A guerra perdida contra Huawei

A guerra dos Estados Unidos contra a chinesa Huawei é uma coisa muito estúpida. Tão estúpida que até faz surgir uma dúvida: mas é mesmo o que parece ser?

Se o objetivo de Washington era pressionar e isolar a China através da Huawei, gigante dos smartphones, a verdade é que foi alcançado o efeito oposto. Durante esta “genial” operação, os Estados Unidos só conseguiram expor as suas próprias fraquezas a total falta de confiabilidade como parceiros comerciais numa “guerra tarifária” ampla, mal orientada e mal administrada.

As razões

Desde já vamos ver quais as razões, alegadas e verdadeiras, desta ridícula guerra.

A razão alegada: Washington afirma que a Huawei estava a conduzir operação de espionagem. Boa esta. Alguém deveria apresenta não digo uma lista mas aos menos o nome duma empresa de comunicação que não efectua espionagem: todas estas empresas vasculham os clientes, colectam dados e tudo o que for possível recolher. É a informação a riqueza, não a venda de smartphones ou equipamentos. A notícia espantosa seria “Há uma empresa de comunicação, a Huawei, que não espia os seus clientes”, isso sim que seria surpreendente e digno de realce.

A primeira razão verdadeira: a Huawei recusou entregar às autoridades americanas a chave da sua encriptação. E isso irrita os americanos que desta forma têm mais dificuldades em controlar os dados que passam através dos equipamentos da marca chinesa. Estamos a falar não apenas de smartphones para uso pessoal mas também de routers, servers, etc. Portanto, não estão envolvidos no controle apenas os clientes particulares mas também, e sobretudo, as empresas públicas e privadas.

A segunda razão verdadeira: em Maio de 2019, a Huawei subiu acentuadamente para o segundo lugar nas vendas globais dos smartphones: no primeiro trimestre de 2019, Huawei conseguiu vender 59.1 milhões de telefones, enquanto a Apple, agora em terceiro lugar, “apenas” 43 milhões, de acordo com a IDC (International Data Corporation). O episódio de Maio não foi o primeiro: Huawei e a Apple tinham repetidamente trocado o segundo lugar no passado. Só que desta vez a ascensão da Huawei prometia ser muito mais duradoura. A Apple encontra-se em declínio devido aos problemas de gestão interna e a uma certa saturação do potencial cliente da marca.

E foi mesmo quando os dados das vendas surgiram que os Estados Unidos anunciaram uma das escaladas mais drásticas na guerra comercial com a China: a Administração Trump anunciou a proibição de fornecer à Huawei todos os dispositivos fabricados nos Estados Unidos, incluindo os microchips produzidos pela Intel, pela Qualcomm e o sistema operacional Android desenvolvido pela gigante de tecnologia norte-americana Google.

Paralelamente a esse movimento, houve uma sinergia de relações públicas entre os media dos EUA e as suas contrapartes que operam naqueles Países que estão a começar a gravitar na órbita chinesa. Na Tailândia, por exemplo, os órgãos de comunicação locais, treinados e influenciados pelos interesses americanos, tentaram minar a confiança do consumidor na Huawei.

O que não te mata…

Reza o ditado: o que não te mata torna-te mais forte. E a Huawei, uma gigante tecnológica de importância fundamental para o sucesso económico e político da China no cenário global, possui todos os recursos necessários para superar as tempestades mais difíceis.

Assim, a Huawei começou a obter suprimentos de componentes indispensáveis ​​de empresas não americanas e também está a investir significativamente em soluções auto-produzidas como uma alternativa aos microchips feitos nos Estados Unidos. Até está a planear um sistema operacional completamente novo que substituirá o Android, e os planos avançam não desde hoje. O facto do trabalho no sistema operacional supostamente ter sido iniciado em 2018 indica que os executivos da Huawei não tinham ilusões sobre a boa vontade americana.

Perguntas retóricas: mas os Estados Unidos não sabiam que Huawei estava já a trabalhar num sistema operativo alternativo ao Android? Ninguém em Washington imaginou que boicotar a empresa chinesa teria significado acelerar o desenvolvimento do sistema operativo que ameaça seriamente pôr em dificuldades Google (outra empresa americana)?

Android é um sistema operacional de código aberto: isso significa que todos os desenvolvedores têm a capacidade de acessar e usar o seu código de base. Essa tem sido a chave para o sucesso do Android e, portanto, do domínio de Google no mercado dos smartphones. Mas também é o ponto fraco da Google e das tentativas do governo dos EUA de frustrar a Huawei: o sistema operacional alternativo da Huawei será compatível com o sistema Android. Os aplicativos Android (as “apps”) poderão ser baixados e utilizados nos telefones Huawei com o sistema operacional Huawei: mas ao invés de fazê-lo através da loja de apps online da Google (a famosa Google Play), o utilizador poderá passar pelo servidor da Huawei.

No médio e longo prazo, Google corre o risco de perder dezenas, senão centenas de milhões de clientes que poderiam usar as alternativas da Huawei. Portanto: a luta contra a Huawei é um boomerang. E de proporções até maiores daquelas  apresentadas até aqui: aos outros Países não é precisa muita imaginação para perceber que, se os Estados Unidos podem ameaçar empresas chinesas só porque estas dificultam a vida a multinacionais americanas, então Washington não pode ser considerada um partner comercial de confiança.

Na Tailândia, por exemplo, o governo local reforçou os seus planos de cooperação com a Huawei para desenvolver a rede nacional de 5G, apesar da crescente e já citada pressão dos Estados Unidos através dos órgãos de comunicação. As agências governamentais tailandesas garantiram aos consumidores que as sanções dos Estados Unidos não terão impacto nos produtos da Huawei vendidos na Tailândia, enquanto a mesma Huawei tomará medidas para garantir que não haja consequências no longo prazo. E o mesmo acontece com a chinesa Oppo, empresa quase desconhecida no Ocidente mas de sucesso na Ásia (até é a marca de smartphones mais vendidos na Tailândia). Isso é: as empresas de Pequim estão a preparar-se para enfrentar e ultrapassar os problemas provocados pela guerra comercial dos EUA.

Em frente, de acordo com o plano

O que significa tudo isso?

Significa que o utilizo de Facebook (ver caso Cambridge Analytica), Google ou Apple em flagrantes operações de espionagem e/ou de guerra comercial acaba por prejudicar estas mesmas empresas.

Significa que a brutal oposição entre a economia financeira americana e a superioridade militar, industrial e tecnológica de China e Rússia está a tornar a posição dos EUA cada vez mais delicada.

Significa que o bloco progressista implementado pelo clã Clinton & amigos está a ser desfeito com assinalável rapidez.

E significa que o mudança do “umbigo do mundo” para a Ásia continua segundo os planos pré-estabelecidos.

 

Ipse dixit.

Relacionados:

Fontes: IDC, Digital Trends, NPR, Bangkok Post

2 Replies to “A guerra perdida contra Huawei”

  1. As guerras mundiais têm tido características próprias. A finalidade de dominação de “espectro total” é a mesma mas os mecanismos tecnológicos físicos e políticos vão se modificando. Já em 20015 II apontava alguns destes mecanismos e já havia vasta discussão a respeito. Me parece, no entanto, que poucos reconheciam e reconhecem nestes indicadores a terceira guerra mundial em curso porque presos ao fantasma da guerra nuclear declarada. Esta terceira guerra na qual o mundo inteiro está inserido por não der declarada fica invisível aos olhos dos menos argutos, como se guerra comercial nada tivesse a ver com gurra mundial. Chamem de híbrida, não convencional, tecnológica, de informação, midiática, comercial, de extermínio ou tudo ao mesmo tempo agora, ela está aí, somos soldados dela, sem nem nos darmos conta, somos uns robozinhos descartáveis, como sempre foram as tropas em campo, com um ou outro dotados com dois ou mais neurônios biológicos ainda em funcionamento que ou a dirigem em benefício de clãs específicos, ou desertores que a reconhecem por inteiro
    Fico pensando que quem diz que a quarta guerra mundial seja com paus e pedras, possa estar enganado. Talvez seja uma guerra na qual soldados manipuláveis e descartáveis busquem desertores silenciosos, solidários e inteligentes, ocultos em bolhas e capazes de sabotar o mundo visível.

  2. Acredito que estas acções dos EUA, algo atabalhoadas, irão servir para acelerar o inevitável que é a tal mudança do umbigo do mundo para o centro de massa do consumo mundial: a Ásia, e a China em particular.

    Krowler

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