radicais, só em parte ligadas à actual situação financeira. Cada um de nós será ameaçado e terá que encontrar os instrumentos para se salvar.”
No seu último livro “Survivre Aux Crises” (Sobreviver às crises), Jacques Attali profetiza um mundo cada vez mais precário e hostil, no qual as classes dirigentes são incapazes de pensar a longo prazo e, pelo contrário, alimentam a incerteza, ingrediente fundamental para manter o poder.
Teremos que habituar-nos a desenrascar sozinhos, como as vanguardas do passado»
explica o economista, ex conselheiro de François Mitterrand e primeiro presidente do Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimeto. Attali é um dos intelectuais franceses mais ecléticos , capaz de publicar obras acerca de Karl Marx ou do amor, e escreve muito. Diz ter já dezenas de livros prontos na gaveta, assina rubricas nos jornais, colecciona consultorias e trata de Planet Finance, uma organização não governamental especializada em projectos de micro-crédito. Infatigável, sempre com pressa. Como o mundo das suas previsões.Que outras crises temos de esperar?
A crise financeira de 2008 não acabou, embora os proclamas triunfantes de alguns políticos e banqueiros. Os que os anglo-saxónicos chamam “rebentos” de retoma são, a meu ver, só sinais transitórios. Muitos bancos continuam a ser insolventes, os produtos especulativos mais arriscados acumulam-se como e talvez mais que antes, as dívidas públicas estão fora de controle, o nível de produção e os valores dos patrimónios são em grande parte inferiores aos anteriores à crise. A causa mais profunda desta crise é a impossibilidade do Ocidente em manter o seu nível de vida sem endividar-se: acerca deste ponto não existe uma adequada reflexão.
O pior ainda está para vir?
Em 2020 a população mundial chegará aos 8 bilhões e a classe média mundial representará a metade dos indivíduos cujo desejo será o modelo ocidental. Isso implicará novos pontos de criticidade a nível ecológico. Na mesma altura será possível observar avanços científicos assinaláveis, como as nanotecnologias, as neuro-ciências, as biotecnologias. Cada nova descoberta trará problemas éticos e de possíveis utilizações secundárias para fins criminais ou militares.
Voltando à economia, onde acaba o túnel?
A conjuntura económica reservará más surpresas. Pessoalmente, temo o regresso da hiperinflação desencadeada pela enorme liquidez criada nos Bancos centrais, a possível explosão da “bolha” chinesa por culpa dos excessivos créditos concedidos e da sobrecapacidade produtiva da República Popular. O sistema público de saúde e de instrução, tal como o conhecemos até agora, será insustentável pelos Estados. O nosso estilo de vida cada vez mais precário e menos solidário. Quem quer sobreviver terá que aceitar o facto de não poder esperar mais nada de ninguém. Um mundo parecido com a Idade Média.
Não acha exagerado falar de um regresso ao passado remoto?
Tal como no Quatrocentos, o poder será concentrado em algumas cidades e algumas corporações. Já hoje 40 cidades-regiões produzem dois terços da riqueza do mundo e são os lugares onde se realizam 90 por cento das inovações. Com a falta duma verdadeira organização global teremos epidemias, catástrofes naturais climáticas e ecológicas. Haverá cada vez mais zonas fora de controle onde mandarão organizações criminais e bandas armadas. Os ricos ficarão a refugiar-se em modernas fortalezas.
E tudo isso será fruto da incapacidade das classe dirigentes e do fracasso do sistema de governance mundial?
Perante uma crise, qualquer que seja, a maioria dos indivíduos começa por negar a realidade. Infelizmente este mecanismo aplica-se perfeitamente às empresas e aos governos. Até agora os governos adoptaram estratégias que fazem financiar pelos futuros contribuintes os erros dos banqueiros de ontem e os bónus dos de hoje.
O senhor presidiu a Comissão pela libertação do crescimento criada pelo governo Sarkozy, mas as reformas propostas foram desatendidas. Também em França falta a coragem para preparar o futuro?
O que mais me surpreende é que muitos entre os potentes desejam voltar à velha ordem, embora seja a mesma que desencadeou a crise financeira. No actual modelo económico a empresa passou ao serviço do capital, por sua vez manipulado pelas leis da Bolsa. As coisas ficaram assim desde 1975, data da invenção das stock-options nos Estados Unidos.
Não é uma visão demasiado apocalíptica?
Não podemos ser nem demasiado optimistas nem pessimistas. Nos últimos 650 milhões de anos, a vida quase desapareceu por 7 vezes. Hoje o risco é que aconteça uma vez mais. Mas qualquer ameaça é também uma oportunidade. Quando se chega ao ponto de ruptura somos obrigados a reconsiderar o nosso lugar no mundo e criar uma ética das atitudes completamente nova. Entre nós sobreviverá só quem tem confiança em si mesmo. Já passei por muitas crises. E por isso pensei em recolher as minhas lições de sobrevivência.
Sugere o dom da ubiquidade: o que significa?
Os meus princípios são sete, que são para ser actuados em ordem. Em primeiro lugar partir desde o respeito por si, logo tomar conhecimento da própria pessoa e da intensidade, isso é, viver em plenitude e projectar-se a longo prazo. Há depois a empatia, indispensável para compreender os outros, adversários ou potenciais aliados, a resistência que permite construir as nossas defesas e a criatividade para transformar as ameaças e os ataques em oportunidades. Se estes cinco princípios não funcionam é preciso mudar de forma radical, cultivando a ambiguidade ou até a ubiquidade, aprendendo a ser móveis na própria identidade.
Assim deixa-nós um pouco de esperança…
A última lição é relativa ao pensamento revolucionário. Em condições extremas é preciso ousar até violar as regras do jogo. Nenhum organismo pode sobreviver sem operar uma revolução no seu interior. Como dizia Mahatma Gandhi: “Sejam vocês mesmos a mudança que quiserem realizar no mundo”.
Acabou de publicar o primeiro “hiper-livro”, um volume de papel integrado com contribuições áudio e vídeo. Este é o futuro da leitura?
Não acredito na morte dos livros tradicionais. Mas é evidente que os jovens crescem aprendendo ao ler num ecrã. Para eles será normal folhear uma caixinha electrónica tal como nós folheamos um livro. Também a da editorial é uma crise que pode ser ultrapassada só com a mudança.
No próximo post outra entrevista, desta vez com o economista espanholo Niño Becerra.
Aviso já: também ali nada de boas notícias…
Texto da entrevista: Anais Ginori
Fonte: www.repubblica.it
Tradução: Massimo De Maria