Coronavirus VIII: Os Tártaros chegaram

Em prisão domiciliária, sem nem um acto de acusação formal, sobra tempo para ler, ver a televisão, fazer arrumações e até pensar. Bom, na verdade eu continuo a sair, pelo menos de manhã; mas para onde vais quando a maioria das lojas estão fechadas, quando os teus conhecidos ficam em casa, quando nem podes trabalhar? Já pensei em pegar na mochila, na máquina fotográfica e ir caminhar longe das cidades, entre os montes e os campos: percorrer a antiga rota de Santiago de Compostela, até os Pirenéus, seria magnífico. Mas nem em Espanha pode-se circular livremente… De facto, agora tempo é coisa que não falta.

Os Tártaros e os generais

Então temos que admitir: está a ser brilhante. Esperávamos o ataque dos Tártaros fechados na fortaleza Bastiani, como no grande livro de Dino Buzzati. Em vez disso, os Tártaros saíram do cano do esgoto e em breve conquistaram a fortaleza toda, sentinelas inclusive enquanto ainda continuavam a olhar para longe, em direcção às montanhas, sem imaginar que tinham o inimigo debaixo dos pés, pequeno, silencioso, invisível, pronto para emergir armado até os dentes. Se é que um vírus tem dentes.

Mas por que esperávamos o ataque vindo das montanhas, na forma mais clássica da arte militar, e nos deixamos surpreender por um ataque inesperado, lançado de uma forma completamente não convencional? Essa é a pergunta que devemos fazer; e se a fizéssemos, chegaríamos facilmente à conclusão de que os nossos generais devem ser afastados e julgados, porque ou são perfeitos imbecis ou traidores. Tertium non datur, não há uma terceira possibilidade.

Nem todos podem ser especialistas em assuntos militares: pelo que tínhamos confiança neles. Qualquer pessoa pode ser surpreendida pelas circunstâncias num âmbito que não conhece, porque não é dele; mas um profissional não pode. Ele foi colocado lá mesmo por esta razão, ele está a ser pago (e bem) para isso: para cuidar da nossa segurança e para lidar com qualquer possível ataque, de qualquer direcção e em qualquer forma. Os generais que se deixam surpreender dessa forma são incapazes ou vendidos ao inimigo.

Fomos tolos, não para ignorar a possibilidade de que os Tártaros pudessem sair de debaixo dos nossos pés, o que não estávamos obrigados a prever ou mesmo imaginar, mas para confiar a nossa segurança a generais como estes. Essa foi a nossa loucura, pela qual agora temos de pagar caro. E se, mesmo agora, não somos capazes de entender o que aconteceu e se hesitarmos em nomear uma comissão de inquérito para colocar os generais incompetentes ou criminosos em julgamento, então isso significa que merecemos plenamente todas as desgraças que estão a chover sobre as nossas cabeças, como telhas arrancadas da tempestade.

Como é que a estrutura sanitária não previu um ataque bacteriológico? Como é que não estava preparada para a emergência? Será que temos que olhar para trás, quando tivemos que cortar nos orçamentos da saúde para fazer quadrar as contas de Bruxelas? As contas de Bruxelas agora batem certo, mas em breve serão virada de avesso. Desta forma ficamos sem contas certas na saúde aqui e sem contas certas lá em Bruxelas. Valeu a pena?

O feliz destino progressista

Foi uma obra-prima da guerra na versão do terceiro milénio: porque no terceiro milénio as guerras já não são feitas com canhões e aviões, mas com vírus, com pânico colectivo, com medidas sanitárias de emergência, tudo na direcção dum mundo “novo” que cheira à velho.

O perigo que pairava sobre nós era a ditadura. Há anos que falava-se disso, durante décadas, todos os dias, soando constantemente falsos alarmes e mantendo o pessoal constantemente nervosos. Os professores da escola e da universidade, os políticos, todos eles, repetiram ao longo de setenta e cinco anos que o fascismo não estava morto, que estava a chocar sob as cinzas, que podia ressuscitar, que tínhamos de estar atentos, que havia sinais da sua ressurreição iminente. Disseram-nos e repetiram para ter cuidado com o fascismo, o nazismo, o racismo, a soberania e o populismo; e novamente o revisionismo, o anti-semitismo, o conservadorismo, o encerramento, a xenofobia, a rejeição do diferente, a rejeição do outro, a erecção de muros, a demolição de pontes.

Todos nós fomos informados repetidamente, incansavelmente, que não há mais inimigos no mundo, excepto aqueles criados pelos nossos preconceitos e o nosso egoísmo (excepto, precisamente, os fascistas eternos); que não há mais os maus (só um par em terras longínquas que estão a ser tratados pelas Forças do Bem), porque o ser humano é bom, como disse Rousseau, e o povo é bom (excepto talvez o alemão e o japonês, que mostraram a todos o nervosismo deles. E o francês, que é antipático); que já nem sequer existem os loucos, porque a loucura é uma doença social criada pela burguesia capitalista e alimentada pelos nossos preconceitos; que as religiões são todas belas, boas e santas; que todas as culturas são igualmente ricas, apreciáveis e estimadas, em todas as suas formas, incluindo o canibalismo e o infanticídio e, proximamente, a pedofilia (porque não se deve julgar tais fatos isoladamente, e em qualquer caso não se pode contradizer o dogma do Bom Selvagem); que qualquer mancha é na realidade uma pintura, que qualquer disparate é uma oração, que qualquer livrete é uma obra-prima literária, que qualquer filosofia é uma manifestação muito elevada do pensamento: desde que, naturalmente, todas estas formas de expressão e especulação sejam progressistas, democráticas e anti-fascistas.

Em suma, estávamos a marchar gloriosamente em direcção ao magnífico destino progressista, onde o Inverno jamais voltaria, nunca mais o fanatismo, nunca mais a Idade Média, mas apenas o sol da Ciência: desde que, como é claro, soubéssemos vigiar contra o regresso do Fascismo, sempre ávido por sangue, sempre pronto a impor o jugo da ditadura ao povo.

A festa acabou

A ditadura, pelo contrário, chegou, mas da forma mais impensável e mais imprevisível: isto é, sob a forma de um vírus pequenino, minúsculo, que ninguém vê, para o qual não existe vacina (ou, se existir, até agora não apareceu), que nem sequer sabemos de onde veio (da China? Ou já lá estava, na Europa, há pelo menos um ano?) e sobretudo que não se sabe se chegou por meios naturais ou artificiais, se temos de agradecer à Natureza ou aos serviços secretos do Tio Sam, acostumados há já várias décadas a ver armas de destruição maciça em todo os lados excepto nas suas próprias casas, onde é certo que não só existem, como também são retiradas e utilizadas sempre que parecem úteis e necessárias.

Esse vírus foi o buraco de onde saiu a ditadura que conquistou a fortaleza, praticamente sem disparar um tiro, aliás muitas vezes com a aprovação do povo, que simplesmente não conseguia reconhecê-la como tal. Todos esperavam ver alguma escumalha fascista a aproximar-se, em camisas pretas, com o cassetete na mão direita; ou novos nazistas com a suástica no braço. Em vez disso, técnicos, virologistas, biólogos e médicos saíram e disseram que o vírus era, é e será muito perigoso; os políticos decidiram adoptar literalmente todas as recomendações dos técnicos, sem se preocuparem minimamente com os efeitos secundários de tais decisões, especialmente a nível económico; e jornalistas, líderes de opinião, intelectuais, autarcas, administradores públicos, bispos e padres que nos disseram, de um momento para o outro: “Rapazes, a festa acabou. Até agora fizeram o que queriam,entregaram-se à alegria, mas de agora em diante a música muda, porque estamos em estado de emergência nacional. Basta andar por aí, basta divertir-se, basta ir ao mercado, a conferências, a eventos públicos; basta ir à escola, basta levar o carro, basta ir à missa, basta acompanhar os funerais dos pais ou dos amigos: basta com todos estes hábitos velhos, perigosos, anti-sociais. Agora precisamos de ordem e disciplina. Estamos em perigo, e devemos agir com sentido de responsabilidade e decisão. Portanto, façam uma coisa boa: tranquem-se em casa e não saiam, excepto em caso de necessidade muito estrita. Se for parado pela polícia, saibam que terão de prestar contas para onde vão e porquê: se não forem ao médico ou ao local de trabalho, receberão uma queixa crime com uma multa enorme e até três meses de prisão”. Olé.

O Deus

E agora aqui estamos: fechados em casa ou, em boa parte da Europa, autorizados a sair só para fazer as compras (se sobrar alguma coisa nas prateleiras do supermercado), para ir trabalhar, se não for muito longe, e no máximo para ir o médico: não para o hospital, não para as urgências, isto deve ser evitado. Ir à missa? Nem se fala, mas afinal este é o mal menor, certamente não é de lá que virá a nossa salvação, mas da Ciência. O silêncio total do Papa acerca do valor da oração é significativo.

E paciência se a Ciência, na realidade, falhou, e o seu fracasso está diante dos olhos de todos. Não só não pode produzir uma vacina; não só não pude antecipar, preparar, prever, organizar; agora não só não pode explicar como e de onde vem o Coronavírus, como até nem pode sequer compreender o que é um vírus: é um organismo vivo ou não? Comparem duas, três ou quatro opiniões de biólogos e terão duas, três ou quatro respostas diferentes. Uma Ciência que nem dá para conhecer a natureza do inimigo. Estamos ser atacados por… “algo”. Eis a nossa Ciência.

Mas este Deus que falhou, este Deus indefeso, é também um Deus extremamente ciumento, que não admite que qualquer outra divindade seja adorada: só ele deve reinar incontestado e qualquer outra fé, qualquer outro acto de adoração deve ser considerado menos do que lixo. Até no momento mais ínfimo da Ciência, obrigada a espalhar números falsos para auto-absolver-se, ela pretende erguer-se qual única luz no meio das trevas e os macaquinhos bem treinados aplaudem à janela às 10 da noite.

Pensar mal é pecado mas…

E todos sofremos esta ditadura, e a sofremos com a máxima disciplina, quase com entusiasmo; enquanto a maioria das pessoas parece convencida, muito convencida, de que os nossos governantes e as nossas autoridades estão a agir para o nosso bem e, eventualmente, os censura por terem esperado demasiado tempo e por não terem imposto medidas sanitárias ainda mais draconianas; assim, aqui estamos fechados num campo de concentramento virtual, enquanto a Grande Finança e o BCE preparam-se para apertar o nó à volta do nosso pescoço, para impor a assinatura para a ratificação do Mecanismo Europeu de Estabilidade, especulando sobre as nossas desgraças, comprando as nossas indústrias quando vão à falência, impondo-nos quarentena e humilhação.

Privados das liberdades mais elementares, privados do direito de usar o nosso dinheiro, excepto nas formas estabelecidas pelo poder, ou seja, sem o uso de dinheiro físico. Privados das liberdades mais elementares em troca de segurança, mas uma segurança que não chega e que, aliás, é mais aleatória do que nunca. Privados do direito à educação, ou seja, da muito pouca educação ainda dada aos jovens nas nossas escolas; privados de serviços essenciais, incluindo o uso de transportes públicos: privados de praticamente tudo o que torna a vida bonita e amável, incluindo o “direito” de abraçar e beijar um amiga, ou melhor, de falar com ela a menos de um metro de distância, e tudo isso em troca de promessas, esperanças e desejos piedosos. Privados de informação: o que foi da gnoma sueca, a Greta, o que foi da poluição? O que se passa na Palestina, na Síria, no Yemen? Silêncio.

Permitimos que tudo isso aconteça com a obra de um pequeno vírus invisível, que tem sido usado e explorado por aqueles que preparam-se há muito tempo, os mesmos que passavam o tempo a distrair-nos com idiotices sobre fascismo e anti-fascismo, ou seja, sobre coisas de quase cem anos atrás. E o anti-semitismo, e o racismo, e o dióxido de carbono, e o carro eléctrico, e os gender, e as lésbicas…

Conseguiram tudo mesmo debaixo dos nossos narizes; com que delicadeza e, quase diria, com que sentido de humor. Agora há quase um inteiro continente em estado de emergência. O primeiro continente. Chapéu, pois foi uma autêntica obra-prima: disciplina e renúncia aos direitos fundamentais em troca da promessa de sermos defendidos contra uma pandemia virulenta e inesperada, contra o inimigo invisível.

Mas há, então, todo este perigo? São justificadas as medidas extremas que os governos estão a tomar para lidar com a “emergência sanitária” e que, enquanto isso, estão a destruir as nossas economias a um ritmo acelerado, colocando de joelhos empresários, artesãos e pequenos comerciantes, fazendo os turistas fugir?

Pensar mal é um pecado, mas quase sempre está certo. Bem: tudo sugere que esta é uma crise pilotada; que a emergência foi criada artificialmente, com o uso perverso da comunicação; que os nossos governantes, servos da União Europeia, estão a preparar uma crise também financeira; que o mesmo vírus é o resultado de um ataque bacteriológico daqueles que queriam punir vários Países, em particular aqueles que, há um ano, abraçaram o projecto da “Rota da Seda”. Peguem num mapa, vejam onde ficam Italia, Irão, China, os Países mais atingidos, e façam as vossas contas.

Tudo sugere que foi um teste, uma experiência, mais política e mediática do que bacteriológica: e o resultado confirmou as previsões. Provavelmente esses senhores vão querer bater o ferro até este ficar quente e passar à fase seguinte: ajudar bancos, mercados, finança; mais privatizações; limitação de alguns direitos; reescrever algumas das regras que estamos habituados a sentir como “nossas” e normais. O primeiro passo para a criação de uma Europa pós-europeia, pós-cristã, pós-soberana e pós-humana.

Houve gente que lutou e morreu para a nossa liberdade, a mesma que agora vendemos perante uma gripe. Não contentes, aplaudimos dos balcões. Mas não sentem nem um pingo de vergonha?

P.S.: fiquem atentos às vossas contas bancárias.

 

Ipse dixit.

6 Replies to “Coronavirus VIII: Os Tártaros chegaram”

  1. Ola! Max.
    Que bom voltar a ler os seus artigos.
    O que quer dizer com prestar atencao as contas bancarias?
    Acha que vão usar a desculpa do virus para sacar dinheiros das nossas contas? Como fizeram no Brazil

    Abraco
    Teresa

    1. Alguém terá que resgatar os “geradores de riquezas” e como sempre nada melhor que o dinheiro do povo para isso

  2. È Max, passada a hora do riso, também mergulho numa espécie de desencanto sem remédio. Eu sabia que a era do bio controle total viria, e que viria mascarado de segurança. Já muito teórico havia escrito sobre isto, me avisando (Deleuze, Foucault e mais muitos). Mas eu, assim como os cultos e entendidos erraram na descrição exata dos vetores. Imaginava a cada vez mais intensa separação do outro entendido como bandido, diferente, deficiente, o enclausuramento voluntário movido pelo medo dos outros, receio de se misturar, enfim uma infinidade de razões que nos tornariam decididamente frágeis, vulneráveis, desprovidos de força de resistência, corpos e mentes passivas, frias e obedientes, desgraçadamente sós. A invenção do vetor me parece menos importante do que o advento da era do terror que habita a individualidade de dentro para fora na maioria dos humanos…tão rápido. Eu me imaginei privilegiada pelo tempo, eu desapareceria da face da terra antes. Não deu.
    No meu entorno parece não haver fuga possível. Muitos que foram para as praias com a desculpa que o tal de virus não aguenta calor foram recebidos com cassetetes, balas de borracha como uso de dispersão de gente. Nos locais de maior quantidade, variedade e preço de alimentos, nem precisa polícia, as pessoas se acotovelam, discutem, se soqueia, esbofeteiam-se por um rolo de papel higiênico, ainda que os preços tenham voado. Nós fazemos as compras necessárias nos armazéns de campanha, nos vendedores a beira das estradas, nas pequenas vendinhas, empórios afastados da cidade, sem nenhum problema, por preços equivalentes. Por enquanto o dinheiro permanece ao alcance do depositante nas caixas eletrônicas, mas diminui o limite de retirada. Perpassa um nítido interesse das pessoas utilizarem os cartões até o endividamento máximo, pois o abastecimento é dito não garantido. O Fed distribui trilhões que não existem e o Brazil se endivida, apesar de ter reservas financeiras. Tenho lido que é uma regra geral. Logo será a vez de contarmos com o FMI, e voltaremos a pagar juros de dívidas impagáveis. Seremos mais e mais pobres enquanto alguns de nós se locupletaram em fortunas incontáveis.
    Se o mundo tivesse parado, eu pedia para descer, mas ele não parou, acelerou terrivelmente e eu não consigo descer. É muito azar ter de ouvir dia e noite recomendações de ir para casa, como se todo mundo tivesse casa como eu. Não tem escola para milhões de crianças brasileiras que dependiam da comida na escola…e foi assim que o Brazil saiu do mapa da fome…e voltou.
    É muito azar ouvir que as pessoas trabalhem em casa quando milhões de brasileiros não têm emprego nenhum, ou são os tais de autônomos sem nenhum apoio financeiro. É muito azar ver chegar na vizinhança o companheiro da mãe da Leane de cabeça baixa porque a polícia mandou fechar seu local de trabalho. O patrão mal teve tempo para avisar os empregados que tentaria liberar o abono salarial, antecipar o décimo, enfim, tentar garantir o mês do pessoal. O pai do Felipe trabalhava em uma obra na praia nema casa vazia com alguns companheiros. A polícia chegou e mandou todo mundo para casa, o mesmo acontecendo com o Felipe. Ninguém se rebela, têm medo, um medo não se sabe bem do que e de onde, mas é um terror múltiplo, vem de diversas origens. Até mesmo na mídia alternativa as vozes que uma semana atrás discutiam a origem e validade de estatísticas medidas governamentais, ora impõe a si própria estranhas retrações. Antes, vivíamos aqui no mato um silêncio agradável e alegre. Hoje sinto ter baixado o luto. Quem morreu? Alguma coisa está morrendo em nós.

  3. Nosso futuro pode-se ser encontrado no entendimento do passado civilizatório devidamente investigado…Simplesmente não há surpresas, apenas novas roupagens…

  4. “Gozem bem as férias que em Setembro vem aí o diabo” PPC
    Esta mensagem foi poderosa, mas poucos a entenderam.

Obrigado por participar na discussão!

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