Current Biology é uma revista científica que abrange todas as áreas da biologia, especialmente biologia molecular, biologia celular, genética, neurobiologia, ecologia e biologia evolutiva. A revista, muito conceituada, foi fundada em 1991, é publicada duas vezes por mês e desde 2001 faz parte da editora Cell Press, por sua vez filial do grupo Elsevier (The Lancet, ScienceDirect, a série televisiva Anatomia de Grey).
No passado mês de Agosto, Current Biology publicou um artigo que acabei de encontrar só agora e cujo título é Creationism and conspiracism share a common teleological bias (“Criacionismo e conspiracionismo partilham o mesmo prejuízo teleológico”). Um artigo que em primeiro lugar chamou a minha atenção porque não faço ideia do que possa ser um “prejuízo teleológico” e isso irrita-me.
“Teleologia” em Dicio Dicionário Online de Português:
[Filosofia] Doutrina que se pauta na ideia de que os seres e o universo caminham e compartilham uma única finalidade, sendo ela permanente e não compreendida na sua totalidade.
Uhi, coisas complicadas… e eu que pensava que teleológico fosse um concurso televisivo. Após ter reflectido uns 37 minutos, cheguei à conclusão que um prejuízo teleológico relaciona um facto com a sua causa final. Por exemplo: “O Sol serve a dar nos a luz” ou “As abelhas existem para fornecer nos o mel”.
Como é óbvio, trata-se duma forma de pensar errada. As abelhas não existem para servir os homens, existem porque sim e, casualmente, fornecem mel e picadas (que doem, sou testemunha disso!). Ensinar a não pensar que tudo existe para satisfazer as necessidades dos seres humanos é coisa boa e justa, todavia é uma questão mais filosófica do que científica (biológica neste caso): o nosso conhecimento acerca das abelhas mudaria se elas “servissem” a espécie humana? Não, as abelhas são abelhas e ponto final, independentemente das finalidades delas.
Mas vamos em frente. A teoria de Current Biology é a seguinte: existe um vínculo comum entre a conspiração e o criacionismo. E este vínculo é: ambos os pensamentos partilham o tal prejuízo teleológico que tende a atribuir um valor intencional a tudo. Um prejuízo que, segundo a revista, fica nos antípodas do racionalismo científico e que, embora desacreditado desde os anos de 1800, ainda está presente em várias formas nas sociedades de hoje.
Em trabalhos anteriores, os mesmos autores descobriram que, segundo os conspiradores, os acontecimentos do mundo são guiados por relações básicas de causa e efeito, sempre fabricadas para fins precisos. E ao chegar a essas conclusões, notaram muitas semelhanças com o pensamento criacionista; portanto, se os dois pensamentos partilham o mesmo prejuízo cognitivo, eles devem estar associados uns aos outros.
Ou seja: estes dois génios passaram anos na tentativa de demonstrar que quem acredita em Deus acredita também nas conspirações e vice-versa. Por qual razão? Porque tanto os criacionistas quanto os conspiracionistas acreditam que as coisas não aconteçam “por acaso”. Ver uma causa intencional, uma finalidade nos acontecimentos, seria então uma deformação do pensamento correcto, algo “não lógico”. E repito: não lógico.
Mas isso não é verdade, é verdade o oposto, ou seja, as coisas acontecem porque existem causas precisas que as determinam e, quase sempre, finalidades também. Há sempre uma causa mas pode não haver uma finalidade. Por exemplo: um homem passa debaixo duma varanda e um vaso cai-lhe na cabeça. Pode ter sido um golpe de vento que fez cair o vaso, então estamos perante duma acção na qual não há finalidade (um mero acaso). Ou pode ter sido o Max que atirou o vaso para divertir-se um pouco, então estamos perante duma acção que tem uma causa e uma clara finalidade (o legítimo divertimento do Max).
Current Biology joga com a subtil diferença entre “causa” e “finalidade”. Do ponto de vista dos criacionistas, Deus é a causa suprema, pois tudo acontece segundo a vontade Dele; a finalidade é o plano de Deus, algo que não está ao alcance dos homens. Vice-versa, os assim chamados “conspiracionistas” tentam desvendar tanto a causa quanto a finalidade através da análise dos factos, sem recorrer a uma razão sobrenatural. Partindo das observações dos acontecimentos do 9/11 e da análise crítica da versão oficial, é possível construir sólidas hipóteses alternativas acerca tanto das causas quanto das finalidades do atentado que matou 3.000 pessoas.
Current Biology põe no mesmo plano quem acredita em Deus, quem acha que a Terra é plana, quem espera que Nibiru destrua o planeta e quem critica com métodos científicos as versões oficiais. E isso é muito pouco sério.
Explica Current Biology:
Como componente “padrão” […] o pensamento teleológico é, portanto, associado a crenças criacionistas e conspiracionistas, que implicam o envolvimento distante e oculto de uma causa final e proposital para explicar eventos mundanos complexos.
O que significa: não raciocinem acerca de assuntos “mundanos” complexos, mantenham tudo simples porque não há nada de oculto. As coisas são como elas parecem e ponto final.
Por exemplo: as empresas dos Estados Unidos favoreceram economicamente a ascensão de Hitler nos anos ’30? Não, aconteceu tudo de forma aleatória, não havia nenhuma clara finalidade política. Seguindo o raciocínio de Current Biology, de repente milionários americanos começaram a fornecer dinheiro aos nazistas mas sem que existisse uma razão bem precisa, não passou dum mero acaso. Casualmente milhões de Dólares partiam dos EUA e casualmente chegavam na Alemanha onde, sempre casualmente, acabavam nos cofres dos nazistas. Isso é ridículo e muito pouco “científico”.
De facto é extremamente curioso que esta crítica chegue dum ambiente supostamente “científico” e sobretudo “biológico”: os seres vivos raramente fazem coisas sem que haja uma causa e uma finalidade. O leão na savana mata a gazela porque tem fome (causa) e quer comer (finalidade), não porque é um serial killer ou porque enlouqueceu. E não é preciso acreditar em Deus para entender isso.
Mas Current Biology faz parte da “Nova Ciência”, aquela que procede por dogmas (“assim é e não se discute mais”) e que não deseja cultivar o espírito crítico nas pessoas. O bom cidadão não pergunta “por qual razão acontece isso?”, limita-se a absorver a simples explicação “científica” sem ir mais além. O bom cidadão não tem dúvidas que não sejam “politicamente correctas”. O bom cidadão não acredita em Deus. Paradoxalmente é esta atitude que favorece o afastamento entre ciência e cidadão. O ambiente científico é percebido como algo distante, pouco relacionado com a realidade, incapaz de fornecer explicações abrangentes e, no final das contas, cúmplice do sistema. Terreno fértil para o surgimento duma miríade de teorias “conspiracionistas”.
Como sempre: “conheces os teus inimigos”. Como vimos, Current Biology faz parte da editora Cell Press, por sua vez filial do grupo Elsevier. Este, como nas bonecas russas, faz parte de algo maior: o grupo RELX, uma multinacional britânica que opera nas áreas cientifica, técnica e medica. Chefe supremo da RELX é Sir Anthony John Habgood, membro do Banco da Inglaterra, formado na Universidade Carnegie Mellon. Carnagie era o famoso industrial-filantropo e Mellon era a família de banqueiros.
Não admira que da Universidade Carnagie Mellon saíam indivíduos como Charles Geschke (Adobe Systems), Andy Bechtolsheim (Sun Microsystems), George Pake (Xerox), Charlie Erwin (Secretário da Defesa dos EUA e General Motors) ou o bilionário David Tepper. Estamos falados.
Ipse dixit.
Fonte: Current Biology
Por instantes pensei que alguém tinha descoberto a origem do Universo mas, pelos vistos não.
Cada vez mais a ciência incorpora a componente política, económica e em alguns caso conspiracionista para fazer prevalecer um determinado ponto de vista, em vez de se limitar unicamente ao método científico como base de trabalho.
Nunca se falou tanto em estudos científicos, sobretudo aqueles feitos à medida, para vender.
Felizmente também existe muita ciência boa.
Ariano Suassuna disse: ‘Ou existe Deus ou então a vida não tem sentido nenhum’. Não vejo nesta frase nenhuma ciência nem tão pouco uma ideia de conspiração. Vejo uma frase que me faz coçar a cabeça inúmeras vezes. Logo eu, que não sou crente.
Amén.
Krowler
Meu caro, com o devido respeito presto-me a concluir que o texto original poderá ter duas ( ou mais) leituras corretas e isto porque a “…doutrina que se pauta na ideia de que os seres e o universo caminham e compartilham uma única finalidade, sendo ela permanente e não compreendida na sua totalidade. ” pode muito bem referir-se á simbiose dos ecossistemas mas também e ainda, ao plano quântico em que seres vivos e universo são apenas energia em diferentes ondas de vibração”
Creio que o sentido da tradução não se refere exatamente a um “prejuízo ” teleológico mas antes a um “obstáculo cognitivo” algo que poderá servir como “travão” a outras formas de aceitação da realidade ainda que no plano hipotético, algo que limita a multiplicidade de raciocínios possíveis sobre um determinado evento.
Considero provável que o texto original ( o qual não li porque era a pagar) poderá ter partido de uma de uma base lógica , racional e aceitável e possa ser ecoado como forma de servir os propósitos mais ou menos claros dos editores .
A multiplicidade de raciocínios possíveis sobre um determinado evento pode cruzar o campo judicial, moral , social, cientifico, possuir varias leituras e ainda assim continuar incompleto.
Se criacionistas e conspiracionistas estarão cognitivamente menos aptos a admitir uma maior multiplicidade de raciocínios ? Não faço a mínima ideia, até porque nem os conheço todos nem nunca os estudei. Para já , e repito : ” para já ” na ausência de outros indícios creio que é apenas mais um artigo para vender papel.
….não só para vender papel, mas para sustentar “cientistas” e “filósofos da ciência” ad eternun, sem nenhuma contribuição para a sociedade, Faz 500 anos, quando eu inocentemente estudava filosofia da ciência já se discutia a questão do acaso e da necessidade e ilustres figuras (me lembro do nome Popper neste momento) se alçavam a arautos desse ou daquele parecer. Ao que tudo indica continuam vivendo das mesmas asneiras, talvez só nominando-as com outros termos.E continuam vivendo muito bem sem fazer nada de útil. Enfim…não são os únicos. Existe uma casta cada vez maior de “entendidos” em religião, direito, economia, ciência e mil outras coisas, que se firmam na sociedade como autoridades, cujo maior entendimento é como viver bem sem fazer nada às custas da maioria de “crentes” que os apoiam.
Aleluia!
N
Boa observação P.L. :
Esse artigo não está disponível do princípio ao fim! Logo o que se pode fazer é tentar racionalizar algo que poderá nem ter nada a ver com o plano quântico sequer(boa tentativa e logica…mas isso é impossível quando só está disponível não o todo mas uma parte a partir daí pode se especular como no teu caso)
E as referências de obras com o isbn(id dos mesmos) ou ainda algumas parcialmente digitalizadas, são algo selectivas, pegam em obras já com alguns anos 193×, (com um alto de 2000 a 2010) até 2017. Quando é assim é para geralmente tentar não diria impor mas criar ainda mais discrepância, confusão.
Por que se conta que quem vai ler em parte não vai entender.
A parte: adobe, sun, xerox,(no seu aparelho ou assinaturas digitais) DDefesa, milionário(s) e fundação Carnegie nesmo bem intencionados? Em parte deixam um pé atrás, as últimas.
Isto são empresas que já mudaram ao longo dos ultimos tempos a própria maneira de fazer as coisas (parte boa e menos boa)
Como gosto de desconstrução de realidades impostas que na verdade são baseadas em ar e vento, tinha que ler na totalidade e onde pretendem realmente chegar.
E pegando a pessoa citada por Krowler:
“Ou existe Deus ou então a vida não tem sentido nenhum”, interpretação pessoal lá está o inconsciente a dar luta, mas o leão o gato ou o porquinho da india preocupam-se com isso, ou vivem, assim como nós, sobreviver, ir vivendo ou aproveitar a vida (conforme cada um pode)…sim não sou crente também.
Ámen
ps: “Criacionismo e conspiracionismo partilham o mesmo prejuízo teleológico”.
Não nada disso, muito pelo contrário, dependendo do que se entende por conspiracionismo(sim desde a raiar a loucura até a factos comprovados que até oficialmente foram desclassificados). Engano para atingir fins.
O criacionismo está ligado à religião ou até a religião com fim de dominação(ok a costela de Adão etc…) . Mas pergunto não eram J.Cristo, Buda e até e outros que pregavam o oposto do que quem “mandava” própria religião tomou como certo? Outra vez engano para atingir fins.
É tudo casual:
“Seguindo o raciocínio de Current Biology, de repente milionários americanos começaram a fornecer dinheiro aos nazistas mas sem que existisse uma razão bem precisa, não passou dum mero acaso. Casualmente milhões de Dólares partiam dos EUA e casualmente chegavam na Alemanha onde, sempre casualmente, acabavam nos cofres dos nazistas. Isso é ridículo e muito pouco “científico”.
Não claro que não…lol enfim como a Califórnia é rica em fraudes e vendedores de banha da minhoca já agora metem Ron Hubbard e a cientologia.