O que é um stakeholder? Um stakeholder é o Leitor, por exemplo.
“Isso é uma vergonha, nunca me tinham chamado stakeholder, onde anda este blog?”
Calma querido Leitor, calma: stakeholder não é uma ofensa, pelo contrário. É um termo que ganhou cada vez mais importância e que agora está a tornar-se incontornável. Podemos traduzir stakeholder (literalmente: “titular de participação”) com a expressão “parte interessada”. Por exemplo: o Leitor pode ter uma conta Google, com a qual lê o seu correio, acede ao seu espaço cloud, guarda as suas fotografias, os documentos, etc. Portanto: o Leitor não é indiferente perante as escolhas e o destino da empresa Google, porque o Leitor tem interesse em que Google continue a trabalhar, a oferecer-lhe determinados serviços e a espia-lo (é Google). O Leitor é parte interessada: é um stakeholder de Google.
Obviamente, o Leitor não é o único stakeholder de Google: os outros clientes, investidores, accionistas, funcionários, fornecedores, distribuidores, credores, sindicatos, até inteiras comunidades ou autoridades (locais ou nacionais) podem ser partes interessadas numa empresa. São todos stakholders da mesma empresa.
O facto de reconhecer a importância dos stakeholders tem pesadas implicações. Por exemplo: as empresas têm que admitir uma espécie de “contrato social” com o qual reconhecem que as suas próprias escolhas têm que ter em conta as exigências das partes interessadas? Isso significa pôr limites nas escolhas que podem ser feitas e, de facto, mina os princípios em que se baseia uma economia de mercado: a empresa deixaria de ser livre e em cada decisão deveria ter em conta os múltiplos interesses dos stakeholders, o que por vezes poderia significar exigências e interesses de inteiros governos.
Vamos fazer um exemplo banal. Imaginemos que Microsoft decida publicar uma actualização do seu sistema operativo com a qual o teclado pode ser utilizado apenas com os polegares. Incómodo, não é? Agora, imaginemos o que isso significa numa administração pública que utilize o sistema da Microsoft nos seus computadores. O que vai acontecer? Obrigamos os funcionários a adaptarem-se ao novo sistema (o que significaria um abrandamento de todos os serviços e mau humor dos funcionários) ou investimos imensas quantias de dinheiro na substituição do sistema operativo utilizado em todas as repartições públicas (com abrandamento de todas as operações, mau humor e óbvios custos associados)?
Todo este discurso é particularmente actual porque dum lado provoca o curto-circuito da Esquerda, do outro constitui um dos pilares do The Great Reset de Klaus Schwab. Por qual razão? Porque na verdade estamos a falar de empresas leais para com a comunidade ainda antes do que aos accionistas. Mas este cenário tem um nome: Socialismo.
E aqui entramos na segunda parte do artigo que observa a discussão da Esquerda sobre a questão dos stakeholders. Como antecipado, a Esquerda não lida bem com este assunto, sente-se desconfortável e não é difícil entender a razão: em teoria, as empresas fieis às comunidades deveriam ter sido alcançadas através duma revolução conduzida pelo proletariado, portanto a partir “de baixo”, não “de cima” como no caso do Great Reset.
Podemos pensar: mas não será que o Great Reset utiliza uma roupa “marxista” para disfarçar um regime onde dominam as leis dos grandes grupos privados? Não e não.
Em primeiro lugar, Schwab (e quem mandar nele) não põe como objectivo final a implementação dum regime socialista: aparentemente falamos ainda duma economia de mercado, o termo “socialista” não é utilizado em lado nenhum. Schwab está a propor-se como líder político-filosófico das multinacionais, não do proletariado. Não há um “disfarce marxista” por aqui, bem pelo contrário.
Em segundo lugar, é preciso entender o que é a Nova Ordem Mundial na óptica do Great Reset: é de facto uma revolução, no final da qual teríamos uma sociedade governada por um restrito grupo composto por grandes empreendedores e políticos. Neste cenário, as multinacionais ficariam com um papel decisivo também em relação aos cidadãos, que seriam ao mesmo tempo consumidores e assistidos: não acaso fala-se cada vez mais de “rendimento mínimo garantido”.
A Nova Ordem Mundial do Great Reset trata do cidadão a 360º: controla de forma maniacal as pessoas, fornecem-lhes os meios de subsistência, as leis, os produtos, tudo. É aqui que encontramos a questão dos stakeholders: as multinacionais assumem uma maior responsabilidade perante a comunidade porque esta é uma forma de aprofundar ainda mais o controle sobre ela.
Mas tudo isso forma um quadro que já vimos e com um nome bem preciso: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS. Única diferença: no topo não há uma classe apenas política mas maioritariamente empresarial. O resto da estrutura é idêntico porque o Capitalismo chegou numa fase em que está pronto (e ao mesmo tempo tem a absoluta necessidade) para dar um salto de categoria. Do monopólio comercial até um totalitarismo político-económico o passo não é tão grande assim.
Então percebe-se cada vez melhor o desconforto da Esquerda: a questão dos stakeholders é o Cavalo de Tróia através do qual as multinacionais e os seus cúmplices políticos querem realizar o “sonho socialista”. O que num primeiro olhar poderia parecer como um problema na óptica das multinacionais, afinal é uma vantagem determinante, até o instrumento decisivo. Pelo menos na fase inicial: porque no médio e longo prazo, uma vez implementada esta Nova Ordem Mundial a nível global (o desejo de Schwab e do World Economic Forum), as multinacionais tornam-se supérfluas e podem ser abandonadas. Uma vez criada e estabelecida uma nomenklatura, um grupo que reúna em si todo o poder político e económico, o “privado” pode ser posto de lado porque “eticamente” já não conforme, com a vantagem de eliminar aquelas pequenas e médias empresas (o que sobrou da concorrência) duma vez por todas.
E atenção, porque a base do Great Reset é a mudança climática. Isso significa uma coisa simples: qualquer pessoa no mundo pode ser considerada um stakeholder na governação de qualquer multinacional. A “equidade” racial, a promoção da agenda transgender e outras políticas de identidade semelhantes conseguem encaixar-se de forma perfeita nesta equação.
Voltando à Esquerda, tomemos o exemplo de David Campbell, um socialista britânico (embora não marxista) autor de The Failure of Marxism (“O Fracasso do Marxismo”, 1996). Depois de declarar que o Marxismo tinha falhado, Campbell começou a defender o Capitalismo dos stakeholders como um meio para alcançar os mesmos fins. A discussão de Campbell com o marxista britânico ortodoxo Paddy Ireland representa um exemplo da laceração que esta questão é capaz de criar no seio da mesma área política.
Campbell criticou Ireland pela sua rejeição do Capitalismo dos stakeholders, enquanto Ireland achava que este Capitalismo fosse em última análise impossível (lembro: estamos em 1996). Segundo este último, nada pode interferir durante muito tempo com a inexorável procura de lucro por parte do mercado. As forças de mercado iriam inevitavelmente ultrapassar quaisquer considerações éticas, tais como os interesses dos stakeholders.
O marxismo mais radical de Ireland deixou Campbell desorientado: Ireland não percebia que o seu determinismo do mercado era exactamente o que os defensores do “neoliberalismo” reivindicavam como o meio inevitável e seguro para distribuir o bem-estar social. Segundo Campbell, como tantos marxistas anti-reformistas, Ireland não reconhece que “as reformas sociais que ele ridiculariza são a revolução” pois o Socialismo não é mais do que um movimento pelo qual “a suposta necessidade natural representada pelos imperativos económicos é substituída por decisões políticas conscientes sobre a atribuição de recursos”.
Este socialismo político, em contraste com a ortodoxia marxista, é o que Marx realmente quis dizer com o Socialismo, sugere Campbell. O Capitalismo dos stakeholders é precisamente isso: o Socialismo. Mudar as regras empresariais de tal forma que a rentabilidade esteja em perigo, mesmo que, ou mesmo especialmente, de dentro para fora, é a própria definição de Socialismo. Mudar a forma como as empresas se comportam em relação às partes interessadas (os stakeholders) é, por si só, revolucionário.
A discussão entre os dois continuou e pode ser encontrada (em inglês) nas páginas do Mises Institute. Para quem tencione ler tudo, uma sugestão: beber muito café antes e durante, pois o perigo é de entrar numa condição de profundo torpor do qual pode ser complicado acordar.
Resumindo: o Capitalismo devora-se a si próprio? Mais ou menos. Ou se calhar não. Há uma enorme diferença entre Capitalismo e Marxismo/Socialismo: o primeiro tem uma enorme capacidade de adaptação, o segundo não. O primeiro não segue regras (só um objectivo: o lucro), o segundo sim (o “poder do proletariado” só pode acontecer em condições pré-determinadas, assim como pré-determinadas são as suas fases: antes o Socialismo, depois o Comunismo).
Esta esmagadora capacidade de adaptação do Capitalismo é agora utilizada para extrair o “melhor” do Socialismo para que possa servir como molde para o Capitalismo do futuro, que será obrigatoriamente diferente do actual (também porque, assim como está, seria destinado ao inevitável colapso).
Neste aspecto, a China é o País que se encontra na fase de transição mais avançada: já tem uma nomenklatura (embora apenas política), um apertado sistema de controle dos cidadãos, empresas privadas que actuam num “livre” mercado mas que ao mesmo tempo são submetidas aos interesses “do povo” (isso é: do programa da nomenklatura). E a China é um exemplo muito interessante porque está a passar do “Socialismo real” (segundo a definição de Brejnev) para o “Socialismo dos stakeholders” evitando a fase puramente capitalista (ou liberal, ou neoliberal, chamem-na como quiserem).
Resumindo: a questão dos stakeholders é séria, é e será utilizada como instrumento para a transição do actual sistema capitalista para um modelo muito próximos do Socialismo tal como descrito por Schwab e os amiguinhos deles em Davos. As massas não serão as protagonistas mas, mais uma vez, sofrerão os eventos, convencidas de desejar exactamente aquele tipo de sociedade, mais justa, mais ética, mais tudo. Este, pelo menos, é o projecto do World Economic Forum.
Ipse dixit.
A configuração dos estados nacionais modernos foi feita pelas elites ja estabelecidas no medievo, em prol das mesmas. O que mudou ao longo do tempo, e o que ocorre no presente, foi a cada vez maior preponderância do fator econômico sobre o fator político. Comparar capitalismo e socialismo é como comparar um tomate com uma laranja. Como se pode comparar um sistema regido por algo palpável (o capital), com uma teoria econômica impraticável num mundo capitalista?
Max e leitores do II,
Apareceu-me há uns dias esta notícia:
Sumário: Identificação de pessoas físicas através de procedimentos de identificação à distância com recurso a sistemas biométricos automáticos de reconhecimento facial.
https://www.homepagejuridica.pt/legislacao/destaques-do-diario-da-republica/8848-despacho-n-2705-2021-de-11-de-marco?fbclid=IwAR3XvZ2S5uLl_vgTu6V_Sa5-SNaxcm8NBdWR_BEj3d44zxqNFFGv4nX8NnQ
Parece que os instrumentos para controle dos cidadãos estão a ser preparados a grande velocidade, na sombra da pandemia.
E a solução (única) encontrada para o problema foi : Vacinar o povo, por todo ano afim de evitar falhas.
“Como se pode comparar um sistema regido por algo palpável (o capital), com uma teoria econômica impraticável num mundo capitalista?” pergunta o anônimo.
Mentindo, confundindo, passando décadas a enfiar nas cabeças que o regime na URSS era comunismo. Passando anos a falar de socialismo, de esquerda e similares como se elas existissem no mundo capitalista, criando formas adaptativas do capitalismo “menos selvagem” identificadas com socialismo.
As cabeças humanas, em geral, aceitam tudo que lhes é dito com o rótulo de informação e que supostamente partam das difíceis meditações dos “especialistas”.
Posso estar errada, mas para mim a resposta não é difícil.