Os mecanismos neurológicos dos social networks

Stefano Re publicou no blog dele uma longa entrevista transmitida pelo canal televisivo ByoBlu (aqui o link é para Youtube). Uma entrevista de uma hora e meia na qual enfrenta o problema do condicionamento mental. Gostei muito do vídeo e vou fazer uma síntese do que foi dito: claro que não vai caber tudo num único artigo, mas na altura de “pandemia” o tempo é coisa que não falta, pelo que vamos com calma.

Antes disso: quem raio é Stefano Re? Italiano, licenciado em Ciências Políticas, especialista em criminologia aplicada, trabalhou especificamente em análise de assassinatos sexuais e análise da cena do crime para a predição e a gestão da criminogénese comportamental, na intervenção preventiva e repressiva do crime; ensinou durante vários anos técnicas de interrogatório, trabalhando com agências de investigação internacionais.

Numa certa altura, Stefano percebe que algo no sistema não batia certo. Como explica:

O período começa por volta de 2001 e digamos que as minhas qualificações e competências no campo da criminologia aplicada tinham sido construídas com base na ideia de fornecer às forças de segurança, locais, nacionais ou internacionais, instrumentos para combater o crime e foi  precisamente o que comecei por fazer. […] Infelizmente tive de notar que ao longo do tempo as prioridades de aplicação destas técnicas estavam a mudar.

Não concordei com o tipo de abordagem, com a direcção na qual tudo estava a ser encaminhado. Tenho de fazer aqui um pequeno parêntese, vou introduzir estas técnicas.

A técnica de interrogação está baseada nos mecanismos da meta-comunicação. Comunicação que, sem complicar demasiado as coisas, consiste no estudo e na aplicação dos mecanismos de modificação perceptual da realidade e da identidade.

Comecei o trabalho de divulgação que depois tornou-se bastante explosiva na altura em que percebi, e está a ficar cada vez mais claro, em termos muito concretos que a nível internacional os meios de comunicação social começavam a aplicar estas técnicas às populações. E eram as técnicas que eu estudava, aplicava, ensinava: técnicas concebidas para induzir modificações perceptuais e depois certas reacções em suspeitos que estavam a ser interrogados por vários crimes.

Basicamente, os meios de comunicação social começaram a comportar-se desta forma. começaram a implementar estas técnicas sistematicamente em inteiras populações. Esse foi para mim o ponto de viragem, já não era aceitável. Especialmente porque, de facto, e isto é algo que infelizmente muitos elementos históricos esclarecem, os aparelho de segurança, as forças de segurança, especialmente aquelas um pouco mais secretas, mais intensas na área da manipulação de informação, começaram a ser privatizadas, sendo, claro, colonizadas por poderes privados.

Stefano Re, Claudio Messora de Byoblu, o vosso Max: todos com a mesma idade, todos que começáram a detectar algo “estranho” na mesma altura (em áreas completamente diferentes: eu nunca trabalhei com as forças de segurança). E com certeza alguns entre os Leitores sentiram o mesmo. Não pessoas “mais inteligentes” mas uma realidade mais simples: algo estranho realmente começou a a acontecer, um desvio antes apenas imperceptível, depois cada vez mais marcado.

Para acabar antes do verdadeiro começo do artigo, eis uma explicação. Proponho esta entrevista porque sigo o trabalho de Stefano Re há tempo em internet e sei qual o “corte” dele: o Leitor não vai encontrar por aqui teorias da conspiração, grandes verdades ocultas, famílias que gerem o planeta nos bastidores… nada disso: Stefano Re concentra-se exclusivamente na descodificação dos processos que estão na base do que vivemos hoje e nas técnicas que estão a ser utilizadas. Nada mais do que isso.


Os mecanismos neurológicos dos social networks

Estes são um dos elementos mais significativos desta época. Como surgiram as redes sociais? Surgiram simplesmente da ideia de que há internet, as pessoas vão lá, todos fazem o seu próprio site, alguns fazem fóruns onde as pessoas reúnem-se e falam das coisas deles. Alguém disse: “Vamos fazer disto uma rede social”, lugares que não são um fórum, que tem um propósito para quatro amigos, mas que ao em vez sejam para todos. Todos vão lá, conversam, fazem “amizades”.

Por exemplo, o conceito de Facebook nasceu da ideia que nos Estados Unidos é típica das aulas nas faculdades, onde têm livros com fotografias dos rostos de todos os estudantes de um ano. Assim, quando vai ver estes livros, vê os teus velhos amigos de quando estavas no college e pensas “o que será que lhes aconteceu?”. De vez em quando havia reuniões, encontros. Facebook surgiu a partir disso, do livro de rosto das faculdades. Assim, o conceito de Facebook, mas em geral do social network, era encontrar os teus amigos, aqueles que não sentes durante algum tempo para vê-los e conversar com eles, mesmo que estivessem longe, porque a rede permite cancelar a distância. E foi um grande sucesso, que depois desenvolveu-se ao longo do tempo.

Agora, claro, sendo uma empresa comercial que fornece este serviço gratuitamente, porque desde o início não pediu dinheiro aos utilizadores, teve que obter de alguma forma dinheiro para cobrir as despesas, no final do dia tem de pagar para cobrir os custos. No início, o caminho era juntar muitas pessoas, anunciar muito: as pessoas compravam os produtos que eram anunciados, aqueles que anunciavam pagavam e todos ficavam felizes.

Obviamente, com o desenvolvimento de estudos analíticos sobre a forma como as pessoas se comportam, que tipo de influência que as redes sociais podem ter, entendeu-se numa certa altura que alguns dos mecanismos dos social networks tinham um enorme poder de influência, e um dos mecanismos, sobre o qual tem havido muitos artigos em revistas científicas, é a influência neurológica, ou seja, o nível de modificação neurobiológica e dinâmica que as redes sociais podem ter sobre os seus utilizadores.

Como é que funciona? Tento ser muito simples, o discurso é um pouco complexo mas vou tentar ser compreensível para todos.

Tomamos o like, o grande polegar como conceito de “gosto”: esta mensagem foi colocada de modo a que quando se escreve algo, as pessoas que lêem possam transmitir o que lhes agrada, as pessoas que lêem podem enviar o que tecnicamente se chama um feedback, que é um sinal de resposta, apreciação do que foi escrito. Basicamente, é um sinal de atenção. Nós construímos a nossa identidade, a ideia da nossa identidade e também a ideia do mundo em que vivemos sobre os feedbacks da atenção.

Isto é, digo “raios, hoje está frio” e se 50 pessoas gritarem “seu idiota, está quente como o inferno” então o feedback é negativo e eu terei a tendência a não pensar que está particularmente frio; se 50 pessoas gritarem todas “raios tens razão, está muito frio”, eu terei um feedback positivo, o que consolidará a ideia de que está frio, ao ponto de que, se alguém me dissesse que talvez não esteja tão frio, eu respondo: “De que é que estás a falar?”. Foram essas 50 peças de feedback que consolidaram este modelo de percepção da realidade para mim. Obviamente simplificando muito.

Na realidade, antes das redes sociais, quantos feedbacks poderíamos obter em relação ao que dizíamos? Uma pessoa normal poderia receber feedback de dez pessoas que conhecia, todos os dias, um pouco no trabalho, um pouco no café, depois na família; se era uma pessoa muito sociável, encontrava 20, 100 pessoas num dia. Com as redes sociais qualquer pessoa escreve algo e de repente mil pessoas lêem e ele recebe 50, 100, 200 likes: estes são sinais de atenção ao que ele escreve, à sua percepção da realidade e de identidade. Obviamente não é que se escrever algo e 20, 100 ou 5 mil pessoas colocarem likes, isso muda a sua vida: não, é algo que não faz sentido. Mas se durante anos, todos os dias, escrevermos algo: hoje anuncias as férias, amanhã não concordas com esta lei, aquele partido é antipático, aquele em vez disso é corrupto… todas as vezes com feedback, dia após dia, o que acontece? O que acontece é que o teu cérebro se acostuma a este feedback.

E esse nível de habituação está sempre a aumentar porque quanto mais estiveres nas redes sociais, tanto mais cresce: por isso Facebook coloca um limite de 5 mil amigos no perfil, porque para para chegar a 5 mil amigos, mesmo uma pessoa bastante conhecida demora algum tempo, leva pelo menos alguns anos e tem muito tempo para tornar-se completamente viciada, dependente: ou seja, o teu cérebro habituou-se a receber feedbacks diários. Isso é totalmente inconsciente, não é que corras todos os dias a ver quantos feedbacks tens, quantos likes tens, não é tão óbvio assim: mas o teu cérebro faz isso, cada vez que recebe estas coisas habitua-se. Ao ponto que, se divulgares algo e, por alguma razão, os likes calam, tens menos visibilidade e recebes menos feedbacks, sentes um mal-estar: “Será que fiz algo de errado? Algo não estava bem? Essa mensagem não foi apelativa?”. Uma sensação desagradável, independentemente do contar os gostos: mas o cérebro conta, inconscientemente conta.

Quando se fica viciado e se chega a 5.000 amigos, dizem que não se pode ter mais amigos, não se pode aumentar a dose de atenção, é preciso deixar o perfil e criar uma página, que tem outros algoritmos, outros mecanismos de controlo. Uma coisa que todos os que passaram do perfil para a página viram: os algoritmos diminuem a visibilidade das tuas mensagens, o que significa que para a mesma quantidade de conteúdo expresso recebes muito menos feedbacks. De repente, uma queda brusca, que empurra o teu cérebro numa direcção: diz “Quem me dera ter mais” e é nesse momento que ficas inundado de mensagens do Facebook que diz “com apenas 50 cêntimos pode ter mais 50 likes, com apenas 5 Euros mais 5.000 likes por dia”. Muitos, simplesmente movidos por este mecanismo inconsciente, dizem “o que é que me importa de 50 cêntimos ou de 5 Euros?” e aqui está a razão comercial, o uso comercial da dependência neurofisiológica e neurobiológica.

Infelizmente, mesmo esta fase foi ultrapassada. Já é bastante desagradável porque basicamente cria uma dependência bioquímica para obter um ganho marginal; porque nem todos aceitam, mas em três mil milhões de utilizadores, mesmo que uma percentagem muito pequena concorde em dar um Euro por mês, continua a ser uma quantia enorme. Mas seriam apenas estratégias manipuladoras bioquímicas para fins comerciais. Infelizmente foi dado um passo em frente, muito rápido: assim que se percebeu que desta forma é possível indicar às pessoas do que falar e do que não falar, está na mão a ferramenta perfeita de modificação perceptiva da massa que é extremamente mais pérfida do que os meios de comunicação tradicionais. Quando for entendido que os mecanismos automáticos de feedback das redes sociais criam este mecanismo viciante que pode ser condicionado e dirigido, então uma das coisas que Facebook começou a fazer em massa, com outras redes sociais mas no caso do Facebook sei isso por certo, é usar algoritmos que não apagam (isso também acontece) mas que ofuscam, e isto tem sido feito sobre a visibilidade dos posts.

O que significa isso? Significa que se fizeres um post que o algoritmo, por várias razões, considera indesejável, diminui a tua visibilidade. Assim, se tens 100 utilizadores que clicaram em “seguir”, porque querem ver os teus posts, em teoria o teu artigo deveria aparecer no wall de todos estes 100 utilizadores, eles deveria ter na página deles uma representação do post que diz “Atenção, Stefano Re ou quem mais postou isto”.

Facebook faz o quê? Baixa essa percentagem, cem clicaram em “seguir” mas o total aparece apenas de acordo com o que o algoritmo decide: 80, 70, 60, 50, 30, 10. Qual é o resultado? É que se escreves mensagens com um determinado conteúdo, obtens mil gostos; depois escreves mensagens com um conteúdo diferente, o algoritmo fica zangado e obtens 50 likes. Também podes dizer “quem se importa com os likes? Eu escrevi isso porque o quero escrever”. Mas na realidade o teu cérebro, como já disse antes, foi condicionado de modo a sofrer uma perda, sofrer uma diminuição da libertação de substâncias dopaminérgicas que estão relacionadas com o feedback que recebeu, pelo que, de facto, o teu cérebro reage associando o desconforto ao conteúdo.

Então, nos factos, torna-se um treino sobre o que se pode escrever e o que não se pode escrever. Publicas este conteúdo? Aqui está a cenoura, muitos likes, o teu cérebro está feliz; publicas outro conteúdo que eles não querem que publiques? Não é que eles o apaguem, fazem-no isso em casos extremos, mas acima de tudo ofuscam-te para que tenhas menos likes: o teu cérebro sofre, quer queira quer não, e transmite-te esse desconforto. Depois, como acontecia nos mecanismos de condicionamento nos estudos iniciais de Pavlov, associas a utilização de um determinado conteúdo, a escrita de um conteúdo, o pensamento de um conteúdo, a uma sensação de desconforto: este é treino bioquímico em massa.

É mais terrivelmente perigoso do que a televisão porque a televisão, mas também os jornais, são unidireccionais, ou seja alguém, que pode ser Stefano Re ou pode ser Rockefeller ou quem quer que esteja na televisão, diz-te como estão as coisas, o que tens de fazer: recebes passivamente estas mensagens, mas estás “do outro lado”. Podes dizer: “Bem, eu acredito, não acredito”. Podes desligar a televisão, podes reagir como quiser, mas é algo vindo do exterior, vindo de fora, tu e o teu cérebro identificam-o como algo que vem de fora.

Nas redes sociais não há ninguém que chegue e te diga como estão as coisas, há tu com a tua página, com os amigos que tu escolheste, por isso o que aparece na tua página Facebook é o que está dentro do teu cérebro. Assim, enquanto manipular o que está a ser dito na televisão é manipular algo que recebes do exterior e depois tu julgas ficando separado do que vês, o que encontras nas redes sociais é o que pensas: treinam-te para dares espaço a isto ou outros não do exterior, fazem-no dentro do teu cérebro e estão a fazê-lo através de mudanças neuroquimicas no teu cérebro ao nível de biliões de pessoas.

Agora, esta é a deriva ditatorial mais assustadora de sempre, os nazis eram amadores porque tinham ferramentas de amadores, não porque fossem menos maus. Continuo a dizer, e quero sublinhar isto: olhem para os processos, não para o conteúdo. Não o conteúdo, não importa se uma técnica de manipulação de massa for utilizada para fazer uma coisa boa ou uma coisa má, para salvar crianças famintas ou os pobres imunodeprimidos que não poderem aproximar-se de ninguém que não tenha sido vacinado, ou se, em vez disso, for para fazer mal ou ganhar dinheiro, se forem as empresas farmacêuticas, etc. O conceito é que há um processo em curso, estão a ser feitas mudanças, alguém está a fazê-las e há resultados. Em suma, temos de nos concentrar nisto e parar por aí, porque esse é o ponto grave. Não é possível que os privados possam decidir o que pode ou não pode ter espaço na mente de milhares de milhões de pessoas, é algo aterrador, mesmo que fossem as pessoas mais inteligentes e boas do mundo.


Mas para finalizar: o que é uma substância dopaminérgica?

A dopamina é um neurotransmissor que desempenha vários papéis importantes no cérebro e no corpo. O cérebro contém várias fonte de dopamina e estas desempenham um papel importante no comportamento motivado a recompensa. A maioria das recompensas aumentam o nível de dopamina no cérebro, tal como acontece com as drogas viciantes que aumentam a actividade neuronal da dopamina. Esta também está envolvida no controle de movimentos, aprendizagem, humor, emoções, cognição e memória. Actua sobre o sistema nervoso causando a aceleração dos batimentos cardíacos e a elevação da pressão sanguínea.

Os estímulos que produzem motivação e recompensa (fisiológicos como sexo, boa comida, água, ou artificiais como medicamentos e drogas, ou eléctricos, mas também música, particularmente certos tipos de sons ou timbres vocais) estimulam a libertação de dopamina. Níveis excessivos desta substância podem ser encontrados nas psicoses (esquizofrenia, desordem esquizoafectiva, desordem ilusória, fase maníacal na desordem bipolar), em vícios e, por exemplo, no jogo compulsivo.

 

Ipse dixit.

9 Replies to “Os mecanismos neurológicos dos social networks”

  1. Sim, o que deve sempre ser identificado são PROCESSOS. E como ignorar que os mesmos não sejam, em sua base conceitual, taxados de CONSPIRATÓRIOS?

  2. Pessoal! Hoje o Max (provavelmente) não poderá escrever e talvez o mesmo se passe amanhã. Lamento. Aproveitem para comentar, sugerir, criticar… Obrigado!

  3. E já fazem 20 anos que iniciaram a mudança. Agora é tarde. Ouve uma época em que poderíamos achar de tudo na internet, todo conhecimento do mundo estava disponível, eu reuni uma biblioteca sobre assuntos que gosto e estudo, maioria dos sites não existe mais. Hoje só achamos incentivo a dissonância cognitiva, até mesmo o comunismo é bem aceito pelos frequentadores das redes, vacinas então, mesmo que tu publique que são mortais não vão perder o interesse.

    https://puto45.blogspot.com/2020/12/

  4. Acho que esta técnica é bastante antiga, e deve ter nascido na Universidade de Stanford, antes das redes sociais, no tempo em que as redes sociais eram presenciais, eram aula, e aí se aplicava o feedback como reforço positivo e reforço negativo.
    Os professores brasileiros finalmente tinham uma didática segura. Todo professor deveria se transformar em um show men ou womam, e a receita vinha direto dos states, via pacotes educacionais que elogiavam as teorias comportamentais.
    A coisa era risível, mas pouca gente se dava conta disso. Durou alguns anos por aqui, até que a internet possibilitou a ampliação do público alvo e o desenvolvimento da técnica mais apurada.
    Foi dentro dessa lógica, ora em curso, que a pedagogia brasileira privilegiou os processos didáticos, a metodologia,e menosprezou os conteúdos. Não preciso dizer no que deu. A realidade está aí para comprovar.

    1. Pelo que pude entender até agora, as ditaduras na América Latina se constituiram em experimentos diferentes segundo cada país. Por exemplo, Argentina e Chile – experimentos de eliminição dos “rebeldes”; Uruguai – de modificação dos “rebeldes” pela aplicação de técnicas psicológicas, essas mesmas aí do texto… no Uruguai matou-se pouca gente; no Brasil o experimento foi de psicologia de massas via radicalização do uso de teorias comportamentais pela televisão de alcance nacional e, também, pela escolarização. Vale lembrar que por aqui, Brasil, a educação estava incluída na estratégia de segurança nacional no âmbito da estratégia psicossocial (juntamente com outras três: a poítica, a econômica e a militar).

      A educação foi radicalmente transformada durante esse período, basicamente pela segmentação do processo educacional em mínimas e proliferantes tarefas, cada uma com seu valor traduzido em ponto positivo ou negativo que, somados, dariam o escor geral da aprendizagem de cada um, da turma, da escola, do município, do estado da federação, do país inteiro. Tudo isso, de cabo a rabo, sob a orquestração da UNESCO e seu poder tanto de orientar quanto de avaliar o desempenho das nações em desenvolvimento.

      Hoje percebe-se que o que interessava, ou melhor, o que foi realmente transformador de cada um de nós e de todos, foi a segementação do processo educacional, a submissão do aprender à obtenção paranóica de pontos. Isso tudo resultou no nosso afã, oco de processo, pelo efeito de superfície produzido pela finalização de tarefas e o seu valor conferido por autoridades de avaliação: professores, chefes, patrões, especialistas, diretores… fundações, ministérios e orgãos internacionais. Ou seja como atingir um coelho e todos os coelhos ao mesmo tempo com uma cajadada só.

      Naturalizou-se, para nós, a necessidade de obtenção de sucesso nas tarefas a despeito de aprender, conhecer melhor, ter melhores ferramentas para viver. Nos emocionamos muito com pontos positivos, notas de provas escolares, aprovações em cursos e diplomas, verdadeiras bombas dopaminogênicas. É bom lembrar, no entanto, que aprender algo (fazer uma boa comida ou tornar-se um agricultor que não polui, um agente de saúde que não promove doenças, um educador que não promove ignorância) dá mais prazer do que a obtenção de pontos ou diplomas. As agências educacionais promovidas pela ditadura brasileira (escolas, universidades, meios de comunicação de massa) tomaram a via da recompensa behaviorista ao entronizar a avaliação bipartida. Aquela em que o agente avaliador primeiro, e quase sempre o único, nunca é quem realizou a ação, mas um outro especializado nisso.

      Como resultado, temos uma nação inteira composta por indivíduos praticamente incapazes de pensar e avaliar qualquer processo de que sejam o agente principal. É assim que foi possível aos responsáveis por atingir Hiroshima e Nagasaki dizer que se sentiam bem pois haviam cumprido sua missão (tarefa).

      Enfim, não nos esqueçamos que o controle de nossas erupções de dopamina devido ao êxito na avaliação está coextensivamente associado a erupções de outros tantos neurotransmissores responsáveis pela sensação de fracasso quando não realizamos bem nossas tarefas. Aí está, como entendo, o oco do oco de nossa atuação social e política. A submisssão de nossa capacidade analítica dos processos pela celebração do sucesso ou pela dor pungente e solitária provocada pelo insucesso, pela insuficiência ou pela icapacidade.

      Derelictos. Talvez essa palavra usada para referir-se a embarcações encontradas sem tripulação vagando ao sabor das correntes descreva bem a nossa tendência subjetiva tanto individual quanto coletiva. Não se trata de nossa natureza, mas do que nos transformamos sem saber ao sermos tratados por táticas tão covardes e com investimento em dinheiro, instituições e recorrência brutais. A internet, derivada das teorias militares da comunicação, é o aperfeiçoamento e o aumento individualizante e exponencial da penetração da tarefa como parâmetro de compreensão e expressão dos nossos processos de vida.

      1. Excelente explanação…mas abrangente demais para os “intelectuais” costumeiros do blog…

  5. Como disse o bom Max:

    “Pessoal! Hoje o Max (provavelmente) não poderá escrever e talvez o mesmo se passe amanhã. Lamento. Aproveitem para comentar, sugerir, criticar… Obrigado!”

    Sugiro uma música: “Meu caro amigo” Chico Buarque / Francis Hime, de 1976 , mas atemporal, como muitas músicas do Chico.

    https://www.youtube.com/watch?v=3VT5j1CV-hQ

    Abraços.

  6. Sr. P. Lopes, aproveite a deixa do Max e escreva uma das suas poesias em sinal de protesto contra a prisão domiciliária dos cidadãos que o Governo do Primeiro-Ministro António Costa e a Presidência, nos voltou a impor.

    1. “Tudo o que temos a fazer agora é decidir o que fazer com o tempo que nos foi dado. Esse tempo começa agora, ontem, há um ano, uma década atrás, com a virada do milênio, começando amanhã. É a hora de agora, e por mais que tentemos recusar sua presença, ela está ao nosso redor, tão palpável quanto a vida que vivemos e agora estamos proibidos de viver. Reconhecer esta verdade, reconhecer a força da realidade virtual que usurpou o mundo que pensávamos conhecer, levantando-nos e enfrentando-o em vez de nos encolhermos de medo, é o primeiro passo para resistir e não colaborar na violência de seu vasto engano – até se isso significar nada mais do que recusar-se a participar do assassinato da verdade sobre a qual está sendo construída.”

      https://architectsforsocialhousing.co.uk/2021/02/19/cui-bono-the-covid-19-conspiracy/

Obrigado por participar na discussão!

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