Mas estará livre?
Porque se a vigilância limita-se a tomar nota dos nossos movimentos, as escolhas podem continuar livres.
Por exemplo: o sistema Prism pode gravar as conversas, mas afinal é o utilizador que decide onde ter estas conversas, com quais programas, em que sites. Da mesma forma, é o utilizador que decide como navegar, quais páginas web visitar, independentemente do facto de ser vigiado ou menos.
Mas será mesmo assim?
A resposta é “não”. E a razão é simples: quem governa o mundo de internet não são os utilizadores, mas um sistema de algoritmos. De acordo com o advogado Yochai Benkler, autor de estudos sobre a saúde das redes democráticas, hoje vivemos numa “ordem global” intrínseca na Rede. Característica central da Web: a escolha decisiva da informação mais relevante já não é monopólio de jornalistas, bibliotecários ou editores, mas é delegada aos utilizadores da Internet, eles editores das suas próprias escolhas.
Dito assim, parece reforçar a ideia de que internet afinal é gerida pelos utilizadores, um verdadeiro sistema democrático. Mas o discurso é mais complexo.
As mútuas citações, os elogios, as recomendações digitais criam nichos de conversação, que os algoritmos interpretam como informação de “qualidade”; e, por sua vez, classificam-a e torna-a disponível através dos motores de pesquisa. Assim, a ordem da informação em Internet torna-se uma co-produção dos utilizadores os quais, todavia, desconhece a síntese conseguida pelos algoritmos e os meios por estes utilizados.
Aos algoritmos, explica Francesca Musiani num ensaio publicado no Internet Policy Review, delegamos a integração das nossas conversas on-line. Os assuntos são percebidos pelo público como terem um “consentimento universal implícito”, mas têm a fraqueza duma informação que não pode ser atribuída a nenhuma pessoa especificamente. Os motores de pesquisa constroem uma hierarquia de visibilidade das informações, apresentando-as no topo dos resultados da pesquisa ou dissimulando-a entre os últimos.
Ao decidir, de facto, o que pode ser visto, os algoritmos de Google podem desencorajar ou incentivar a discussão e a controvérsia: ajudam a construir a agenda pública das prioridades políticas e sociais, escolhendo interlocutores “que contam” na óptica dos algoritmos.
Em particular, graças ao quase monopólio de Google no âmbito da pesquisa, o algoritmo PageRank em que se baseia tem sido amplamente considerado como o novo gatekeeper, o ditador benevolente da esfera pública digital.
De acordo com uma receita que é uma espécie de segredo, o algoritmo inclui várias métricas que avaliam o grau de respeitabilidade da fonte (por exemplo, de acordo com o número de citações ), a quantidade de público (de acordo com o número de visitas), o nível de proximidade e de afinidade (com base nas recomendações) e a velocidade (a agregação dos resultados em tempo real).
PageRank centraliza e organiza o fluxo das informações na Rede, e para cada consulta feita no motor de pesquisa, ele é o árbitro que decide o que é importante e relevante. Milhões, biliões de cliques: se estarmos em busca de informação, na verdade somos monitorizados e manipulados pela inteligência electrónica.
Obviamente, o mesmo se passa em relação ao e-commerce. Exemplo clássico, o caso Amazon que orienta o público sobre a base das recomendações dos clientes. Aos usuários registados, o site revela quais as outras compras feitas no recente passado pelos outros usuários que adquiriram o nosso mesmo livro ou cd, ou dvd.
Compras recomendadas, dicas sistematizadas e artilhas de afinidade: Amazon desenvolveu um algoritmo particularmente eficaz, chamado item-to-item collaborative filtering (“filtragem colaborativa ponto-a-ponto”). Tal como o PageRank de Google, este é outro segredo comercial que a cada dia mostra a sua eficácia na personalização da recomendações, baseadas nos interesses de cada um dos clientes da Amazon. Por trás deste algoritmo, que “sabe” muito bem os gostos dos clientes da empresa, há anos de pesquisa e experiências numa área recente da ciência informática, cujas aplicações práticas são cada vez mais generalizada e discreto: a mineração dos dados.
Para os leitores, as sugestões formam um conjunto de fontes de informação pessoal, que alimentam um grande banco de dados onde os gostos deles são combinados com aqueles dos outros, acabando por afectar directamente um número considerável de consumidores. É um mundo cada vez mais “algorítmico”, que orienta o nosso acesso à informação e as nossas compras: mas que estendem-se a muitos outros contextos, desde os softwares de reconhecimento facial aos mercados financeira.
Como demonstra não só a pesquisa académica, a relação entre algoritmos e regras (direito e política) tem dois lados: por um lado, há o “ajuste” dos algoritmos feito pelas instituições. A criação de leis relacionadas com os sistemas complexos e altamente automatizados deve prestar maior atenção aos lugares e aos tempos tais algoritmos são criados?
Do outro lado, há a vastidão do poder invisível dos algoritmos: o nosso mundo é em grande parte gerido, regulamentado e governado por eles. E se alguém não concordar? Eis o problema: somos capazes não de resistir mas de entender o que significa exactamente resistir ao domínio electrónico dos novos persuasores digitais?
Ipse dixit.
Fontes: Informarmy, Francesca Musiani: Governance By Algorithms (em Policy Intenet Review), Tarleton Gillespie: The Relevance of Algorithms (ficheiro Pdf, inglês), BBC News
Nem mais,
Quando pesquisamos um qualquer assunto, existe uma hieraquia de sites, e toda gente vai pesquisar os primeiros do google, ninguém vai se lembrar após uma fastidiosa pesquisa atingir o milionésimo.
Estamos de facto dependentes desses motores de busca que dictam as nossas pesquisas.
Um abraço
Muito interessante Max! Mineração de dados, eis uma frase simplesmente arrepiante. Para o poder, não deve haver nada mais valioso do que a informação pois é ela que gera a obdiência.