Laboratório China: os trabalhadores descobrem as greves

Enquanto o Partido Comunista Chinês actua de forma segura no cenário internacional, a classe trabalhadora chinesa começa a entender as duras leis do Capitalismo. E reage. Desde Maio, houve três greves de alto nível iniciadas por operadores de guindastes, trabalhadores de entrega de comida rápida e, mais recentemente, por motoristas de camiões. Embora as greves fossem de pequena escala em relação à enormidade da classe trabalhadora chinesa, não deixa de ser notícia. Podemos ver nisso uma tentativa desestabilizadora do Ocidente? Talvez, mas as coisas não são tão simples assim: este não é um País onde é suficiente entregar bandeiras para ter quatro deficientes na rua e invocar a “revolução colorida”, esta é a China.

De acordo com o China Labor Bulletin, desde Sexta-feira 8 de Junho em mais de uma dúzia de lugares (as regiões de Shandong, Chongqing, Anhui, Guizhou, Jiangxi, Xangai, Huberi, Henan e Zhejiang) grupos de camionistas começaram a protestar contra o aumento dos preços dos combustíveis, das portagens e por causa dos atrasos no pagamento dos salários. Também criticaram a plataforma on-line Yun Man Man, o site utilizado para procurar trabalho: este está a implementar um aplicativo que impede aos clientes de entrar em contacto directo com os camionistas e permite também uma comparação entre estes últimos baseada nos preços.

De acordo com um recente estudo da Social Academic Press, a maioria dos camionistas chineses trabalha até 12 horas por dia e mais de 70% são incapazes de contratar um motorista de suporte. Os ganhos são cerca de 17 mil Yuans (2.144 Euros, 9.341 Reais) para uma viagem de 2.500 quilómetros desde cidade de Wuhan, na China central, para Shenzhen, no sul do País. Assim, após o pagamento de autoestradas e combustível, nos bolsos sobram apenas 5 mil Yuans (630 Euros, 2.747 Reais) por cada viagem, com os quais devem ser paga a manutenção (e, no caso, as prestações) do veículo.

A ação dos camionistas foi precedida por um apelo anónimo à greve, visando os 30 milhões de trabalhador do sector em toda a China. Até agora, parece que esse esforço organizacional de larga escala foi conduzido através das comunidades on-line de Kayou, através das quais os motoristas de camião podem socializar. O facto desta ação ter sido capaz de avançar simultaneamente em muitas cidades, apesar do controle total do regime, é significativo.

Até agora não houve notícias oficiais sobre este assunto e todas as discussões online foram rapidamente removidas. Isso pode ser porque as greves, em algumas cidades, tomaram um teor político: um grupo de motoristas faz-se chamar Aliança Wagangzhai: este foram os rebeldes que lutaram contra o tirânico imperador no final da dinastia Sui. Há também um vídeo que mostra uma greve em que os motoristas convidam a derrotar o PCC.

Ainda antes da greve dos motoristas houve a greve dos trabalhadores de entrega de alimentos, que ocorreu no início de Maio, o que também ocorreu em toda a China: Shandong, Zhejiang, Chongqing, Xangai, Guangdong, Jilin, Hunan, Guangxi e Shanxi. Esses trabalhadores dependem para trabalhar da Meituan, o gigante do fornecimento de alimentos, da mesma forma que a GrubHub ou a Seamless atribuem empregos aos transportadores ocidentais. Enquanto a Meituan está actualmente avaliada em 40 bilhões de Dólares, os envolvidos na entrega de alimentos, um trabalho de stress em condições deploráveis, devem aceitar a redução dos salários e suportar o custo de combustível, telefone e veículos .

A proliferação de aplicativos e serviços tecnológicos transformou muitos desses empregos em posições contratuais independentes, com trabalhadores uns contra os outros no campo da oferta, enquanto empresas como a Meituan ou a DiDi aumentam os lucros. O Presidente Xi disse que a China é um País socialista governado pela aliança do proletariado e dos agricultores, mas a realidade é feita dum sistema capitalista que está a arrastar cada vez mais trabalhadores em condições precárias, com técnicas para obter maiores lucros muito bem conhecida no mundo ocidental

Durante o período em que os trabalhadores de alimentos iniciaram a greve, os operadores de guindastes dos estaleiros de Guangxi, Jiangsu, Henan, Jiangxi e Fujian começaram os protestos também. Além de pedir melhores salários, condições mais seguras e oito horas por dia, os manobradores exigiram o mesmo tratamento para os colegas de construção. O sucesso da greve obrigou os órgãos de informação a publicar artigos que reconheceram a existência do movimento e as demandas dos trabalhadores.

Estas greves devem ser somadas aos protestos da aldeia de Wukan, em 2011, e dos mineiros de Shuangyashan em 2016. E há também greves ocasionais em empresas em contexto locais. Algo está a mexer-se na China. Um ponto de viragem ocorreu entre Junho e Julho de 2016, quando os trabalhadores da Walmart reagiram, em muitas localidades do País, perante um novo regime de horário de trabalho que a administração decidiu impor. Foi organizada uma greve nacional e, embora o movimento tenha terminado com os trabalhadores incapazes de manter activa a organização deles (pressões do PCC em conjunto com a Walmart), a ideia de estender as lutas parece ter funcionado.

Reza a doutrina Marxista que a tendência natural do Capitalismo é ampliar as dimensões do proletariado e criar as condições para combater o sistema. Olhando para Ocidente, isso não parece: é só uma fase, que o sistema consegue ultrapassar. A China entrou na corrida capitalista com muito atraso, forte dum funcional sistema de vigilância e censura, e agora enfrenta uma situação que já aconteceu no Ocidente. Só que tudo aí acontece de forma mais rápida.

 

Ipse dixit.

Fontes: Il Fatto Quotidiano, InfoAut, Medium

4 Replies to “Laboratório China: os trabalhadores descobrem as greves”

  1. Eu acho que eles estão a “pedi-las” parece que o PCC terá de avivar a memoria aos trabalhadores em luta, sobre as virtudes do regime , desde 1989 em Tian’anmen que não tomam os remédios … e começam a ter ideias contrarrevolucionarias e perigosas para a saúde … afinal de contas a china está na vanguarda do “admirável mundo novo” e esta parvoíce de greve vem estragar a reputação do regime, esticam-se mais um pouco e os camaradas soldados vão ter de “colaborar” com os manifestantes …

  2. Olá lolol
    Se é externo, é problema deles PCC(não parece).
    Se é interno e pura e simples aumentar ordenados, diminuir horários e melhores condições de trabalho. São muitos locais e trabalhos diferentes e parece que já começam a sofrer com a “überização” e agora vão entender porque os ocidentais possuem sindicatos, ou fazem greves ou existe uma luta constante e infinita senão os grandes fazem o que querem (retitar que é o que está na moda, para os ricos ficarem mais ricos os outros por exclusão de partes o inverso) quanto mais manter proporcionalidade, mas isso é das maiores mentiras que muitos engolem, não existe é vontade política para tal.
    Os unicos locais onde acontece menos é a Escandinávia, Alemanha precisamente por os direitos comuns incluindo o trabalho estarem bem salvaguardados (outros problemas emigração) e centro norte da europa(cá está o modelo de keynes a funcionar) o capitalismo é uma pirâmide, não se pode brincar hoje sou capitalista, amanhã comunista e é tudo igual. O que fazem é usar um controle que chamam falsamente de comunista / nada disso é uma espécie de totalitarismo travestido mas que nem os comunistas na europa usam, para por em funcionamento um capitalismo em esteróides.. (é algo do passado que funcionou mal, acabou, finito não mudaram o nome mas aprenderam a lição, aliás em Portugal o governo é “socialista”(1°), bloquista e comunista e não deixamos de viver no tal de capitalismo?, respeitam mais a constituição *com o Passos era ir varias vezes ao ano ao tribunal constitucional para tirar direitos adquiridos* , e tentam timidamente diminuir discrepâncias – é difícilimo, dadas as circunstâncias fmi troika etc a receita neolib do costume ah! e é possível ao menos um diálogo menos monolitico)
    *China ou outro local com essa receita:…….Tal afeta o trabalho: tempo, desgaste e renumeração igual com desgaste maior etc…
    Acho que têem todo o direito a reclamar, organizar-se e exigir melhor se assim acham.
    Os direitos, seja de quem for não caem do céu.

    As empresas deslocalizaram-se para lá para pagar menos(coisas de ocidentais, coreanos, japoneses) e obter as queridas mais valias, mais lucro por trabalho barato, quase escravo e o povo aqui e na américa ainda acha que roubaram os nossos trabalhos lolol tótós populistas…foi para obter mais lucro foi decisão da própria empresa(privada logo pode ir para onde bem entender)
    Mas eles(chineses) não são de ferro, são pessoas como as outras com limites como aqui e em todo o lado.

    Bem vindos á globalização.

    Os multimilionários globalistas controlam o que “parecem” interesses antagónicos.

    desculpa seca, …ufff

  3. Gostei muito do artigo, Max.
    Parece até que te referias à situação dos caminhoneiros no Brasil, com aqueles dados de salário, descontos, tempo de trabalho diário…Aqui os caminhoneiros quando ficam trabalhando depois de 15 horas, usam “rebite” ( nome dado pelo segmento à drogas legais ou ilegais que dificultam o sono ), e continuam. O Amarildo trabalhou (sem rebite), lixando e pintando paredes 27 horas seguidas, comendo pouco e depressa porque está ganhando por hora (a “exorbitância” de 15 reais a hora). Diz ele que quem cobra mais está sem serviço. Hoje está vomitando e caindo de sono, mas feliz da vida: ganhou 4 peixes e 1 onça ( só estou conseguindo com que conheça o valor das notas associando 100reais a um peixe desenhado na nota, 50reais a onça desenhada nas respectivas notas), o que para ele é um dinheirão. Braziiiilllll, zil, zil!
    Mas, voltemos ao país do socialismo a moda chinês:
    Aqui, em uma semana o país parou porque tudo roda sob pneus e a diesel. Não acredito que ocorra no socialismo chinês, o Estado é forte suficientemente hoje, e a burrice e cretinismo por lá também parecem ser bem menores.Logo, a China não pára em função de algumas greves.
    A greve deve ser um direito em qualquer lugar, o socialismo chinês teve de curvar-se à entrada do capitalismo, e uma das formas mais sociais dos trabalhadores reagirem aos excessos é a greve. É hora do capitalista que migrou para a China, quando ela tinha uma multidão de miseráveis, disponíveis ao trabalho escravo, perceber que a China não é mais a mesma.
    O socialismo a moda chinês fez com que os salários em geral quintuplicassem em poucos anos. Chineses em bandos puderam sair da China e conhecer outros países. Diminuiu substancialmente a massa disposta a continuar trabalhando por centavos, enquanto no Brazil, dos milhões que caíram em desgraça, também em pouco tempo, poucos se deram conta da marcha ré, célere rumo aos anos 50.

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