Enormes empréstimos de organizações financeiras internacionais, consistentes alívios das dívidas dos Estados, recursos captados pela iniciativa privada, formas organizadas de caridade com a participação de celebridades. Rios de Dólares que parecem não ter interessado o problema do subdesenvolvimento e da pobreza endémica no Terceiro Mundo.
De facto, verificou-se que, desde meados da década de 1990, cerca de 60 Países em desenvolvimento ficaram mais pobres em termos de rendimento per capita em comparação com os 15 anos anteriores. Até 2030, dois terços dos pobres estarão na África. A África é, portanto, cada vez mais pobre. Mas é uma pobreza nova quando comparada com aquela do passado colonial: o continente africano inclui os Países com os maiores níveis de desigualdade do mundo, onde o fosso entre a elite dedicada ao luxo e o resto da população que vive numa condição de miséria é abismal. Então, o que não funcionou? Para onde foram os rios de Dólares?
A resposta é extremamente simples: os Dólares seguiram a mesma corrente que impulsiona a riqueza coletiva numa escala global. Ou seja: acabaram em contas offshore, enriqueceram as elites locais que colaboram com os grandes especuladores internacionais. E sobretudo têm enriquecido eles, os Senhores da Dívida. A África pós-colonial acabou na espiral mortal dos empréstimos para o pagamento da dívida. E dívida significa juros, acumulados especialmente após a crise da dívida de 1982, que afectou todos os Países do Terceiro Mundo. Com a dívida, o continente perdeu definitivamente qualquer possibilidade de desenvolvimento: estima-se que para cada Dólar emprestado, 13 foram reembolsados. Potência dos juros: uma espécie de Plano Marshall ao contrário desviou o dinheiro destinado ao Terceiro Mundo para os credores da dívida do Primeiro Mundo.
A transição do colonialismo para a dívida pós-colonialista foi brutal para o Continente Negro e tem reprimido qualquer tímida tentativa de desenvolvimento económico nacional iniciada através da política de substituição das importações. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial actuaram através dos chamados “programas de ajuste estrutural”: em troca de empréstimos e assistência, eis os controles económicos, a integração monetária e política da África. Em contradição com toda a lógica e todos os exemplos de qualquer caminho de desenvolvimento económico nacional, FMI e BM forçaram a abertura incondicional à desregulamentação e ao livre comércio em Países que ainda não tinham um tecido industrial e produtivo com base local. O modelo introduzido envolveu o uso de empréstimos para impulsionar as exportações, sem qualquer investimento no desenvolvimento tecnológico ou humano: o objectivo era apenas o pagamento da dívida.
Todas as formas de protecionismo necessárias para proteger a economia local e explorar o potencial de desenvolvimento industrial nacional foram abolidas. Assim, em Gana, em 2002, foram abolidos os impostos sobre as importações de alimentos. Resultado? Aumento das importações de produtos alimentares da União Europeia, tais como frango congelado que custa um terço daquele produzido localmente. Na Zâmbia, a abolição dos impostos sobre as importações de vestuário sufocou uma pequena rede de empresas locais em favor das importações de roupas produzida no Ocidente.
Os programas do FMI também impuseram cortes nos gastos com saúde e educação, cujos níveis já eram miseráveis, e a privatização dos serviços públicos essenciais, como o abastecimento de água, na maioria dos Países. Honestamente: a quem passaria pela cabeça de cortar as despesas na saúde, na educação e no fornecimento de água da África?
As responsabilidades de FMI e BM são enormes: de facto, actuaram como braço armado da Grande Finança. Quando acusadas por causa do fracasso dos seus “planos de ajustamento estrutural”, as duas instituições responderam acusando de corrupção os governos africanos. Mas é um álibi que não vinga.
Embora fosse de conhecimento comum o caráter cleptomaníaco de Mobutu, no Zaire, que roubou mais de metade da ajuda económica recebida pelo País, FMI e BM continuaram a conceder empréstimos. Não acaso, os programas de “ajuda” também são conhecidos como “programas de suborno”. A maior parte desses fundos foi parar nos offshore, onde a cada ano convergem triliões de dinheiro sujo. Neste imenso fluxo de dinheiro estima-se que pelo menos metade dos fundos emprestados voltaram para os cofres de quem emprestava, geralmente no mesmo ano se não no mesmo mês. O colonialismo da dívida mundial também prevê isso.
Cancelamento?
Os Países mais endividados do Terceiro Mundo são os seguintes (todos os valores são em Dólares):
País | Dívida | Per Capita | % do PIB |
Afeganistão | 1,280,000,000 | 40 | 7 |
Comores | 133,300,000 | 160 | 21 |
Guine | 1,332,000,000 | 100 | 20 |
Malawi | 1,921,000,000 | 100 | 35 |
São Tomé e Príncipe | 236,500,000 | 1200 | 67 |
Benin | 2,340,000,000 | 200 | 26 |
Congo | 5,331,000,000 | 70 | 13 |
Mali | 3,626,000,000 | 200 | 26 |
Senegal | 6,186,000,000 | 390 | 42 |
Bolívia | 6,340,800,000 | 600 | 19 |
Guiné Bissau | 1,095,000,000 | 570 | 94 |
Mauritânia | 3,585,000,000 | 840 | 76 |
Sierra Leoa | 1,561,000,000 | 230 | 36 |
Burkina Faso | 3,092,000,000 | 160 | 26 |
Costa do Marfim | 10,028,100,000 | 420 | 28 |
Guiana | 1,143,000,000 | 1500 | 36 |
Moçambique | 9,554,000,000 | 320 | 79 |
Tanzânia | 15,890,000,000 | 280 | 34 |
Burúndi | 705,200,000 | 60 | 26 |
Etiópia | 22,490,000,000 | 220 | 32 |
Haiti | 2,022,000,000 | 180 | 24 |
Nicarágua | 11,100,000,000 | 1800 | 83 |
Togo | 1,173,000,000 | 150 | 26 |
Camarões | 7,375,000,000 | 300 | 24 |
Gâmbia | 541,000,000 | 260 | 61 |
Honduras | 8,042,000,000 | 1000 | 38 |
Níger | 2,729,000,000 | 130 | 36 |
Uganda | 6,241,000,000 | 150 | 24 |
República Centro Africana | 686,900,000 | 130 | 39 |
Gana | 21,170,000,000 | 700 | 50 |
Libéria | 1,111,000,000 | 230 | 51 |
Ruanda | 2,442,000,000 | 200 | 29 |
Zâmbia | 9,270,000,000 | 540 | 45 |
Portanto, das 34 situações críticas provocadas pela dívida, 28 podem ser encontradas na África.
Esta a situação, mas qual a solução? A reação mais lógica seria optar para o cancelamento da dívida, parcial ou, melhor ainda, total. É uma ideia que atrai, é um conceito simples: nada de dívida e os Países podem crescer. Mas não é mesmo assim, porque um cancelamento da dívida já aconteceu nos anos passados e os resultados não foram os esperados.
O cancelamento da dívida pode corresponder a uma espécie de “cheque em branco” entregue aos governos corruptos dos Países subdesenvolvidos: e não poucas vezes os novos fundos não são utilizados para combater a pobreza. Por exemplo, em Uganda, após o cancelamento da dívida, os gastos militares aumentaram em 24%
Depois há um problema de justiça: o cancelamento da dívida é injusto para aqueles Países que fizeram sacrifícios, até muito grandes, para conseguir não cair na espiral da dívida. Apagando a dívida, pode haver Países do Terceiro Mundo a endividarem-se de forma indiscriminada, na esperança de um cancelamento futuro.
Mais importante ainda: há os dados. Os resultados do programa para reduzir a dívida dos Países pobres são decepcionantes. Em particular, o cancelamento da dívida não parece ter produzido qualquer efeito positivo sobre a taxa de crescimento do PIB, nem um boom de investimentos. A razão? Simplesmente porque muitas vezes a dívida externa não é a causa da pobreza, que deve ser procurada na fragilidade das instituições. E, entretanto, a importância da dívida interna aumenta.
Dívida externa, dívida interna
As várias iniciativas de cancelamento da dívida custaram até agora vários bilhões de Dólares, obtendo uma redução drástica na dívida externa. O que é bom: é um resultado que pode parecer como sinal do grande sucesso do esforço internacional, mas na verdade esconde problemas críticos. Por exemplo: a dívida interna. O crescente recurso ao financiamento no mercado de capitais doméstico é uma consequência previsível: o programa de redução da dívida exterior impõe limitações para contrair empréstimos no mercado de capitais internacionais. O que faz sentido: seria inútil cancelar a dívida exterior dos Países e depois permitir que estes mesmos Países ficassem endividados outra vez com o exterior.
Mas isso significa que muitos destes Países não têm outra escolha a não ser emitir títulos no mercado interno. Com as fracas e instáveis instituições políticas e económicas de muitos Países do Terceiro Mundo, a dívida interna é muito cara e arrisca limitar os progressos registados na redução da dívida externa. Além disso, as despesas com juros da dívida interna, muito superiores às dos empréstimos externos, comprometem a sustentabilidade da dívida pública. Entre 1991 a 2008, por exemplo, a dívida interna em Países subdesenvolvidos com dívida exterior “perdoada” aumentou de 11 para 37 por cento; e, mais importante, aumentou a despesa para o pagamento de juros sobre a dívida interna, que chega a pesar sobre o orçamento público muito mais do que os juros sobre a dívida externa.
Dívida e crescimento
Um segundo aspecto que merece atenção é o elo entre dívida e crescimento, necessário tanto para garantir a redução da pobreza como para alcançar a sustentabilidade do total da dívida pública no longo prazo. Uma avaliação directa do impacto da redução da dívida externa nos Países pobres não destaca a presença de qualquer efeito positivo sobre a taxa de crescimento do PIB, nem de um boom de investimentos. Dito de outra forma: ao cancelar a dívida, na maior parte dos casos o País não começa a crescer, como seria possível esperar. Apenas em quatro dos vinte e três Países afetados pelo programa Multilateral Debt Relief Initiative (“Iniciativa Multilateral de Alívio da Dívida”) de 2006 houve uma aceleração do crescimento económico nos anos seguintes à redução da dívida em comparação com o período de cinco anos anterior.
Como explicar isso? Provavelmente, em muitos Países a alta dívida externa não é necessariamente o principal obstáculo ao crescimento económico. O alto endividamento exterior tem efeitos negativos sobre o crescimento apenas naqueles Países que implementam políticas económicas prudentes e que possuem boas instituições. Pelo contrário, onde as políticas são instáveis e o contexto institucional é fraco, esses factores são a principal causa da falta de crescimento, não a dívida.
Placebo
Portanto, o programa para o cancelamento da dívida externa tem actuado como um “placebo”: certamente não fez mal, mas é duvidoso que tenha tido algum efeito de longo prazo. Fica claro que a redução da dívida ou até o seu cancelamento não podem ser vistos como a solução para erradicar a pobreza.
Não é possível continuar a alimentar os tubarões da Finança com o mecanismo da dívida exterior dos Países do Terceiro Mundo. Apesar dos problemas (que existem), a dívida externa tem que ser cancelada. Mas fazer apenas isso não é suficiente, deve ser o primeiro passo: quem aposta apenas nisso não está a ajudar os Países subdesenvolvidos, porque o Ocidente (e não só: pensamos no land grabbing chinês e indiano) tem mantido os Países africanos numa situação de forte e crónico atraso, ao ponto que hoje faltam aquelas condições básicas para poder esperar numa melhoria qualquer.
Depois do colonialismo clássico, depois do colonialismo da dívida, hoje a África arrisca tornar-se uma terra de conquista no âmbito dum novo modelo colonialista: porque um País em dificuldades é sempre um País vulnerável.
Ipse dixit.
Relacionado: A Grande Corrida: land grabbing
Fontes: Ilaria Bifarini, Marco Arnone e Andrea Filippo Presbitero: La cancellazione del debito? Un placebo
Mas um país vulnerável é um gulag sustentável!
José Sócrates, notável 1.º ministro de Portugal disse uma grande verdade ” As dividas não são para pagar, são para gerir” das raras vezes que falou verdade acabou por revelar “com pompa e circunstância” uma das doutrinas mestras que irão determinar o nosso futuro ” a divida” é um instrumento financeiro mas acima de tudo é uma ferramenta de controlo social, um dos valores constantes ao longo da nossa historia que era o principio de economizar , transfigurou-se para um perpetuo endividamento que transfere o controlo da nossa vida para quem detém a nossa divida. Os empréstimos que a nível pessoal quer ao nível das nações são um jogo de cartas marcadas.
Que o cancelamento da dívida externa não seja a única iniciativa político econômica para melhorar a situação do terceiro mundo, não tenho dúvidas, mas da sua necessidade também não tenho dúvida alguma por vários motivos:
o primeiro de ordem moral: quem deve ao terceiro mundo é o primeiro mundo.
o segundo porque o solicitado para empréstimos como desregulamentação e privatização maciças são a ultima coisa que requer um país de terceiro mundo
a terceira porque as pré condições de empréstimo facilitam a evasão legal e ilegal de divisas por agentes internos e externos, favorecendo apenas as elites nacionais corruptas e internacionais.
O que pode se seguir ao cancelamento da dívida é;
1. A forte taxação sobre as grandes fortunas,
2. A garantia de trabalho para todos que possam e queiram trabalhar,sob regime de trabalho decente.
3. A limpeza de corrupção na justiça, instituições militares e de segurança, transporte e abastecimento.
4. A distribuição de terras incultas, sementes, ferramentas,moradia e subsistência inicial para quem queira produzir na terra.
5. Eliminação de impostos para manufatura e indústrias nacionais.
6. Relações diplomáticas estáveis e intercâmbio comercial, cultural e inter raciais e religiosos com quaisquer países que orientem estes relacionamentos embasados na não agressão, respeito e honestidade.
Estatização de todas as empresas que garantam a soberania nacional
Ora, raios…se eu sei isso, os governantes não efetivam tais medidas porque não querem, ou receiam sofrer um acidente fatal na primeira semana de governo.