Elon Musk |
A Tesla Inc. é uma empresa norte-americana que produz automóveis eléctricos. Automóveis bonitos e eficientes. Um pouco caros, mas a inovação custa, aos compradores e aos fabricantes.
Pouco mal: a Tesla é uma empresa privada de capital aberto negociada na Bolsa de Valores NASDAQ e no primeiro trimestre de 2013 pela primeira vez registrou lucros. Em 2016, a marca entrou para a classificação das 10 marcas automotivas mais valiosas do mundo, com um valor estimado em 4.436 bilhões de dólares.
Um mês e meio atrás, o seu visionário fundador, Elon Musk, recebeu uma recompensa pessoal de 50 bilhões de Dólares dos acionistas. Cinquenta bilhões, não amendoins. Justo assim: os acionistas acreditam que esta seja a compensação certa para os visionários e os inventores.
Na passada Quarta-feira, Musk apresentou o primeiro relatório sobre os lucros da companhia por meio de tele-conferência. Surpresa: a empresa incinerou 1.1 bilhão no último trimestre. Isso é: piorou em 70% o já péssimo resultado do mesmo trimestre do ano passado. A Tesla está a perder dinheiro a um ritmo inesperadamente rápido, que terminará nos próximos meses, quando terão acabado os bilhões que os investidores entregaram ao génio.
Na tele-conferência, investidores e analistas financeiros perguntaram repetidamente a Elon Musk que ideias tinha para trazer a Tesla de volta aos lucros e superar as conhecidas falhas de produção. Elon respondeu que achava aquelas observações “aborrecidas”, pouco atraentes e típicas de pessoas com “cabeças de madeira”.
Provavelmente eu também acharia as perguntas aborrecidas se na conta tivesse uma prenda de 50 bilhões. Mas a dúvida é: as empresas não precisam mais de lucros?
Porque não é apenas Tesla que segue aquela que parece ser a nova regra do Capitalismo em fase terminal. Uber, a multinacional de São Francisco que com o seu aplicativo coloca no carro as pessoas de 616 cidades do mundo, está a perder dinheiro a uma velocidade vertiginosa. Em 2017, menos 4.5 bilhões de Dólares. Nem estes são amendoins.
Toda as vezes que pegarmos uma boleia (paga) da Uber (serviço que, diga-se de passagem, funciona bem melhor do que um táxi), a Uber perde dinheiro.
Netflix, o famoso distribuidor de filmes e programas de TV para assinantes, é outra empresa perpetuamente em perda, que acabou de incinerar mais de 2 bilhões de Dólares. Dinheiro que os acionistas tinham entregue à empresa “visionária”: todas as vezes que estamos a assistir a um filme da Netflix, são os investidores que estão a subsidiar o nosso entretenimento. E Netflix é outra empresa que oferece um bom serviço (nota pessoal: todas as empresas que utilizo ficam em perda? Ah, não, ainda não comprei um Tesla, não tenho dinheiro para isso…).
Porque é assim: quando uma empresa entrar em perda, são os acionistas e os financiadores que pagam aquela quantia que, de acordo com as regras do mercado, deveria ser paga pelo consumidor. Geralmente é o Estado que comete o crime de subsidiar alguns bens necessários (pão) ou serviços (transportes públicos, reformas), com grande ira do Capitalismo privado dogmático, que visa ocupar aqueles sectores também e submetê-los ao mercado, ou seja, lucrar.
A lista de empresas (e falamos aqui apenas de grandes empresas “de sucesso”) que queimam dinheiro poderia continuar com Dropbox, Snapchat… na verdade, 10% das empresas que compõem o índice S&P 500 (que conta com as 500 empresas dos EUA com a maior capitalização) e mais de 20% daquelas que compõem o índice Russell 2000 (empresas com uma capitalização inferior) gastam tanto dinheiro que têm que pedir empréstimos apenas para pagar os juros sobre as suas dívidas. E os bancos agradecem.
Mas sob as novas regras do Capitalismo, essas perdas não importam porque há inúmeros investidores, fundos e banqueiros sempre satisfeitos em ter a oportunidade de colocar mais capital no negócio.
Observa Simon Black, investidor, colaborador do Wall Street Journal e fundador de Strategic Bank:
Tudo isso não é normal, vai contra as leis mais básicas das finanças: as empresas devem ganhar dinheiro para os seus investidores, e não o contrário.
No entanto, os investidores continuam a atirar capitais nesses poços sem fundo enquanto (e isso é realmente bizarro) ao mesmo tempo inundam os fundadores com admiração cega. É incrível quantos elogios e estima são dados aos fundadores de empresas que queimam o capital dos seus investidores como um sociopata financeiro demente.
Em vez de serem demitidos por incompetência, no entanto, são saudados como “visionários”. Essas pessoas estão completamente fora de sintonia, tanto os fundadores que tratam os seus acionistas com tanto desprezo, quanto os investidores idiotas que continuam a permitir esse abuso.
Não é preciso ser Nostradamus para reconhecer que algum dia essa estupidez terminará repentina e dolorosamente.
Não se trata apenas de “idiotices” ou “incompetência”. O que Simon Black descreve é a contradição final do Capitalismo descontrolado: o limite da sua “máxima eficiência”, que consiste em pagar ao máximo o capital, pagando o mínimo possível o trabalho. É como um aspirador que retira os lucros dos rendimentos baixos para concentra-los cada vez mais no 1% de privilegiados. Este “umporcento” tem que fazer algo com este enorme capital e a melhor das soluções é investi-lo em empresas.
Estes investimentos “azarados” significam algo para o “umporcento”? Não, não têm muito significado. Reparem nisso: na Tesla, o fundador Musk recebeu em 2018 um “presente” de 50 bilhões numa empresa que tinha visto o primeiro lucro (4 bilhões) só em 2016. Se o “umporcento” pode conceder-se um desembolso de 50 bilhões para premiar o gerente duma empresa que produz carros de nicho e que viu os lucros (limitados) 13 anos após ter sido fundada, então temos que admitir: estes investimentos maus em nada afectam os negócios do “umporcento”. Também porque o que é perdido dum lado pode ser tranquilamente recuperado do outro, com investimentos que resultam.
O verdadeiro problema reside em outro lugar. Está no facto da Tesla não conseguir vender os automóveis por existirem poucas pessoas com uma tal disponibilidade económica; ou na Netflix que não consegue mais assinantes (74 milhões de pagantes, dos quais 44 nos EUA, num total de 190 Países são uma miséria) mesmo oferecendo um serviço de qualidade e num sector (o entretenimento) de extremo sucesso.
E se a Tesla está virada para um mercado de nicho, naturalmente limitado, muito mais significativo é o caso da Netflix: toda aquela que é chamada de sharing economy (“economia da partilha”) é na verdade um mercado do trabalho miserável que oferece serviços para massas miseráveis, as quais conseguem pagar cada vez menos.
A sharing economy poderia ser uma coisa notável se as premissas fossem outras.
Partilhar é algo nobre e numa situação como a nossa, na qual estamos a dar cabo dos recursos do planeta, poderia ser o sinal de que algo está a mudar na consciência ambientalista das pessoas. Uma maior maturidade em primeiro lugar.
Mas a verdade é outra: a sharing economy não passa duma forma para fazer que uma massa cada vez mais empobrecida possa gozar de bens e serviços que, caso contrário, não poderia permitir-se.
Quem aluga um apartamento com a Airbnb não faz isso porque gosta de passar alguns dias na casa duma pessoa desconhecida mas simplesmente porque não tem o dinheiro para alugar uma acomodação equivalente. Mesma ideia para quem partilha as viagens com estranhos dividindo as despesas; para quem compra em grupo porque sabe que pode obter preços melhores; para quem trabalha partilhando o escritório com outras empresas; etc., etc.
Repito porque é importante: o conceito da sharing economy em si não é mau, pelo contrário, é excelente e só temos que esperar que tal prática fique cada vez mais difundida. O planeta, em primeiro lugar, irá agradecer. Mas não tentamos esconder os nossos problemas atrás dum fio: na actual sociedade, a sharing economy não passa duma economia da miséria.
Ipse dixit.
Fonte: Sovereign Man
A Sharing Economy ou Economia Partilhada é, do ponto de vista económico, uma forma de adiar uma vez mais o que parecia inevitável; o colapso anunciado da economia. A 'Economia Partilhada' é chamar aqueles, que de outra forma, ficariam excluídos em determinado momento, do papel de consumidores. É ir buscar consumidores onde o crédito bancário não conseguiu chegar.
Krowler
E mais, o tal "prejuízo" irá sensibilizar a economia real(e a população geral) qdo o capital envolvido completar seu fluxo, pelo simples fato de que derrocadas financeiras de grandes corporações são geralmente absorvidas pelos estados nacionais…
…Isso não devia acontecer, a menos que seja algo "talvez" tipo Tesla (pode existir interesse no estado em algo que vejam como uma aposta sólida no futuro/vantagem?). Acho que o Krowler sintetizou bem, e o Chaplin completou. Tem estado constantemente a acontecer esse processo. A ideia é boa em sítios, mas por estes parâmetros é nivelar por baixo, aliás a última frase do Krowler diz tudo.
nuno
Perdão maldito corrector queria dizer no geral o problema é exactamente o enunciado no artigo do Max