Mundo novo, pobres antigos

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Enquanto no Médio Oriente as grandes e médias potências criam e acabam as guerras com grande felicidade dos governantes que assim podem fazer ganhar as empresas que produzem e vendem armas, em outras áreas do mundo os protestos crescem: Chile , Equador, Líbano, Iraque, França. Todos protestos que nascem de razões económicas aparentemente secundárias: na França foi o aumento dos impostos sobre os combustíveis, no Chile o aumento do bilhete de metro, no Equador o aumento de gasolina, no Iraque o desemprego, no Líbano a taxa sobra Whatsapp. Fica de fora a revolta de Hong Kong, porque aí os protestos podem ter uma outra origem: criar um pouco de desordem na muita ordenada China é uma ocasião demasiada gulosa para muitos Países ocidentais.

Mas, voltando às revoltas “sérias”, é possível identificar uma raiz comum? Porque aqui não estamos perante revoluções coloridas, este é descontentamento autêntico.

A razão mais convincente pode ser encontrada na falta de esperança. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de atenção, pode ver que, embora “a riqueza das nações” (como diria Adam Smith) esteja em aumento, as pessoas estão a empobrecer: algo que acontece nos Países mais sólidos do mundo ocidental, naqueles em desenvolvimento e ainda mais no chamado Terceiro Mundo. Um óptimo exemplo é aquele da Nigéria: o País africano mais rico que tem o maior número de pobres.

Essa contradição entre desenvolvimento e pobreza já tinha sido sido observada por Alexis de Tocqueville nas primeiras décadas da Revolução Industrial. Tocqueville escreve no seu livro Memoir On Pauperism (de 1835):

Quando alguém caminha pelas diferentes regiões da Europa, fica impressionado com um espectáculo verdadeiramente estranho e aparentemente inexplicável. Os Países considerados mais miseráveis ​​são aqueles onde, na realidade, é contado o menor número de pobres, enquanto entre as nações que todos admiram pela opulência, uma boa parte da população é forçada a viver de esmolas.

À medida que o desenvolvimento progrediu, essa divisão económica (mas também social) em vez de diminuir aumentou. Carl Marx tinha previsto que, numa determinada altura, os ricos se tornariam mais ricos mas num número tão pequeno que, para expulsá-los, não haveria necessidade de uma revolução, um pontapé teria sido suficiente.

Mas não foi exactamente isso que aconteceu. Os ricos tornam-se cada vez mais ricos, de facto muito ricos, mas também um pouco mais numerosos; e os pobres tornam-se cada vez mais pobres e muito mais numerosos. Em poucas palavras: é a classe média que, antes lentamente hoje vertiginosamente, tende a desaparecer, porque entre as suas fileiras alguns (poucos) conseguem elevar-se e alcançar a classe superior, mas a maioria desce para o submundo da pobreza.

Preocupante? Sim, muito, porque a classe média sempre foi a cola indispensável de um Estado ou de uma Nação: a classe média, entre as várias funções, tem aquela de ocultar a diferença entre as classes. É o desaparecimento da classe média que estamos a observar em Países como Chile, Equador, Líbano, Iraque, Nigéria; mas também na França, que é europeia e que deveria fazer parte do avançado mundo ocidental. A crise não é local, é global. Já não tem confins geográficos, não olha para o valor da moeda.

E o futuro? Não é risonho. No horizonte há uma crise económica, algo que os mercados já esperam. Se as instituições como o FMI ou o Banco Mundial continuarão com as míopes receitas de austeridade, como têm feito até agora, o exército dos pobres e dos miseráveis aumentará. A massa dos desesperados alcançará um volume imenso, cada vez mais difícil de controlar. Já falámos da massa crítica, aquele limite depois do qual as coisas já não podem ser limitadas. Há o risco duma revolta global? Não sei, os órgãos de informação ainda estão de maneira firme nas mãos da elite: mas pode haver uma altura em que nem as notícias controladas e desinfectadas podem travar a raiva.

E a situação internacional não ajuda.

Um mundo “novo”?!?

Já encontramos muitas vezes o jornalista Thierry Meyssan. E hoje, talvez pela primeira vez, fiquei desiludido com as suas observações. Porque se é para informar (e Meyssan bem sabe fazer isso), então temos que informar bem, sem barreiras ideológicas.

O artigo de Meyssan, que tem o título de O Amanhecer do Novo Mundo e que podemos encontrar em Voltaire.net, começa bem, com um resumo das últimas décadas e a constatação de que os equilíbrios das forças no planeta estão a mudar. Até aqui nada a apontar, são coisas que estão debaixo dos olhos de todos. O pior vem depois:

A libertação numa semana de um quarto do território sírio não é apenas a vitória do Presidente Bashar al-Assad – “o homem que deve sair” há oito anos – também marca o revés da estratégia militar que visa consolidar a supremacia do capitalismo. financeiro. O que parecia inimaginável aconteceu. A ordem mundial tombou. O seguinte é inevitável.

A grande recepção do Presidente Vladimir Putin na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos é um sintoma da espectacular inversão das potências do Golfo, que começam a mudar-se para o campo russo.[…]

A Rússia, reconhecida por todos como um País “pacificador”, está a fazer triunfar o Direito Internacional, que ela próprio fez nascer ao convocar em 1899 a Conferência Internacional de Haia pela Paz.

Assim como a Segunda Guerra Mundial pôs fim à Liga das Nações para dar à luz a ONU, o novo mundo que está prestes a emergir provavelmente dará vida a uma nova organização internacional, fundada nos princípios da Conferência de 1899, desejada pelo czar Nicolau II e pelo Vencedor do Prémio Nobel da Paz, o francês Léon Bourgeois.

Precisamos entender o que está a acontecer. Estamos a entrar num período de transição. Em 1916, Lenin disse que o imperialismo era o estágio supremo do capitalismo, daquele capitalismo feito desaparecer pelas duas guerras mundiais e a crise dos mercados de acções de 1929. O mundo de hoje é aquele do capitalismo financeiro,aquela forma de capitalismo que devasta, uma a uma, todas as economias em benefício de alguns super-ricos. O seu estágio supremo pressupõe a divisão do mundo em dois campos: por um lado, os Países estáveis ​​e globalizados; por outro, as regiões do mundo privadas de estruturas estatais, reduzidas a meras reservas de matérias-primas. Esse modelo – contestado pelo Presidente Trump nos Estados Unidos, pelos coletes amarelos na Europa e pela Síria no Oriente – está a agonizar debaixo dos nossos olhos.

Demasiado mau para ser verdadeiro. Deixamos de lado o Czar Nicolas II que tudo foi mas não um santo; e deixamos de lado também o hebraico e mação Léon Bourgeois. Vamos ver o que se passa agora.

O que está a acontecer no Norte da Síria é a implementação do projecto turco: fechar 3.5 milhões de pessoas numa área de 32 km de largura para 450 de comprimento. Pessoas desesperadas, vítimas da guerra, forçadas agora em Rojava, que até hoje era terra curda. A demografia, a sociedade, a cultura desses lugares são apagados. Este não é o triunfo dum novo mundo, é a capitulação da comunidade internacional e dos seus órgãos representativos.

Putin será o garante da divisão dos poços de petróleo de Rojava. Haverá guardas de fronteira da Síria com a polícia militar russa nos confins com a Turquia. Putin indica como “principal prioridade” a restauração da integridade territorial da Síria. E Damasco aplaude, com a Turquia quer alcançou o seu objectivo.

27 biliões de Dólares para construir aldeias, mesquitas, hospitais e escolas numa gigantesca manipulação demográfica, com milhões de refugiados forçados a regressar à terra donde fugiram porque perseguidos pelo regime de Assad, e centenas de milhares de curdos dispersos não sabemos onde. Esta é a “arabização” do Rojava, a desintegração de um modelo e de um território.

Festeja o turco Erdogan, festeja Putin, festeja a Síria. E festeja também Donald Trump que, na sua óptica, participou neste sucesso com o retiro das tropas americanas. Depois de ter abandonado os Curdos ao destino deles.

Não há nenhum pacificador por aqui: há o desmembramento duma nação, a nação curda, ditado pelos interesses das potências regionais, como a Turquia (que é membro da Nato), e  globais como a Rússia. Os interesses dos habitantes desta zona não foram minimamente mantidos em consideração.

É fácil ver nisso uma vitória russa se os nossos olhos estiverem condicionado pela ideologia. Muito mais complicado é ver nisso uma derrota do capitalismo financeiro: afinal perdeu o quê? Para onde irá agora o petróleo produzido naquela terra? Para a Turquia? Para Moscovo? E isso sem esquecer que algumas tropas americanas irão ficar na região, perto das zonas onde é extraído o petróleo também.

Nunca escondi as minhas simpatias pela Rússia: acho que o Ocidente tem muito que aprender com ela. Mas uma coisa é ter simpatia, outra é fechar os olhos e jurar que o Bem está só dum lado enquanto o Mal do outro, exaltando figuras como Nicolas II que, não esquecemos, não hesitava a abrir o fogo contra os seus concidadãos. Se este o novo mundo for a preto e branco, então façam o favor de devolver-me todas as cores.

 

Ipse dixit.

Fonte: Voltaire.net

Música: The Caravan by Serge Narcissoff, https://soundcloud.com/sergenarcissoff, music promoted by https://www.free-stock-music.com, Attribution-ShareAlike 4.0 International (CC BY-SA 4.0), https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/

4 Replies to “Mundo novo, pobres antigos”

  1. A imagem de um sol a nascer ou a frase : ” the dawmn of a new day ” tem sido repetidas por séculos por globalistas em todas as latitudes da URSS aos discursos de vários Presidentes dos EUA até á campanha da simpática senhora Clinton, é uma frase com um significado codificado e um gatilho para seduzir as massas, Thierry é apenas mais um “cavalo de Tróia” , surpresa ?
    Portanto… se Bashar deve sair e a Rússia é pacificadora ,Thierry é bipolar … no mínimo , mas foi divertido !
    Dai a importância de não confiar cegamente em quem aparentemente apenas nos quer informar , este blog inclusive, com a devida vénia. O antidoto ? Trust nobody !

  2. Constatar mazelas numa civilização predatoria/belecista não é difícil, mas o que não se faz, e por várias razões, é mostrar os processos historicos que resultaram neste status quo. Os mesmos críticos relevam ou até elogiam contextos reducionistas advindos destes processos. O mundo, cada vez mais, está de joelhos para segmentos que tem como carro chefe, um núcleo, que iniciou este caminho secular desde o tempo em que fenícios e gregos dominavam o mediterrâneo, controlando todo comércio entre oriente e ocidente. Surgidos entre tribos árabes expulsas da Mesopotamia pelo Império Babilônico, se estabeleceram na Palestina e sul da atual Síria. Se autointitularam de judeus. Posteriormente, expulsos pelos romanos de Jerusalem, migraram para a Europa e se inseriram nas Cortes monarquistas. Surgiam assim, o judeu branco, que através da habilidade oriental na lida com o comércio do dinheiro aliada a sua cada vez maior rede de traficancia comercial, gradativamente controlaria a grande maioria de monarcas. O descobrimento do Novo Mundo, propiciaria novos processos monopolistas de exploração/produção/distribuição/lucros, cujo continente resultaria numa grande colônia judaica branca.

  3. Quem são os curdos? De onde saíram? O que faz com que um curdo se reconheça como curdo e não se reconheça com outro não curdo? Toda nação deveria ficar em paz em um território, de preferência aquele no qual estão suas raízes e e seus mortos.
    Isso fortificaria as pessoas e as comunidades de tal nação. É tudo que os conquistadores de todos os tempos nunca permitiram, porque a conquista exige a solidão dos conquistados, sua fraqueza, sua ruína emocional. Os conquistadores dividiram e tornaram a dividir os povos, inventaram fronteiras inexistentes, forçam migrações constantes, misturam gentes que não se gostam e não se entendem, precisam do caus para submeter e governar. Os curdos deve ser mais um movimento deste estilo.

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