As causas da crise na Venezuela

Segundo alguns, a crise na Venezuela está na corrupção política endémica, uma sequência do experimento de Chávez no quadro ideológico do Socialismo, sob a crescente influência de Putin e da China. Para outros, é toda culpa da interferência anti-democrática dos Estados Unidos, que há anos querem trazer a Venezuela, com as suas enormes reservas de petróleo, na órbita do poder americano e agora estão a interferir novamente para enfraquecer um líder democraticamente eleito na América Latina.

Peço um passo atrás. Sei que não é fácil deixar de lado as emoções e as ideologias, mas imaginemos que, em vez dum País (pseudo) socialista da América do Sul, a Venezuela fosse um Estado árabe, como o Iraque. Qual seria o o nosso primeiro pensamento? Seria: os EUA querem o petróleo dos árabes. Correcto, é o que se passa com a Venezuela de facto. Mas se fosse um País árabe haveria uma segunda pergunta: por qual razão os EUA querem o petróleo dos árabes? É estranho, mas esta pergunta não é feita no caso da Venezuela: parece implícito que os EUA desejem o petróleo de Caracas.

Mas então por qual razão não exasperaram a crise com a Venezuela antes? Por qual razão deixaram passar décadas, porquê só agora? A Administração de Trump decidiu abandonar parcialmente a Síria (preocupando não pouco o aliado israelita), aligeirar ulteriormente a presença no Afeganistão (perdendo assim parte das receitas da venda de heroína), mas nesta altura concentra os seus esforços na Venezuela. Razões políticas? O regime (pseudo) socialista assusta? Maduro nem conseguiria assustar o seu gato, sobretudo agora que a maior parte das lideranças esquerdistas da América Latina foram derrotadas a substituídas por homens de confiança. Portanto, volta a pergunta: porquê agora?

A resposta é: o petróleo. Não o petróleo da Venezuela, mas o petróleo no geral. A Venezuela é um sintoma de algo maior, algo que parte de Caracas e, em breve, irá espalhar as suas consequências para o resto do mundo. É o crepúsculo da Era do Petróleo.

Uma nova pergunta: como é que um País como a Venezuela, com as maiores reservas de petróleo do planeta, acaba sendo incapaz de explora-las para torna-las riqueza? Como pode a Venezuela ter problemas económicos ficando sentada por cima dum oceano de ouro negro? Culpa do Socialismo, da corrupção, do bloqueio dos Estados Unidos? Nada disso. A verdade é muito mais simples: começou uma nova Era. O mundo passou de extrair petróleo de forma económica e simples para uma altura, a nossa, em que está a tornar-se cada vez mais dependente de formas não convencionais de petróleo e de gás, muito mais difíceis e caras de produzir.

O petróleo está a acabar? Longe disso: temos mais do que o suficiente para fritar o planeta todo. Há anos que sigo os especialistas que anunciam o pico do petróleo, após o qual a extracção sofrerá um abrandamento por causa da escassez do ouro negro. E os especialistas continuam a mover o pico para frente porque, com grande surpresa deles, a produção não abranda. De acordo com o último relatório publicado pela OPEP (Setembro de 2018), o sector atingirá novos recordes nos próximos 5 anos, e muitos cumprimentos para os compromissos climáticos globais. Todavia é precisa atenção: os custos de produção irão aumentar porque o petróleo fácil de extrair está a acabar. Como resultado, o ouro negro será mais caro de e irá tornar-se cada vez menos lucrativo.

Num País como a Venezuela, atormentado pela má gestão económica interna combinada com as sanções norte-americanas, esse declínio dos lucros tornou-se fatal.

Um pouco de história: a Venezuela antes de Chávez

Tanto para entender o que realmente está a passar-se na Venezuela, vamos percorrer em síntese a sua história recente. Com as maiores reservas de petróleo bruto do mundo, a narrativa convencional é que a sua actual implosão só pode ser devida à má administração dos seus recursos internos. Como veremos, isso não é verdade: houve sim má administração mas a causa da actual crise tem que ser procurada, ainda uma vez, no petróleo em si.

A Venezuela foi uma aliada fantástica dos Estados Unidos, um modelo de economia de livre mercado e um grande produtor de petróleo. Descrita em 1990 pelo New York Times como “uma das democracias mais antigas e estáveis ​​na América Latina”, o jornal previu que, devido à instabilidade geopolítica no Médio Oriente, a Venezuela “está pronta para assumir um novo papel de proeminência no cenário energético dos EUA bem além dos anos 90”. Na altura, a produção venezuelana de petróleo estava a ajudar a compensar a escassez causada pelo embargo de petróleo do Iraque e do Kuwait, devido aos altos preços do petróleo provocados ​​pelos conflitos latentes.

Mas o New York Times estava a camuflar uma crescente crise económica. Como observou o especialista em América Latina, Javier Corrales, em boa verdade a Venezuela nunca tinha recuperado ou das crises das dívidas que sofreu nos anos ’80. O caos económico continuou na década de 1990: a inflação permaneceu indomável e entre as mais altas da região, o crescimento da economia continuou instável e dependente do petróleo, o crescimento per capita estagnou, as taxas de desemprego aumentaram e os déficits do sector público persistiram, apesar dos contínuos cortes nos gastos.

Ou seja: uma tigre de papel. Antes da ascensão de Chávez ao poder, o sistema político-partidário tão bem visto na América do Norte estava essencialmente a desmoronar, ao ponto que os gastos familiares em alimentos passaram de 28% para 72%. A classe média encolheu, 53% dos empregos eram “informais” (isso é, a economia subterrânea) em comparação com 33% no final da década de 1970.

O então Presidente Rafael Caldera negociou um empréstimo de 3 biliões de Dólares do Fundo Monetário Internacional juntamente com um segundo empréstimo de quantidade não revelada para aliviar o impacto social das dificuldades impostas por um acordo com o mesmo FMI. A história do costume: onde chega o FMI, o País fica à beira da miséria. Num artigo para a London School of Economics, o professor economista Jonathan Di John descobriu que a liberalização económica apoiada pelos Estados Unidos na Venezuela não só não impulsionou o investimento privado e o crescimento económico, mas também contribuiu para piorar a distribuição dos rendimentos, o que contribuiu para a crescente polarização da política.

As reformas neoliberais agravaram ainda mais as estruturas políticas nepotistas centralizadas, já existentes e muitos vulneráveis ​​à corrupção. Longe de fortalecer o Estado, levaram a um colapso do poder estatal. Os analistas que remetem a uma “época de ouro” do livre mercado venezuelano ignoram o facto de que, longe de reduzir a corrupção, a desregulamentação financeira, as privatizações em grande escala e os monopólios privados criaram grande rendimentos para poucos e um mar de corrupção.

O colapso económico e o colapso do sistema partidário estão intimamente relacionados. O repetido fracasso da Venezuela em reformar a sua economia tornou os políticos da altura cada vez mais impopulares, e estes reagiram favorecendo políticas populistas em vez de reformas reais. O resultado foi um círculo vicioso de decadência económica e dos partidos políticos, algo que abriu o caminho para a afirmação de Chávez.

Com Chávez: o petróleo pesado

Embora agora seja de moda indicar o colapso da indústria petrolífera venezuelana como responsabilidade do Socialismo de Chávez, a privatização do sector petrolífero efectuada pelo antigo Presidente Caldera não tinha sido capaz de antecipar o declínio na produção de petróleo, que atingiu o pico em 1997 com cerca de 3.5 milhões de barris por dia. Em 1999, o primeiro ano de governo de Chávez, a produção já tinha sido reduzida drasticamente em cerca de 30%. Por qual razão?

Ao observar as trocas comerciais entre Venezuela e Estados Unidos nos dias de hoje, descobri que entre os itens importados pela Venezuela a partir do EUA havia também o petróleo: aparentemente isso não fazia nenhum sentido, pois deveria ser o contrário, com os EUA importadores. Na verdade, a grande maioria do petróleo venezuelano não é o convencional líquido em bruto, mas um “petróleo pesado” não convencional, um líquido altamente viscoso que requer técnicas não convencionais para a extracção e o fluxo, muitas vezes com o calor de vapor e/ou com mistura entre petróleo local e formas mais leve importadas (eis a razão da importação). O petróleo pesado, portanto, tem um custo de extracção mais alto, comparado ao petróleo bruto normal, e um preço de mercado mais baixo devido a dificuldades na refinaria. Em teoria, o petróleo pesado pode ser produzido com preços mais baixos, mas para chegar a este ponto é necessário um maior investimento.

Custos mais altos de extracção e refino têm desempenhado um papel fundamental em tornar os esforços de produção de petróleo da Venezuela cada vez menos lucrativos e sustentáveis. Quando os preços do petróleo atingiram o pico entre 2005 e 2008, a Venezuela conseguiu suportar as ineficiências e a má administração da sua indústria petrolífera, devido aos maiores lucros, graças a preços entre 100 e 150 Dólares ao barril. Os preços globais do petróleo estavam a subir à medida que a produção global de bruto começava a estabilizar-se: isso proporcionou uma maior procura para fontes energéticas não convencionais.

Essa mudança não significava que o petróleo estava prestes a acabar, mas que estava a tornar-se cada vez mais cara a dependência de formas de petróleo complicadas de extrair. Na prática, há sempre petróleo mas para extraí-lo é precisa cada vez mais energia. E a energia custa. Não só: mas se para extrair petróleo somos obrigados a utilizar mais energia, significa que retiramos energia a outros sectores da sociedade e da economia. E isso cria uma dinâmica absurda: mesmo quando a produção aumenta, a qualidade da energia que estamos a produzir diminui, os seus custos são mais elevados, os lucros da indústria são menores e o excedente de energia disponível para ajudar a economia cai. Dado que o excesso de energia disponível para sustentar a economia é reduzido, em termos reais a capacidade da economia é reduzida para poder continuar a comprar o petróleo mais caro. que é produzido. A recessão económica (como aquela que começou em 2007-2008) faz o resto e leva o preço do petróleo ao colapso.

Acabou? Nem por isso: esta dinâmica toda torna os projectos de petróleo e gás não convencionais mais caros, potencialmente não lucrativos, a menos que seja possível encontrar maneiras de cobrir as perdas por meio de subsídios de algum tipo, como subsídios dos governos ou investimentos privados. E esta é a diferença fundamental entre a Venezuela e Países como os Estados Unidos e Canadá, onde níveis extremamente baixos de rentabilidade na produção de petróleo foram apoiados em grande parte através de maciços empréstimos de biliões de Dólares (que alimentam um boom de energia que provavelmente chegará a um fim catastrófico quando o nó dívida vai chegar ao pente. Mas esta é outra história).

A Venezuela não estava pronta para adaptar-se ao novo cenário. Falta de investimentos privados? Bom, quando decidimos içar a bandeira do Socialismo não podemos pretender que os investidores privados façam a fila para nos entregar o dinheiro deles, por isso é preciso fazer bem as contas. O colapso do petróleo venezuelano não pode ser reduzido a factores geológicos (que têm a sua importância, como vimos): os factores básicos foram claramente um grande problema em termos de inadequação crónica de investimentos e a consequente degradação das infraestruturas de produção. Tudo isso torna as vastas reservas da Venezuela muito mais caras e difíceis de colocar no mercado do que o petróleo convencional.

Desde 2008, a produção de petróleo caiu mais de 350.000 barris por dia, e mais de 800.000 por dia desde seu pico em 1997. Isso resultou, desde 1998, numa queda das exportações líquidas de mais de 1.1 milhões de barris por dia. Enquanto isso, para apoiar o refino de petróleo pesado, a Venezuela tem importado cada vez mais petróleo leve para ser misturado com aquele local pesado só para consumo doméstico. Actualmente, apenas a produção extra-pesada de petróleo no Cinturão do Orinoco aumentou, enquanto a produção convencional de petróleo continua a declinar com rapidez. Apesar das significativas reservas, estas exigem técnicas de extracção avançada mais caras e investimentos em infraestrutura não disponíveis. Mas as margens de lucro das exportações extrapesadas são muito menores, devido aos maiores custos de mistura, reciclagem e transporte, além das reduções acentuadas dos preços nos mercados internacionais. O professor Francisco Monaldi, especialista em indústria petrolífera do Centro ISAA de Energia e Meio Ambiente da Venezuela, conclui:

A produção de petróleo na Venezuela é composta de petróleo cada vez mais pesado e, portanto, menos rentável; a produção gerida pela PDVSA [Petróleos de Venezuela, empresa estatal venezuelana que se dedica a exploração, produção, refino, comercialização e transporte de petróleo, ndt] está a declinar mais rapidamente e a produção que gera fluxo de caixa é quase metade da produção total. Estas tendências têm sido bastante problemáticas no pico dos preços do petróleo, mas com a queda dos preços são muito mais pronunciadas.

Os erros “socialistas”

Várias vezes aqui no blog fui crítico em relação à gestão económica de Chávez: e o discurso do petróleo está intimamente ligado aos erros de Caracas. Infelizmente, assim como os seus antecessores, Chávez não gostou da complexidade ou da economia da indústria do petróleo. Em vez disso, considerou o ouro negro de maneira simplista, numa perspectiva de curto prazo do seu experimento ideológico-socialista.

De 1998 até a sua morte em 2013, o “Socialismo” de Chavez conseguiu reduzir a pobreza de 55% para 34%, ajudou 1.5 milhão de adultos a tornarem-se alfabetizados e trouxe cuidados de saúde com médicos cubanos para 70% da população. Todo esse progresso foi possibilitado pelas receitas do petróleo. Mas era uma ilusão insustentável.

Em vez de investir as receitas do petróleo na sua fabricação ou na diversificação da economia, Chávez gastou rios de dinheiro para os seus programas sociais na altura em que os preços do crude estavam em alta, sem pensar no “depois”, confiante que o mercado do petróleo teria continuado mais ou menos estável. Quando os preços desceram, devido à mudança global para petróleo difícil descrita acima, as receitas do governo da Venezuela (96% dos quais vem do petróleo) desceram também e Chávez não tinha reservas de moedas suficientes para compensar a queda.

Chávez, portanto, tinha imitado o erro cometido pelo Ocidente antes de 2008, perseguindo o sonho dum progresso baseado no consumo insustentável de recursos. E seguiu a mesma receita para sair da crise: quantitative easing, isso é, imprimiu dinheiro.

Injectar doses industriais de dinheiro numa economia pronta para recebe-lo e investi-lo traz só benefícios (esta é a Modern Money Theory); fazer a mesma coisa numa sociedade não pronta gera apenas inflação. E na Venezuela, País que dependia quase inteiramente pelo crude, onde amplas faixas da população viviam com os subsídios estatais, a inflação disparou. Mas Chávez fez mais do que isso: fixou a taxa de câmbio em Dólares (decisão incompreensível aos meus olhos), aumentou o salário mínimo e exigiu que os preços das commodities básicas, como o pão, permanecessem baixos. Esta última medida teve efeitos desastrosos: transformou empresas que vendiam aqueles produtos básicos (ou que estavam envolvidas na relativa cadeia de produção) em negócios não lucrativos, que não podiam mais pagar os seus funcionários devido aos ínfimos níveis de rendimento.

Outro erro trágico foi cortar os subsídios para agricultores e outras indústrias ao mesmo tempo que pretendeu manter os níveis de produção (isso é muito “soviético”). Em vez de produzir o resultado desejado, muitas empresas decidiram vender os seus produtos no mercado negro na tentativa de obter alguns lucros. Não era “anti-socialismo”, era uma tentativa para sobreviver.

Com o agravamento da crise económica e o declínio da produção de petróleo, Chávez colocou as suas esperanças nas transformações que poderiam ser introduzidas com maciços investimentos estatais num novo tipo de economia baseada em indústrias nacionalizadas, autônomas ou operados de forma cooperativa. A ideia nem era tão má assim, mas estes investimentos tiveram poucos resultados: se as cooperativas cresceram rapidamente, na prática muitas vezes eram ineficientes e corruptas, explorando os trabalhadores como o sector privado que deveriam ter substituído.

Enquanto isso, com as reservas de dinheiro esgotadas, o governo teve que cortar as importações em mais de 65% (desde 2012), enquanto reduziu os gastos sociais para níveis ainda mais baixos do que os previstos pelas reformas de austeridade do Fundo Monetário Internacional na década de 1990. O “Socialismo” em molho chavista começou com gastos sociais insustentáveis ​​e passou para níveis catastróficos de austeridade que tornam o neoliberalismo até tímido. Nesse contexto, a ascensão do mercado negro e do crime organizado tornou-se um modo de vida enquanto a economia, a produção de alimentos, a assistência médica e as infraestruturas básicas entraram em colapso.

…e faltava só o clima.

Como numa tempestade perfeita, os impactos do clima levaram a Venezuela além do limite, acelerando uma espiral de crise já vertiginosa. Em Março de 2018, após a hiperinflação e a recessão, o governo impôs o racionamento de electricidade em seis Estados ocidentais. No Estado de San Cristobal, os moradores relataram períodos de 14 horas sem electricidade, depois que os níveis de água nos reservatórios usados ​​para as usinas hidroeléctricas tinham encolhido devido à seca. Algo semelhante tinha surgido dois anos antes, quando os níveis de água na barragem de Guri, que fornece mais de metade da electricidade do País, atingiram mínimos históricos.

A Venezuela gera cerca de 65% da sua electricidade a partir de energia hidroeléctrica, para deixar o máximo possível de petróleo para a exportação. Outra boa ideia acabada mal, porque isso torna o fornecimento de electricidade cada vez mais vulnerável aos efeitos do clima. O responsável? O bem conhecido El Niño, a maior flutuação do sistema climático da Terra, que inclui um ciclo de temperaturas superficiais quentes e frias no Oceano Pacífico tropical. Um novo estudo sobre o impacto da mudança climática na Venezuela observa que entre 1950 e 2004, 12 dos 15 eventos El Niño coincidiram com anos em que o “fluxo médio anual” de água na bacia do rio Caroni (o mesmo que afecta o já citado reservatório de Guri) foi mais reduzidos do que o ponto médio histórico. Ou seja: menos água do que o costume. E, como vimos, menos água na Venezuela significa menos electricidade.

De 2013 a 2016, um ciclo intenso de El Niño significou pouca chuva no País, culminando numa seca desastrosa em 2015, a pior em quase meio século, o que pressionou a rede energética da Venezuela (mal gerida e envelhecida) com consequentes apagões programados. Definitivamente: Deus não é socialista, pelo menos o Deus da chuva.

Mas há mais além da electricidade: segundo as previsões, essas tendências vão piorar dramaticamente, grandes áreas de Estados venezuelanos que já estão mal regadas (como Falcon, Sucre, Lara e Zulia, Guajira) sofrerão desertificação. A degradação do solo e a diminuição das chuvas irão devastar a produção de milho, feijão preto e banana na maior parte do País e algumas regiões receberão 25% menos água do que hoje. E, como vimos, isso também significa menos electricidade.

Resumindo: a Venezuela precisa desesperadamente de diversificar a sua economia e não desde hoje. Nem os governos liberais amigos de Washington nem os sucessivos governos “socialistas” levaram à sério o problema da quase total dependência do petróleo. A crise económica de hoje tem raízes antigas, tem raízes na ideia de que na Venezuela há muito petróleo, um oceano de petróleo, e isso deve bastar para garantir bem estar. Assim não é.

Da guerra económica e de outras banalidades

A convergência da crise que está a ocorrer na Venezuela fornece um vislumbre sobre o que pode acontecer num futuro próximo em outras partes do mundo: um futuro pós-petróleo, feito por um crude de difícil extracção, caro, cada vez menos rentável. À medida que os estoques nacionais de energia diminuem, a capacidade do Estado de funcionar diminui de maneiras sem precedentes, abrindo o caminho para o fracasso das instituições. Quando o Estado entra em colapso, novos e menores centros de poder emergem, competindo pelo controle dos recursos em declínio.

A situação da Venezuela, presa ao sector do petróleo, é uma metáfora da nossa sociedade: o petróleo ainda é o sangue que corre nas veias das nossas economias. Se isso não mudar, então teremos um percurso parecido com aquele venezuelano. Não idêntico, pois em outros lugares a diversificação (também energética) é uma realidade: mas estamos numa corrida contra o tempo porque a importância do crude ainda é grande.

Voltando à Venezuela, outra característica desta crise são as sanções dos Estados Unidos. As consequências de tais sanções foram e ainda são deliberadamente exageradas: ao ler certo relatos fica-se com a ideia que toda a responsabilidade pela crise em Caracas pertença à Administração norte-americana. É preciso ser honestos: se o preço do petróleo ainda estivesse em alta (aos mesmos níveis pré-2008), as sanções não passariam duma curiosidade estatística, pois o País poderia alegremente contorna-las. A Venezuela não é Cuba, virtualmente sem nenhum recurso natural. As sanções viram aumentada a sua importância simplesmente porque estabelecidas na altura da tal “tempestade perfeita” que atinge a Venezuela.

O objectivo desta guerra económica é claro: numa entrevista à Fox News (completamente ignorada pela imprensa), o Conselheiro de Segurança Nacional da Administração Trump, John Bolton, explicou:

Estamos a analisar os activos petrolíferos. Este é o fluxo de rendimento mais importante para o governo da Venezuela. Estamos a examinar o que fazer sobre isso. […] Agora estamos a conversando com as principais empresas americanas … acho que neste momento estamos a tentar obter o mesmo resultado final. Vai fazer uma grande diferença para os Estados Unidos, do ponto de vista económico, se fizermos as petrolíferas americanas investirem para colocar as capacidades petrolíferas na Venezuela em bom uso.

Pelo que: petróleo. E volta a pergunta do início: porquê agora? Porque os EUA querem o petróleo da Venezuela mesmo agora?

A explicação é bastante simples: as empresas norte-americanas de exploração e produção petrolíferas viram a bolha da dívida aumentar de 50 biliões de Dólares em 2005 para quase 200 biliões em 2015. A indústria do fracking não ganha dinheiro, é uma aposta muito mais volátil do que a maioria das pessoas imagina. Ao examinar as apresentações da empresa de investimento há algo que não faz sentido porque eles mostram aos seus investidores esses lindos gráficos que prometem lucros na casa de 60-80%; depois vamos a examinar as finanças das empresas e descobrimos que não estão a ganhar dinheiro. Pelo que a dúvida é: o que aconteceu entre o ponto A e o ponto B? Aconteceu que os lucros poderiam ser elevados, mas na realidade é preciso fazer as contas com o preço da extracção, as tecnologias de ponta que é necessário utilizar, a energia empregue para retirar o petróleo do terreno e refina-lo… moral: o futuro do fracking está longe de ser seguro.

De facto, a produção de petróleo (e shalegas) nos Estados Unidos deve atingir o pico em cerca de uma década ou até não mais de quatro anos. Depois começará a queda. Justo o tempo de juntar ainda alguns investidores, depois todos os problemas virão à tona. E os Estados Unidos não estão sozinhos: a Europa já está bem encaminhada na fase pós-pico, e funcionários do Ministério do Petróleo da Rússia estão a prever o pico como iminente. O que nem é mal pois, dito ente nós: o fracking é uma autentica porcaria do ponto de vista ambiental. O problema é que a nossa economia ainda funciona a petróleo: China e Índia, por exemplo, estão a experimentar um aumento da procura e todos procurarão cada vez mais uma oferta de energia razoavelmente “fácil” e barata. Mas isso não será barato nem fácil.

Eis a resposta à pergunta “Porquê agora?”: com o fracking em crise no curto-médio prazo, Washington precisa do crude da Venezuela. É mais pesado do crude normal, portanto mais caro de extrair e refinar; mas fica sempre mais barato do fracking. Se a ideia for a independência energética, esta só poderá ser possível com as reservas venezuelanas nas garras das companhias petrolíferas norte-americanas. Isso significa que o povo venezuelano está bloqueado num círculo vicioso criado por um sistema global mal concebido, que por sua vez cria violentas lutas internas. As ideologias nada contam aqui: esqueçam o “Socialismo” contra o “livre” mercado, este é um problema bem mais amplo que tem como base a illógica ideia dum crescimento infinito fundado num recurso natural finito. Esta é luta pela sobrevivência num sistema que extrai um líquido denso mal cheiroso para queima-lo e dispersa-lo na atmosfera, onde pode ser alegremente respirado para estragar os nossos pulmões. Não é genial?

 

Ipse dixit.

Fontes: Jonathan Di John – The Political Economy of Economic Liberalisation in Venezuela (ficheiro Pdf, inglês), Marketplace: How oil-rich Venezuela ended up with a miserable economy, Venezuela’s phantom oil, SLB – Heavy Oil, Motherboard: Welcome to the Age of Crappy Oil, Trump’s Plans for Fossil Fuels Will Shrink the Economy, Our Finite World – Why oil prices can’t rise very high, for very long, Nafeez Ahmed: Inside the new economic science of capitalism’s slow-burn energy collapse, Venezuela’s collapse is a window into how the Oil Age will unravel, The New York Times – The Next Financial Crisis Lurks Underground, Ajay K. Gupta e Charles A.S. Hall – A Review of the Past and Current State of EROI Data (ficheiro Pdf, inglês), Columbia University – The Impact of the Decline in Oil Prices on the Economics, Politics and Oil Industry of Venezuela (ficheiro Pdf, inglês), Price of Oil – US Shale Companies Facing “Catastrophic Failure” over Ballooning Debt, The World Bank – Global Gas Flaring Reduction Partnership (GGFR), Asa Cusack – Venezuela, ALBA, and the Limits of Postneoliberal Regionalism in Latin America and the Caribbean (Palgrave Macmillan US, EUA, 2019, ISBN 978-1-349-95002-7), Al-Jazeera – Is socialism to blame for Venezuela’s never-ending crisis?, Reuters – Venezuela begins power rationing as drought causes severe outages, The Guardian, GRIDA – Climate impacts of El Niño Phenomenon in Latin America and the Caribbean, Edilberto Guevara – The Influence of El Niño Phenomenon on the Climate of Venezuela, The New Yorker – The Electricity Crisis in Venezuela: A Cautionary Tale, International Business Times – Venezuelan Leader Blames El Niño And Global Warming For Nation’s Energy Crisis, Caracas Chronicle – The Venezuela Climate Change Will Leave Us, EIA – Venezuela’s crude oil production declines amid economic instability.

20 Replies to “As causas da crise na Venezuela”

  1. Max, eu leio TODOS, TODOS os seus artigos. No geral gosto muito deles, mais uma vez, TODOS!
    Mas as vezes você peca. Eu trabalho e trabalho muito, como você. Mas você trabalha escrevendo, e eu não!
    Não me sinto na obrigação de refutar item por item o que você decide escrever (como no artigo de algumas semanas atrás).
    Digo que tem erros e pronto. A partir daí você duas opções:
    1) voltar as pesquisas (ás vezes boas) e rever alguns pontos ou o todo de um determinado artigo, admitindo equívocos..ou
    2) apertar o fo**-se e ir em frente.
    Eu não tenho tempo para fazer o seu trabalho, não ganho dinheiro para te ensinar a ser jornalista e articulista. Vejo meu papel aqui para me informar, e apontar certos erros ou acertos, o resto é com você.
    Mais uma vez vejo no atual artigo, que de uma forma geral está bom, ‘esquecimentos’ de certos fatos, desconhecimento (mais uma vez) da situação social da América Latina como um todo, desconhecimento técnico (não financeiro) sobre petróleo…
    Vou elencar alguns aspectos, mas como disse antes, não é o MEU papel aprofundar as questões…essas são suas.
    Vamos ver:
    1) Você voltou pouco no tempo, você voltou aos anos 90…..o problema da Venezuela começa há mais de 60 anos atrás, quando o EUA espalha sua ‘democracia’ pelo mundo todo e especialmente pela América Latina. Escolhendo seus títeres entre as oligarquias (agrícolas) da região.
    2) Convenientemente EUA não permite que a Venezuela se industrialize, não permitindo nem que se construísse refinarias de grande porte aí (afinal, como latinos, ‘índios’, agricultores, ignorantes poderiam fazer e administrar coisas desse tipo, a oligarquia burra concordava plenamente)
    3) Somente para contextualizar: no Brasil que deveria tbm seguir um destino agrícola ou simplesmente extrator, somente conseguiu industrializar-se quando na WWII Getulio arrancou dos ianques a concessão para importar e construir a usina siderúrgica de Volta Redonda, em troca de apoio aos EUA. Também Getulio na época convidou especialistas estadunidenses para prospectar a possibilidade da existência do ouro negra naquelas paragens…os gringos sempre disseram que não haviam reservas que justificassem a exploração….a partir dessa negativa é que Getulio resolveu criar a Petrobras para a exploração e refino, porque nossos geólogos ‘intuíram’ que os gringos não estavam sendo muito honestos.
    4) Não existe esse problema de ‘óleo muito pesado’, custos crescentes, etc….cada cru tem suas características, o da Venezuela tem é mais enxofre do que óleos mais leves, para isso você tem que ter um setup na refinaria mais apropriado para o refino….do petróleo cru você (basicamente) extrai 3 partes: 1/3 gasolina, 1/3 nafta, 1/3 combustíveis mais pesados (diesel e outros)…e são os derivados é que fazem a fortuna dos estadounidenses….
    5) sem refinarias para isso, a Venezuela exporta seu petróleo e é obrigada a importar os derivados muito mais caros, junte aí a ausência de industrias transformadoras que geram riqueza…..culpa lá atrás de uma oligarquia sanguessuga que deitou sobre o lucro fácil que jorra do chão.
    6) você acaba sempre levando o artigo para o campo ideolóogico da esquerda, direita, do socialismo (entre aspas, etc), eu vejo que Chavez tentou mudar o perfil da economia, fechou acordos com China, Irã e outros pequenos países que o EUA não conseguem impor totalmente sua doutrina e…..você esquece (?) de todos esses fatores na sua narrativa…..
    Cara, tem muito mais para falar, mas como disse antes, esse não é meu ganha-pão. Vivo aqui na terra do Tio Sam, conheço meu País, conheço um pouco da Venezuela, Argentina, Colômbia e volto a afirmar, voc6e como europeu, italiano vivendo em Portugal, enxerga o outro lado do Atlântico de uma perspectiva em que lhe faltam elementos para ‘fechar o quadrilátero’.
    Uma dica, sabe aquele tempo que você andava sumidão (aonde eu mesmo postei umas duas vezes perguntando por aonde andavas)? Se tiver que sumir de novo, espero que você tenha pego um avião e feito uma viagem pela América do Sul, Central, etc (como o Che fez na juventude). Tenho certeza de que as suas perspectivas mudarão bastante.
    Grande abraço.

    1. Perfeito, Sylvio. Estamos a sofrer (Brasil) o mesmo golpe que a Venezuela sofre e sofreu. Querem dizimar a Petrobrás, vender refinarias, gasodutos, tudo. Os EUA por detrás da “festa”. Por favor, não venham a dizer que o Brasil (Petrobrás) não fez o dever de casa. Fez, mas foi subtraído. E ela, nossa petrolífera, a grande propulsora da indústria nacional, encomenda tudo no exterior, hoje. Irão levar a Embraer, agora ainda mais, não leram as entrelinhas, nossos “governantes”. Irão vender a Eletrobrás. E o Max, dentro de 20 anos, dirá que o Brasil não foi bem? Tentamos! Uma elite perversa, associada ao grande irmão (EUA), não nos permitiu. Ahhh, o iate do Lula, caro, algo como 1200 euros, deverá ser confiscado e sua renda remetida ao Tesouro, por certo! O mundo é muito pior, Max! BTW, a Rússia descobriu as grandes reservas de petróleo “pesado” venezuelano, um acinte!

    2. Olá Sylvio! E aproveito também para cumprimentar o autor do comentário seguinte, João: ambos os comentários são o justo complemento ao artigo publicado.

      Apenas algumas ressalvas:

      1) Em primeiro lugar: “Max, eu leio TODOS, TODOS os seus artigos”. Sylvio, lamento mas você tem problemas. LOLOLOLOLOLOL

      2) O que publico eu não é Verdade Absoluta que deve ser esculpida na rocha para ser transmitida à posteridade. São pontos de vista, opiniões, e como tais podem tranquilamente estar erradas (tal como os comentários podem estar errados). Costumo apoiar as minhas ideias em fontes, mas acerca dum mesmo assunto é normal encontrar fontes de carácter oposto. Poderia escrever artigos que incluam todas fontes, também aquelas contrárias; mas já o artigo acima demorou dois dias a ser completado porque eu também tenho a minha vidinha além da internet e escrever coisas com um mínimo de fundamentação dá trabalho, mais não consigo fazer. Portanto, peguem quanto escrito como ponto de partida para reflexões, nas quais todos podem participar, não como “derradeiras sentenças”.

      3) “o problema da Venezuela começa há mais de 60 anos atrás, quando o EUA espalha sua ‘democracia’ pelo mundo todo e especialmente pela América Latina”. Este é um erro que encontro de forma frequente nos comentários vindos da América do Sul: a ideia de que a presença dos EUA foi particularmente forte na América Latina, menos nas restantes partes do mundo. Em tempos publiquei algo acerca do terrorismo em Italia, na esperança que fosse claro como a dominação EUA foi forte (e não evitou massacres) em outros Países também. Até a queda do Muro de Berlim, por exemplo, a Italia foi proibida de ter um partido de Esquerda no poder, até foi morto um Primeiro Ministro por causa disso, houve comboios que rebentaram, milhares de cidadãos mortos (um total de 3.000 mais ou menos). Pelo visto não consegui que a ideia passasse.

      4) “Não existe esse problema de ‘óleo muito pesado’, custos crescentes, etc…”. Esta não percebi, também porque a seguir Sylvio explica que o petróleo pesado da Venezuela precisa dum setup diferente. É isso mesmo que quis dizer no artigo: a Venezuela não tem este setup e ninguém alguma vez preocupou-se em adquiri-lo.

      5) “Você acaba sempre levando o artigo para o campo ideolóogico da esquerda, direita, do socialismo”. Acho bastante complicado falar da Venezuela sem falar do experimento socialista, também porque os líderes (Chávez e Maduro) em cada discurso enfiam o termo “socialismo” a cada duas palavras. Não é possível brandir continuamente a diferença de ser socialista e depois pretender que seja feita uma apreciação não política. Depois podemos discutir: mas a Venezuela é socialista? E a minha resposta é “De certeza que não”, mas desde Chávez sempre foi apresentada desta forma.

      6) “eu vejo que Chavez tentou mudar o perfil da economia, fechou acordos com China, Irã e outros pequenos países que o EUA não conseguem impor totalmente sua doutrina e…..você esquece (?) de todos esses fatores na sua narrativa”. Não, não esqueço. Mas foram experiências perdidas já no início. Contrariamente a quanto achava quando abri o blog, hoje penso que não seja possível construir algo diferente no âmbito do “livre mercado”: este último é como um câncer que acaba por corroer qualquer estrutura, independentemente dos bons propósitos. A experiência do governo PT no Brasil e de Chávez e Maduro na Venezuela são bons exemplos disso: competir no livre mercado com “bons propósitos” significa partir já com uma enorme desvantagem e deixar a porta aberta à corrupção e todas as formas de interferências do exterior. Penso também que isso seja verdade especialmente agora, isso é, nos últimos 15/20 anos, dado que a importância da produção foi ultrapassada pela grande finança, cujos tentáculos são internacionais (fora do controle dum Estado) e chegam a todos os lados.

      7) “…voce como europeu, italiano vivendo em Portugal, enxerga o outro lado do Atlântico de uma perspectiva em que lhe faltam elementos para ‘fechar o quadrilátero’”. Ok, portanto já fechei a porta aos artigos do Brasil, agora é altura de liquidar tudo quanto é América do Sul. Vejo um futuro no qual serei obrigado a escrever só acerca da Antártica e só porque os pinguins não têm internet. Agora, falando seriamente, os comentários de Sylvio e João (já nem cito Maria porque todos a conhecem) vão exactamente no sentido pedido pelo blog: tanto um quanto outro não se limitaram a dizer “Você não é daqui, nada entende” mas contribuem com pontos de vista pessoais, informação, etc. Se depois não conseguem resistir ao “Você não é daqui” paciência, ignoro e fico contente pelo teor das respostas 🙂

      8) “Uma dica, sabe aquele tempo que você andava sumidão…”. Será que o bom Max um dia vai visitar a América do Sul? Será algo mais do que uma visita turística? Será que já existe um projecto neste sentido? A ver vamos, as vias do Senhor são infinitas, quase quanto aquelas da TAP.

      Wow que resposta, nunca acaba. Agora vou gozar o que resta do Sábado!!!

      Fim! 🙂

      1. Max,
        “EUA espalha sua ‘democracia’ pelo mundo todo e especialmente pela América Latina”. Este é um erro que encontro de forma frequente nos comentários vindos da América do Sul”

        Juro que não detectei o erro, observo um pequeno detalhe:

        “EUA espalha sua ‘democracia’ pelo mundo TODO” e ” especialmente pela América Latina”.

        Alem de ser curioso perguntar porque é:

        “de forma frequente nos comentários vindos da América do Sul”?

        Obrigado!

        1. Olá José!

          “de forma frequente nos comentários vindos da América do Sul”?

          Vivo num País que no passado teve colónias espalhadas pelo mundo e ainda hoje há uma preferência pelas notícias vinda das ex-colónias: não apenas o Brasil como também Angola, Moçambique, Cabo Verde, etc. É comum ligar um noticiário e ver algo acerca do que acontece num destes Países.

          Da mesma forma costumo frequentar a (escassa) internet do Palop africano devido à facilidade de entendimento do idioma e reparei que também aí é normal encontrar notícias do resto dos Países de língua portuguesa. Apesar da independência daqueles Países africanos ter quase 50 anos, os laços com Portugal são visíveis.

          Pelo contrário, nunca consigo ler algo vindo do Brasil e relacionado com os restantes Países do Palop. Não me lembro dum único comentário de Leitores brasileiros que estivesse relacionado com Países africanos (a não ser a Líbia na altura da invasão da Nato). O que acontece com a Nigéria nestes dias é interessante: quantos entre os Leitores do Brasil sabiam do que se passa antes do artigo publicado hoje?

          Raríssima é a comparação entre o que acontece na América Latina e nos Países africanos e isso apesar da situação no Continente Negro ser bem pior (no Moçambique têm pouco para rir, por exemplo) e as dinâmicas ocidentais serem as mesmas ou até mais exasperadas.

          Não conheço a explicação deste fenómeno. Pode bem estar relacionado com o tipo de informação aí presente (de facto, assisto a transmissões televisivas brasileiras e não me lembro de algo “africano”) ou ter outras causas ainda. Mas não pude não reparar nisso, também porque para mim a situação da Venezuela não é mais importante daquela da Nigéria.

          Fui!

          1. Foi nada, volta aqui;

            Fácil Max,

            Hoje o Brasil, bem como dissestes não é mais colonia de Portugal, Raul Seixas já dizia,
            eufemisticamente, em alugar o Brasil.
            O Brasil é do Tio Sam Max!
            Aqui só se noticia o medo, o futebol e agora o carnaval, o que é mais do que suficiente para manter a massa perdida e desinteressada dos problemas da própria vida, quem dirá à dos africanos?
            Então não é um erro frequente, é um acerto frequente que encontra nos comentários vindos da América do Sul, vindo daqueles que não estão dominados pelo medo, anestesiados por uma bola ou pelo mais novo beijo gay da mais nova novela.

            Fui, também.

  2. Olá Max:confio na seriedade das tuas pesquisas, e na acuidade das tuas interpretações. Mas cumprimento as discussões do Sylvio e do João Maurício que complementam um assunto por demais complicado, mesmo discordando de algumas interpretações.
    Mas agora vamos à vozinha da Maria, como já disse, cá atolada na m…
    Em primeira mão gostaria que verificasses com detalhes que eu não consigo verificar, dada as minhas precárias qualidades de pesquisadora, sobre os 300 bilhões de toneladas de petróleo já confirmadas, mas não prospectadas, na fronteira da Venezuela com a Guiana inglesa, num corredor de 600km, (pesquisadores já anunciaram ser as maiores jazidas existentes no planeta), que não tem nada a ver com a extração na bacia do Orinoco.
    Em segunda mão, o Trump faz um tempinho já sabe disso porque desde antes da eleição já proclamava: “Porque fazer guerra no Oriente Médio com tanto petróleo na Venezuela?” Dizem que o homem é burro, mas nunca pensei assim. Até eu já sei que o Oriente Médio tornou-se caro demais para os EUA, que a integração euro asiática africana é uma questão de tempo, e já está muito atualizada pelas políticas de ganha-ganha da Rússia e China, que na linha do Equador e abaixo dela a riqueza é grande e a ignorância é maior, e principalmente neste momento.
    Se o Brazil entregou-se amavelmente, na Venezuela, com todos os seus problemas, parece que a ideia não tem muitas amabilidades. Mas a presa é fraca e rapidamente enfraquecida. Então, bons predadores como as corporações internacionais sempre foram, acionam os líderes de manada mais sanguinolentos…e vamos para a ajuda humanitária.
    Para mim, é isso: o Maduro está sendo e vai ser tão satanizado como foram Sadan e Kadafi, quando se tornaram inconvenientes, o Iraque e a Líbia foram destruídos, e o resto quem quer saber sabe. Porque vocês acham que o Trump quer construir a todo vapor um muro intransponível entre México e EUA, e até estado de emergência no seu país para contornar o Congresso e ter dinheiro rápido? Ele conta com milhões de fugitivos de guerra vindos “de baixo”. Mas cá com meus botões também o tiro pode sair pela culatra e termos mais um Vietname. A selva é um aliado venezuelano que os americanos do norte, por mais que pratiquem, tem grande dificuldade de aprender a lidar. Bem que os colombianos e brasileiros serão as buchas de canhão preferencias, mas…mas, sob o comando do Comando Sul, que fica no norte.

  3. Eu, pessoalmente, achei o artigo bem “isento” pois, apesar da enorme bibliografia apresentada o Max não estava se propondo a escrever um compendio acadêmico e sim, só um post procurando informar sobre a Venezuela de uma forma frugal já que o nome do blog já diz II, mas ele procura sempre ser correcto e ir aos primórdios, onde mandavam os ingleses e “mandaram” massacrar o Paraguai, porque estava se industrializando e consequentemente “incomodando” o império da época.
    Depois coisas mas sutis como, nossa(BR) genuína indústria de carros (GURGEL) “incomodou” “”FALIU””, a indústria bélica (ENGESA) incomodou, (FALIU), indústria aeronáutica incomodando (sendo desmantelada), indústria de petróleo (das maiores e maior do mundo em águas profundas)incomodou, esta sendo desmontada, vai sobrar só a terra pra plantar e viver de vender alimentos, assim é na A LATINA toda, por isso acho que o post foi isento e gostei, não por falta de informação de minha parte, mas por ver que o Max fez o suficiente para ser entendido.
    Não que complementações não sejam bem vindas,mas tipo VC não vê o todo porque não é daqui, pois posso dizer que vê muito mais que a maioria que votaram no MINTO

    1. Obrigado Sergio!

      De facto não sei para quem “torcer” na Venezuela, não sei se seria melhor continuar com a actual experiência ou com algo diferente: a ideia de escolher entre Maduro e Guaidó não é nada tentadora… É por isso que tentei fazer um quadro imparcial. Obrigado pro ter reparado!

      Fui!

  4. O artigo é bom mas estão aí algumas coisas que não são muito incorrectas(ii)
    Se fulano Trump quer a Venezuela é irrelevante a composição do petroleo. As refinarias estão prontas a lidar com o crude ligeiro e pesado, quer-se é o petroleo. Onde é refinado o brasileiro em grande parte, na vez de ser no proprio pais vai para os EUA e volta, e isso tem toda a logica do mundo? claro.

    Quem rodeia o Trumpa ora este tipo:
    https://en.wikipedia.org/wiki/John_R._Bolton

    Este tipo ex-cia:
    https://en.wikipedia.org/wiki/Mike_Pompeo

    Este para o fim o bem sinistro:
    https://en.wikipedia.org/wiki/Elliott_Abrams

    O muro impedir entrada da confusao gerada a sul e mais:(tradução google)
    Na esteira das audiências do Irã / Contra, a exposição de documentos relativos a um programa chamado “Rex 84”, parte da “Operação Jardim Plot”, atingiu o noticiário principal. Rex 84 significou “Readiness Exercise 1984”, e foi uma continuidade do programa governamental projetado para bloquear os EUA sob lei marcial durante “distúrbios civis”. Isso incluiu o poder do governo de realocar forçosamente grandes populações de suas casas ou mesmo deter grandes populações à vontade. Você pode ler os documentos originais do Rex 84 / Operation Garden Plot em PDF aqui:

    https://www.governmentattic.org/2docs/DA-CivilDisturbPlanGardenPlot_1968.pdf

    Embora o Rex 84 tenha sido lançado décadas atrás, o programa nunca foi embora. Todas as responsabilidades relativas ao Rex 84 estão agora sob a supervisão do Departamento de Segurança Interna e da Northcom.

    Uma das principais “perturbações” mencionadas como uma justificativa para o Rex 84 foi um “êxodo em massa” de imigrantes da América Central ou do Sul através da fronteira dos EUA com o México.

    https://en.wikipedia.org/wiki/Rex_84

    https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_national_emergencies_in_the_United_States

  5. Outras considerações…

    “…No século XIX, as potências coloniais acordaram a fronteira entre a Guiana britânica (a actual Guiana) e a Guiana holandesa (actual Suriname), mas nenhum texto fixou a fronteira entre a zona britânica e a zona espanhola (actual Venezuela). De facto, a Guiana administra 160 000 km2 de florestas que continuam em disputa com o seu grande vizinho. Em virtude do Acordo de Genebra, de 17 de Fevereiro de 1966, os dois Estados recorreram ao Secretário-Geral das Nações Unidas (à época o birmanês U Thant). Mas, nada mudou desde aí, propondo-se a Guiana levar o assunto ao Tribunal (Corte-br) de Arbitragem da ONU, enquanto a Venezuela privilegia negociações directas.

    Este diferendo territorial não parecia de urgente resolução porque a área contestada é uma floresta despovoada que se acreditava sem valor, mas é um imenso espaço que representa dois terços da Guiana. O acordo de Genebra foi violado 15 vezes pela Guiana, a qual autorizou, nomeadamente, a exploração de uma mina de ouro. Acima de tudo, surgiu em 2015 um grande desafio com a descoberta, pela ExxonMobil, de jazidas petrolíferas no Oceano Atlântico, precisamente nas águas territoriais da área contestada…”

    “…Rex Tillerson era o Director da ExxonMobil no momento da descoberta das jazidas petrolíferas da Guiana. Pouco depois, tornou-se no Secretário de Estado dos Estados Unidos…”

    https://1clickurls.com/a8TUg4E

    1. Publicado em 23 de fev de 2019
      Revelação do jornalista Pepe Escobar para a TV 247 explica por que o Império Anglo-Americano volta-se com tanta sede de petróleo para a Venezuela e mostra o desejo do Império de controlar o mercado de petróleo através de uma “contra-OPEP”, já que a atual OPEP é dominada pela Arábia Saudita e a Rússia.

      A maior reserva de petróleo não explorada do mundo está entre a Venezuela e a Guiana, mais exatamente em Guiana Essequibo, são cerca de 652 bilhões de barris de petróleo de alta qualidade e fácil de ser explorado. Ver 15 minutos finais da entrevista

      O jornalista Pepe Escobar, especialista em Geopolítica, também traça dois cenários de guerra na Venezuela baseados em informes da inteligência russa, o cenário “Iraque” e o cenário “Ucrânia”.

      https://m.youtube.com/watch?v=l-DUxbK5Mn0

  6. Esta questão do Comando Sul – mencionado pela Maria – foi outra arapuca que o governo se meteu.

    Muito preocupante toda esta situação!

  7. Ok outro ponto de vista:
    https://youtu.be/vZpV_1JdmBI

    Ontem:
    O Mike Pompeo sugeriu deitar fogo a uns dos poucos camiões com ajuda humanitária na Colômbia para ser filmado e ir para os media e por curiosidade foi filmado e gravado a sugerir isso!
    O bolso enviou 2 camionetas tamanho médio (quantas toneladas?) e os militares nada com isso!

    Até o bigode do imaturo tem mais lógica que a burrice destes tipos.

    N

  8. Olá Nuno: cada caminhonete leva 5 toneladas de kits de saúde, daqueles que um belo dia inventaram que os carros no Brazil tinham de levar, sob multa caso resistissem a uma lei idiota contida numa caixinha com gase, esparadrapo, e coisinhas do tipo. Os brasileiros fizeram ouvidos moucos e a coisa caiu no esquecimento. Maduro em discurso hoje à tarde assegurou que se portassem arroz, o governo venezuelano compraria, o mesmo se farinha, feijão ou coisas úteis. Enquanto isso, as caminhonetes permanecem estacionadas na fronteira sem saber o que fazer, e Bolsonaro, seu ministro do exterior, Guaidó e chefes norte americanos aguardam em solo colombiano aviões para conduzi-los aos respectivos currais. E Maduro cortou relações diplomáticas com a Colômbia em virtude da enxurrada do que é mais moderno vigente no mundo inteiro em matéria de teoria da comunicação: fakenews. Ah, e também Maduro corta a luz de Roraima, durante algumas horas do dia para lembrar ao desgoverno brasileiro que é a Venezuela que fornece energia elétrica para este Estado brasileiro, devido a´assassinato de índios na fronteira. Jornalistas independentes já comprovaram que as balas que atingiram os referidos índios não são utilizadas pelo exército venezuelano e sim pelo norte americano.
    É…meu caro, tá difícil das populações perceberem que a roda da vida girou, as democracias e as instituições democráticas estão em coma, o capitalismo financeiro sobrepujou e ameaça desmanchar o mundo produtivo, e as novas teorias da comunicação-informação puseram a chamada opinião pública de cabeça para baixo “el mundo al revés” como dizia o saudoso Galeano, tudo passou a depender do quanto, ou seja indicadores que a desordem mundial não possa ser modificada pelos parâmetros até então tentados. Mas ainda existe uns e outros que buscam com outras lentes. Não sei se acharemos algo menos indigno.

    1. Olá Maria tinha muito para meter aqui mas estou já no processo que tinha falado antes.
      O cenário é aproveitar enquanto tem tempo.
      A Islândia…tem melhor…

      Abraço

      N.

  9. A coisa esta tão feia na Venezuela, falta tudo, e não é que tem comida no lixo!?
    Alguém tem que avisar que, em época de crise, há de se evitar o desperdício!
    E vejam como aquele negocio de sincronicidade existe mesmo! Bem no instante que
    um respeitado repórter estadunidense estava à perambular entre os “mendigos”, não
    é que passava um caminhão de lixo carregado de guloseimas?
    Isso é INCRÍVEL!!!

Obrigado por participar na discussão!

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