Alemanha: rigor, controle e seriedade

Ahhh, Grande Alemanha.
Se Lisboa fosse como Berlim: rigor, controle, seriedade. Nem seria precisa a austeridade, era só virtuosismo e contas sempre em ordem.
Mais ou menos.

Diário Público:

Deutsche Bank acusado de ocultar 9 mil milhões de euros em dívida para fugir a resgate

O Deutsche Bank é acusado de ter escondido 9230 milhões de euros em dívidas durante o pico da crise financeira para mascarar as contas e evitar um resgate pelo Governo alemão.

A notícia é avançada nesta quinta-feira pelo Financial Times, que afirma que três antigos funcionários do banco alemão apresentaram queixas nos EUA, alegando que o banco alemão, com o conhecimento dos dirigentes executivos, não registou muitas das perdas nas operações de mercado entre 2007 e 2009.

Ehhh? Mas é uma brincadeira, só pode ser.

Num comunicado emitido também nesta quinta-feira, o banco germânico afirma que as acusações já datam de 2011, altura em que o banco terá desenvolvido “uma cuidadosa e rigorosa investigação” que chegou à conclusão de que as acusações são “totalmente infundadas”.

Ah, pois: Deutsche Bank já investigou Deutsche Bank (auto-investigação) e não encontrou nada de errado. Isso sim que tranquiliza. É como se Al Capone tivesse investigado as operações ilícitas da máfia americana, uma garantia.

No mesmo comunicado, o Deutsche Bank afirma que as acusações partem de funcionários que não têm conhecimento, nem são responsáveis pelas principais operações do banco alemão.

“Não têm conhecimento”. A mesma ideia não passa pela cabeça dos gajos da Securities and Exchange Commission, que, pelo contrário, ficaram bem interessados nas declarações dos tais funcionários. Porque os “três funcionários” não eram o pessoal da limpeza.

Um deles, Matthew Simpson, um dos principais responsáveis pelo comércio de derivativos, queixa-se de ter sido afastado pelo Deutsche Bank dias depois de ter apresentado a queixa à entidade reguladora norte-americana.

Matthew Simpson já havia alegado a existência de irregularidades no registo da avaliação do caderno de derivativos. No seguimento da sua saída, Simpson recebeu 680 mil euros de indeminização do Deutsche Bank, depois de o antigo funcionário ter acusado o banco alemão de ter agido por “retaliação”.

“Indeminização” aparece no original, deve ser o novo acordo ortográfico. Ou no Público falta um corrector tipo “Word”. Seja como for, Simpson era um dos responsáveis pelo comércio dos derivativos.

Eric Ben-Artzi, o outro funcionário que se queixa de ter sido afastado por retaliação a comentários sobre irregularidades do Deutsche Bank, apresentou também uma queixa à Securities and Exchange Commission.

Mas navegando pela internet é possível encontrar mais pormenores.
CNBC:

Dois dos ex-funcionários alegam que o Deutsche alterou o valor do seguro previsto em 2009 pela Berkshire Hathaway de Warren Buffet sobre algumas das posições. A existência destes mecanismos não tinha sido previamente divulgada.

Interessante. Não apenas simples acusações mas também a descrição dos alegados mecanismos utilizados.
Mais:

As queixas foram apresentadas em momentos diferentes, em 2010 e 2011, de forma independente uma das outras. Todos os homens passaram horas com os advogados da SEC e forneceram documentos bancários internos durante várias reuniões, sendo pessoas familiarizadas com o assunto.

Definitivamente não eram da limpeza. O segundo queixoso, que como vimos tem o nome de Eric Ben-Artzi, era gerente de risco do Deutsche e foi demitido três dias depois de apresentar a queixa ao SEC.

O terceiro queixoso trabalhava também na gestão de risco e pediu anonimato.
Jordan Thomas, da advocacia Labaton Sucharow, que representa Ben-Artzi:

Durante a crise financeira, muitas instituições enfrentaram uma ameaça existencial e as evidências sugerem que o Deutsche Bank pisou o risco inflando substancialmente o valor da sua carteira de derivativos, a maior área de risco nos negócios do banco.

Última nota, como simples curiosidade: o Público é o único entre os principais diários portugueses (Expresso, Diário de Notícias, Correio de Manhã, iOnline, Dinheiro Vivo) que relata a notícia. Nos outros nem uma linha.
Resto da Europa:

Espanha
Abc e El País: nada.
El Mundo: sim.

Italia
La Stampa, Il Corriere della Sera, La Repubblica: nada.

Alemanha
Die Welt, Bild: nada
Frankfurter Allegemenine : sim, ontem

França
Le Monde, L’ Expansion (diário económico): nada 
Libération: sim
Le Figaro : sim dois (actualidade e economia)

Ipse dixit.

Fonte: Público, CNBC, Huffington Post, El Mundo, Frankfurter Allgemeine, Libération, Le Figaro 1 e 2

3 Replies to “Alemanha: rigor, controle e seriedade”

  1. Olá Max,
    E cá temos mais uma pérola da alta finança.
    Quanto à Alemanha/Deutsche Bank, no melhor pano cai a nódoa. Ou melhor ainda, as aparências iludem.
    Abraço
    Rita M.

  2. Olá Max: eu me enganei, ou esta é uma derivação da história do banco da Inglaterra, variando o tempo, alguns protagonistas, e o lugar? Me apareceu como semelhante o enredo…pode ser coisa da minha cabeça, um tanto louca, um tanto confusa…
    Enquanto relia os 3 episódios anteriores, não pude deixar de pensar da arrogância "alternativa" de quem fala de nova ordem mundial.Agora, lendo esse desdobramento contemporâneo, só consigo pensar em continuidades, não em rupturas na ordem das coisas, uma descontinuidade que de fato merecesse o nome de "nova". Abraços

  3. A Alemanha têm a maior divida da Zona Euro em valor absoluto.
    Se a contabilidade alemã for criativa, então o valor pode ser um 'pouquinho' superior. Só um 'pouquinho'.

    Considerando que as exportações, logo o PIB, da Alemanha estão muito dependentes da Europa, prevê-se que os criativos financeiros alemães tenham muito que fazer nos próximos tempos. É que o pessoal da europa já anda a ver o fundo dos bolsos. Além das chaves de casa, pouco mais lá há.

    Em todo o caso estou a pensar seriamente contribuir para o aumento do PIB alemão. Estou a precisar de trocar o meu carro. Será que eles ainda podem alterar a contabilidade do ano 2005 ou 2006?
    Se puderem talvez tenham sorte, mas tudo irá depender da Troika. Trata-se portanto de uma situação trilateral.

    abraço
    krowler

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