The New England Journal of Medicine, vacinas: miocardite e problemas neurológicos

Há meses que médicos “marginais” têm argumentado acerca do papel da proteína spike produzida pelas vacinas anti-Covid, que poderia estar a causar numerosas mortes ligadas a problemas do sistema cardíaco-circulatório.

Lentamente, esta ideia começa a aparecer também em estudos “oficiais”. É caso de A Possible Role for Anti-idiotype Antibodies in SARS-CoV-2 Infection and Vaccination (“Um possível papel para os anticorpos anti-idiótipo na infecção e vacinação contra a SARS-CoV-2”), publicado pelo conceituado The New England Journal of Medicine. Inútil esperar uma tomada de posição cristalina: para entender é necessário analisar o texto, porque mergulhadas no estudo ficam algumas afirmações deveras interessantes.

Eis os trechos mais significativos (este é um texto técnico e aqui está uma tradução focada no sentido geral: para pormenores técnicos, como é óbvio, é obrigatório consultar o original):


A patogénese da infecção pelo Coronavírus 2 (SARS-CoV-2) da síndrome respiratória aguda grave é compreendida de forma incompleta, com os seus efeitos nos sistemas de múltiplos órgãos e a síndrome do “Covid longo” [Long Covid no original, ndt] a ocorrer muito tempo após a resolução da infecção. O desenvolvimento de múltiplas vacinas eficazes tem sido crítico no controlo da pandemia, mas a sua eficácia tem sido limitada pelo aparecimento de variantes virais, e as vacinas podem ser associadas a efeitos raros fora do alvo ou tóxicos, incluindo reacções alérgicas, miocardite, trombose e trombocitopenia imuno-mediadas em alguns adultos saudáveis. Muitos destes fenómenos são susceptíveis de serem imuno-mediados. Como podemos compreender esta diversidade nas respostas imunitárias em diferentes pessoas?

Uma forma de pensar sobre a complexidade da resposta imunitária é através das respostas imunitárias anti-idiótipo. A Hipótese de Rede [Network Hypotesis no original, ndt], formulada em 1974 por Niels Jerne, descreveu um mecanismo pelo qual as próprias respostas dos anticorpos a um antigénio induzem respostas dos anticorpos a jusante contra o anticorpo específico do antigénio. […]  Os anticorpos Ab2 ligados ao receptor original em células normais têm portanto o potencial de mediar efeitos profundos na célula que poderiam resultar em alterações patológicas, particularmente a longo prazo – muito depois do próprio antigénio original ter desaparecido.

Este aspecto da regulação das respostas imuno-células foi postulado por Plotz em 1983 como uma possível causa de auto-imunidade surgida após infecção viral e desde então tem sido apoiado experimentalmente pela transferência directa de anticorpos anti-idiótipo. Os anticorpos Ab2 gerados contra o enterovírus coxsackievírus B3 em ratos podem ligar antigénios de miócitos, resultando em miocardite auto-imune, e as respostas anti-idiótipo podem actuar como agonistas receptores de acetilcolina, levando a sintomas de miastenia gravis em coelhos. Além disso […] o Ab2 sozinho pode até imitar os efeitos deletérios da própria partícula do vírus, como foi demonstrado com o antigénio do vírus da diarreia bovina.

Para a infecção SARS-CoV-2, a atenção centra-se na proteína spike (S) e na sua utilização crítica do receptor da enzima de conversão de angiotensina (ACE2) para obter a entrada na célula. Dado o seu papel crítico na regulação das respostas à angiotensina, muitos efeitos fisiológicos podem ser influenciados pelo acoplamento da ACE2. A própria proteína S tem um efeito directo na supressão da sinalização da ACE2 por uma variedade de mecanismos e pode também […] induzir citocinas inflamatórias [trata-se da muitas vezes citada “tempesta citónica”. ndt]. As respostas anti-idiótipo podem afectar a função da ACE2, resultando em efeitos semelhantes. Contudo, as avaliações pré-clínicas e clínicas das respostas de anticorpos às vacinas contra a SARS-CoV-2 concentraram-se unicamente nas respostas Ab1 e na eficácia neutralizadora do vírus. A delineação de potenciais respostas anti-idiótipo tem dificuldades inerentes devido à natureza policlonal das respostas, cinética dinâmica, e à presença simultânea de anticorpos Ab1 e Ab2.

Além disso, a expressão de ACE2 dentro das células e tecidos pode ser variável. As diferentes construções de vacinas (RNA, DNA, adenoviral e proteína) também são susceptíveis de ter efeitos diferenciais na indução do Ab2 ou na mediação de efeitos das vacinais que diferem nas respostas à infecção. Alguns efeitos fora do alvo podem não estar directamente ligados às respostas ao Ab2. A associação de eventos trombóticos com algumas vacinas SARS-CoV-2 em mulheres jovens e o papel etiológico dos anticorpos anti-plataforma 4-polyanion podem ser o resultado do vector adenoviral. Contudo, a ocorrência notificada de miocardite após a administração da vacina apresenta semelhanças impressionantes com a miocardite associada aos anticorpos Ab2 induzidos após algumas infecções virais.

Os anticorpos Ab2 poderiam também mediar os efeitos neurológicos da infecção ou das vacinas SARS-CoV-2, dada a expressão da ACE2 nos tecidos neuronais, os efeitos neuropatológicos específicos da infecção pelo SARS-CoV-2 e a semelhança destes efeitos com os efeitos neurológicos mediados pelo Ab2 observados noutros modelos virais.

Por conseguinte, seria prudente caracterizar plenamente todas as respostas de anticorpos e células T ao vírus e às vacinas, incluindo as respostas do Ab2 ao longo do tempo. […] No entanto, é necessária muito mais investigação científica básica para determinar o papel potencial que a imunoregulação baseada em idiótipos das respostas tanto humoral como mediada por células pode desempenhar tanto na eficácia antiviral como nos efeitos secundários indesejados da infecção por SARS-CoV-2 e das vacinas que nos protegem dela.


Complexo, sem dúvida.

Mas resumindo: os efeitos a jusante dos anticorpos que as pessoas produzem contra a proteína spike do coronavírus podem levar à miocardite e mesmo a problemas neurológicos, escrevem os dois investigadores médicos veteranos na principal revista médica dos EUA.

O nosso sistema imunitário produz estes anticorpos em resposta tanto à vacinação como à infecção natural por Covid. No entanto, embora os investigadores não o digam explicitamente (todos temos família), os níveis de anticorpos são muito mais elevados após a vacinação do que após a infecção. Por conseguinte, a resposta a jusante à vacinação pode ser mais severa.

Acerca dos autores: William J. Murphy, Ph.D. é un investigador oncológico da Universidades Davis, da Califórnia; Dan L. Longo, M.D. é um oncologista e professor na Harvard Medical School que, entre as outras coisas, já colaborou com Anthony Fauci em pelo menos uma publicação cinetífica (Chronic Obstructive Pulmonary Disease, Longo, Dan; Fauci, Anthony; Kasper, Dennis; Hauser, Stephen; Jameson, J.; Loscalzo, Joseph (eds.). Harrison’s Principles of Internal Medicine, 18ª ed., McGraw Hill).

 

Ipse dixit.

Imagem: extraída do estudo A Possible Role for Anti-idiotype Antibodies in SARS-CoV-2 Infection and Vaccination.

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