Timor Leste: a verdadeira situação dos professores portugueses

Emissora televisiva TVI, notícia de ontem:

Cerca de 140 professores portugueses em Timor-Leste pedem para ser repatriados com urgência para Portugal por falta de segurança. Nos últimos dias têm crescido as ameaças a estes profissionais, acusando-os de serem os transportadores do novo coranavirus para a ilha.

Um familiar direto de uma professora que está no território (e que pediu anonimato por razões de segurança), contou à TVI que a mãe e mais outros 11 colegas que estavam a trabalhar na cidade de Baucau, a cerca de 130 quilómetros de Díli e a segunda maior cidade do país, sofreram tentativas de agressão na casa do professor onde moravam. Além disso, nas ruas, ouviram ameaças verbais da parte de timorenses que os apelidaram de “coronas”. Este grupo de docentes chegou a Timor a 28 de fevereiro.

Devido ao sentimento de insegurança, os professores de Baucau acabaram por ir para Díli, onde se encontram atualmente. Mas segundo a mesma fonte, o hotel na capital onde estão alojados já foi apedrejado por um grupo, depois de se aperceberam da presença de portugueses no edifício.

Estes professores já falaram com a embaixada portuguesa em Timor, pedindo ajuda para sair da ilha com urgência. Além das razões de segurança, temem ainda pela saúde. Nesta altura há apenas um caso confirmado de Covid-19, mas receiam que o serviço de saúde timorense não esteja preparado para fazer face a um possível surto.

O grupo de docentes também já expôs o caso à Coordenação Portuguesa do Projeto, alegando ainda não haver forma de garantir as condições de higiene necessárias para garantir o funcionamento quer da escola, quer da habitação que partilham.

Nesta altura há cerca de 140 professores espalhados por dez províncias de Timor-Leste ao abrigo do protocolo na área da educação acordado entre os governos de Portugal e de Timor. Apenas os que estavam colocados em Baucau e no enclave de Oecussi foram para Díli. Os restantes mantêm-se nas províncias, mas o desejo de voltar a Portugal é comum a praticamente todos

Tenho uma amiga que trabalha em Timor e hoje com Whatsapp é simples manter-se em contacto. Então percebe-se que a notícia muda um pouco. E dado que a amiga fez questão de enviar-me a carta do Ministério da Educação de Portugal (a mesma que foi enviada hoje a todos os professores em Timor), percebe-se que a notícia é falsa.

Para começar, Baucau é um lugar problemático, sempre, não apenas agora por causa do Coronavirus. A seguir: os 140 portugueses não “pedem para ser repatriados com urgência para Portugal por falta de segurança”; alguns deles pedem para regressar, outros nem por isso. A minha amiga, por exemplo, estaria bem feliz de lá ficar porque gosta do lugar e das pessoas. E não é a única.

Queremos dizer a verdade? A maioria dos professores que vão para Timor sabem o que irão enfrentar, são pessoas informadas e animadas pelas melhores das intenções. Mas outros não. Uma minoria, sem dúvida, mas há alguns professores que vão para Timor e que esperam encontrar uma determinada situação; chegados lá, encontram algo diferente. Percebem o que poderiam ter percebido aqui também se internet não servisse apenas para postar imagens de gatinhos sorridentes: Timor é um País pobre, onde uma casa com sanita é um luxo. Os professores portugueses têm casas com sanita (contrariamente à maioria dos habitantes locais), mas os professores queriam mais duma casa com sanita, talvez estradas asfaltadas, rede telemóvel sempre disponível, poder ir até a capital sem fazer 16 horas (100 km) num velho autocarro sem ar condicionado. Mas Timor é um País pobre.

Assim pode haver o funcionário público iludido de ir para os trópicos para ganhar o dobro do que ganha aqui e fazer a boa vida: e depois fica um pouco desiludido. E fica refém da Síndrome do Bom Missionário, algo tipo eu-branco-venho-entre-vocês-trogloditas-e-trago-a-cultura que não cai tão bem e dá para entender uma situação que, em alguns raríssimos casos e apenas em zonas mais problemáticas, pode provocar a reacção dos populares nas zonas culturalmente mais “fechadas” como Baucau.

Mas é isso que aconteceu? Acidentes com alvos professores portugueses? Não, nem isso. Na verdade, em Timor ao longo das últimas semanas não aconteceu nada. Dum lado os órgãos de comunicação portugueses que querem manter o clima de pânico, mesmo recorrendo a notícias sem fundamentos; do outro lado alguns funcionários públicos chateados e com medo de estar num País sem meios para enfrentar a “pandemia”. E eis como é construída a “notícia” acerca do Coronavirus, na qual um grupo de professores desesperados suplicam por ajuda.

Vamos ler a resposta do Ministério, contida na carta enviada hoje aos professores. O negrito é meu.

Nos últimos dias têm-se multiplicado os emails dos senhores professores, respetivas famílias e amigos. Tendo em conta que têm idêntico teor, tomo a liberdade de responder a todos de uma vez.

Por outro lado, têm recentemente sido publicadas notícias alarmantes que, naturalmente, geram toda uma nova onda de comunicações.

A situação em Timor-Leste, como sabem, é calma. Existe um caso confirmado de infeção. Trata-se de uma pessoa que, chegada do exterior e por precaução, se autoisolou imediatamente não tendo tido sequer contacto com a família que aqui se encontrava ainda, situação em que se mantém até ao dia de hoje. A pessoa em questão encontra-se bem, numa instituição do estado timorense, sem que se tenha verificado qualquer ato hostil contra ela.

Os incidentes que se verificaram no domingo, como sabem também, foram direcionados a cidadãos que eram transportados para os locais de quarentena. Tendo em conta as restrições de entrada em território timorense, a larga maioria destes cidadãos era de nacionalidade timorense. Trata-se, por isso, de uma questão anti doença e não tanto anti estrangeiro, ainda que reconheçamos algum preconceito contra estrangeiros, idêntico de resto ao que, logo no início da epidemia, se verificava em relação a cidadãos chineses.

Na semana passada, e perante a perspetiva de encerramento de fronteiras, sugerimos a todos os portugueses que, caso o tivessem planeado, antecipassem o seu regresso a Portugal. Muitos fizeram-no, contornando os obstáculos que se colocavam, alguns até com crianças ou com questões de saúde. Fizeram-no e têm-no feito. É possível ainda.

Acautelámos, junto do Ministério da Educação de Timor-Leste que a manutenção dos vossos contratos não seria um problema e que este MEJD se responsabilizaria pelos custos decorrentes das antecipações das viagens, respondendo assim às preocupações que nos foram transmitidas pela vossa coordenadora.

No sábado passado, mal tomámos conhecimento da carta assinada por alguns professores de Baucau, telefonámos a duas professoras para nos inteirarmos da situação. Tomamos então conhecimento de que grande parte dos factos relatados tinham sucedido antes da confirmação do caso infetado e por isso não se relacionavam diretamente com ele ainda que fossem preocupantes (lamentamos apenas que não nos tenham sido referidos na reunião que aqui tivemos dias antes).

O Senhor Embaixador, cuidando que seria essa a solução mais confortável e segura para todos, pediu que viessem para Dili onde se sentiriam mais seguros.

Ontem encontrámos algumas senhoras professoras de Baucau que se mostraram serenas e tranquilas.

A Embaixada de Portugal tem estado sempre a acompanhar e a envidar os maiores esforços no sentido de garantir a segurança dos senhores professores. Temos procurado responder sempre a todos os anseios.

A comunidade portuguesa em Timor-Leste, como sabem, é composta por outros cidadãos portugueses, incluindo outros agentes de cooperação e a nenhum tem sido dedicada a atenção que tem sido dispensada aos senhores professores.

A situação em Timor-Leste é, repito, calma.

Existe ainda a possibilidade de se sair do país via Bali e todos os dias me têm chegado mensagens de outros portugueses que têm conseguido chegar a Portugal.

Existe um caso confirmado de COVID19. Que está controlado.

Não há, apesar de tudo, razão para pânico.

Todos nós, os que aqui nos encontramos, estamos não apenas na mesma situação que os senhores como também temos família em Portugal.

Assim como a restante comunidade portuguesa.

A Embaixada de Portugal tem feito um esforço grande para conter o maior e mais contagioso de todos os perigos – o pânico. Entre a comunidade portuguesa e entre as famílias em Portugal.

Estamos, como é natural, em contacto permanente com as autoridades timorenses e portuguesa, bem como com representantes da comunidade internacional em Timor-Leste, nomeadamente, a representação da Organização Mundial de Saúde.

Esta é uma pandemia mundial e há, infelizmente, situações muito mais graves que aquela que vivemos em Timor-Leste. Numa altura em que todos os recursos são poucos, há que priorizar.

Temos repetidamente garantido que o Estado Português não abandona os seus.

E a verdade é que a Embaixada tem estado sempre disponível para acolher as vossas preocupações.

Notícias erráticas não contribuem em nada para melhorar a situação. São notícias sensacionalistas que não relatam a veracidade dos factos e mais não fazem do que lançar o pânico, não apenas entre os restantes membros da comunidade, como sobretudo entre as suas famílias em Portugal e até mesmo junto das autoridades timorenses.

São notícias ofensivas para a Embaixada, para o Estado Português e para o Estado Timorense.

Todos nos encontramos em Timor-Leste voluntariamente. No caso dos agentes de cooperação, com o objetivo de ajudar este país. Notícias como as que têm saído, além de gerarem confusão e alarme, minam por completo o vosso objetivo, a confiança que os timorenses depositam em nós e não contribuem em nada para a garantia da nossa proteção ou da solução do problema.

Caros senhores professores,

Compreendemos, mais uma vez, que se sintam por vezes ansiosos. O mundo inteiro está ansioso.

Vivemos de facto um período novo e a cada momento somos ultrapassados pelos acontecimentos. O desconhecido assusta. Mas cabe a cada um de nós proteger-se e proteger o próximo. Seja da doença em si, seja do pânico.

Pensem nas vossas famílias em Portugal, a braços com uma situação bem mais grave, sem nada poder fazer à distância e a receber constantemente relatos alarmistas. Sabemos que não vivemos no paraíso mas sabem bem que não há razão para tanto.

Pensem nas nossas famílias, dos restantes portugueses que aqui se encontram e que tentamos proteger e acalmar.

A Embaixada está verdadeiramente a acompanhar a situação. Estamos todos no mesmo barco. Mas se já antes os nossos recursos eram limitados, agora estão reduzidos ao mínimo. Enquanto estivermos ocupados a responder às centenas de emails que recebemos sobre o mesmo assunto e sobre o mesmo grupo de pessoas, a responder a emails, mensagens e telefonemas de outras pessoas e autoridades alarmadas pelas notícias, não conseguimos dedicar-nos ao que verdadeiramente importa que é resolver a situação e garantir a segurança de todos.

Agradecemos por isso a vossa colaboração.

Mantenham a calma e a serenidade, essenciais neste momento, e ajudem-nos a ajudar-vos.

Repito: a maioria dos professores que vão para Timor são pessoas informadas e, com as melhores das intenções, trabalham com paixão. Mas outros, uma minoria, não.

Assim, um punhado de funcionários públicos histéricos, os preconceitos, uma pandemia falsa e relatos falsos criam notícias falsas, pontualmente exploradas pelos órgãos de comunicação que, como podemos observar, publicam não-notícias alarmistas sem antes verifica-las. Porque o objectivo não é informar mas alimentar o pânico.

 

Ipse dixit.

One Reply to “Timor Leste: a verdadeira situação dos professores portugueses”

  1. Uma coisa é certa, existe uma clara tentativa de provocar o confronto entre as pessoas aqui em Portugal, mas até ao momento a análise que faço da situação é a de que as coisas não estão a correr como o previsto, os cidadãos têm se resguardado em suas casas embora existam relatos de trocas de palavras menos simpáticas, preconceito, e uns empurrões, em algumas zonas do interior onde a ignorância é maior.

    A disseminação intencional do pânico junto das populações (e todos sabemos que uma pessoa agindo em estado de pânico comete actos irracionais), é provavelmente o que os mentores do golpe de estado em curso pretendem encontrando assim uma justificação para mandar as forças armadas e as forças de segurança agredir e prender os cidadãos.

    Uma espécie de doutrina do choque.

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