Clonagem: além da Morte (com dinheiro)

Nos passados dias foi dada a notícia da clonagem de dois macacos, algo que teve uma forte eco. Trata-se da clonagem de duas fêmeas de macaco de cauda longa, que ocorreu há algumas semanas nos laboratórios da Academia Chinesa de Ciências do Instituto de Neurociências em Xangai, na China.

Desde os anos noventa, quando nasceram a ovelha Dolly e o rato Cumulina, os cientistas nunca pararam de clonar os animais, conseguindo o êxito com 25 espécies. Nem é a primeira vez que é clonado um primata: já ocorreu com Tetra, o macaco nascido através da técnica da separação dos embriões.

Por qual razão todo esse clamor, então?
Em primeiro lugar porque a publicar o trabalho da equipa de Qiang Sun foi o prestigioso periódico científico Cell: um facto que dá autoridade à pesquisa. Depois porque a nova clonagem parece solucionar alguns problemas técnicos que, até agora, tinham provocado falhas na maioria das tentativas de clonagem de primatas.

E agora? Falta o último passo: depois dos macacos será a vez do Homem? É inevitável, apesar dos custos, das contra-indicações e dos seus problemas éticos.

Em 2002, os Realianos (um grupo religioso formado por pessoas com sérios problemas psiquiátricos) afirmaram ter conseguido clonar uma criança, chamada Eva. Mas era falso: de facto, até hoje a clonagem humana permanece como uma espécie de Santo Graal da genética.

Vantagens?

Há problemas técnicos: já com outras espécies há uma alta incidência de abortos, muitos casos de morte logo após o nascimento, defeitos genéticos e outros problemas de saúde. O criador de Dolly, o embriologista escocês Ian Wilmut, advertiu sobre os perigos da clonagem: gigantismo, doenças pulmonares, disfunção do sistema imunológico, obesidade, disfunção cardíaca, etc.). Wilmut tinha estudado os problemas dos clones, chegando a perguntar-se perguntando-se havia um exemplar “completamente normal”. Daí o seu apelo contra a clonagem humana:

Ninguém deve sequer tentar clonar uma criança […] Há abundantes evidências de que a clonagem pode dar errado e não há motivos para acreditar que os mesmos problemas não ocorram na clonagem dos homens.

Vamos esquecer os problemas técnicos por enquanto e perguntamos: quais poderiam ser as vantagens da clonagem? Por exemplo: no campo médico?

Teoricamente abrem-se novos cenários para o tratamento de muitas graves doenças humanas ligadas aos sistema nervoso (Alzheimer, Parkinson, Stroke). Todavia, muitos temem cenários dignos da ficção científica: a possibilidade de um uso distorcido destes novos conhecimentos. Hipóteses sem fundamentos? Não: a verdade é que clonar um ser humano é inútil, a não ser que sejam tomadas em conta medidas não éticas como, por exemplo, a possibilidade de ter clones humanos entendidos como reservas de órgãos.

Outra possibilidade teórica seria a clonagem para melhorar as qualidades genéticas da humanidade: por exemplo, seria possível clonar indivíduos bem sucedidos na música, nas artes, na ciência, literatura ou política. Mas também neste caso temos profundas implicações: em primeiro lugar significaria interferir com o trabalho da Natureza, a única até hoje capaz de ditar os ritmos e as modalidades da evolução. A seguir, isso significaria criar uma distinção/subdivisão no seio da Humanidade, distinguindo entre pessoas mais ou menos capazes e, portanto, dignas ou não de ser replicadas: haveria pessoas “escolhidas” (as merecedoras de clonagem) e outras “normais”, com um futuro “dispensável”.

Irmã Morte

A clonagem apresenta graves problemas, não apenas técnicos: o que está em causa é também o papel a Homem. Úteros de aluguer, criação de inteligência artificial, manipulação genética… Assuntos complicados. Porque se o sujeito formos nós, um discurso racional torna-se quase impossível: quem pode negar a uma mãe o direito de ter um filho, mesmo que fisiologicamente esteja impedida? Hoje existe a possibilidade, com inseminação artificial ou o já lembrado útero alugado. É simples dizer “não”, “não é natural”: mas se nós formos a mãe, se o desejo de maternidade (ou paternidade) for o nosso? Quantos estão dispostos a recusar escolhas possíveis em nome da ética? Eis o ponto fraco que “justifica” passos eticamente duvidosos.

A Ciência sabe isso e explora a ocasião: há procura. Hoje “criar” seres humanos para ter órgãos de reserva parece um pesadelo, mas amanhã? Como teria sido julgado o aluguer dum útero no 1800? Porque hoje é aceite?

Mas o que há no fundo da questão? O que é que justifica o caminho da Ciência em territórios cada vez mais perto do Criador (seja ele quem for, se for) e/ou da Natureza? O que é que faz continuamente deslocar os limites da ética e da Ciência?

A resposta é “imortalidade”. O Homem tem medo da morte, a companheira sempre presente ao nosso lado como uma obscura e inevitável ameaça. O Homem não aceita a morte e tenta derrota-la ou , aos menos, adia-la. Os filhos são também (mas não só, óbvio) o perpetuar do nosso “eu”; a inteligência artificial é outra forma de ter um filho, de certa forma até melhor do que nós; a clonagem somos nós, mas quase eternos. Por uma vez há algo mais forte do que o dinheiro: é a visão do nosso fim.

Isso faz que o termo “evolução” (e também “progresso”) seja interpretado demasiadas vezes como a vontade de rescrever as leis da Natureza segundo os nossos gostos: é uma filosofia antropocêntrica na qual tudo afinal deve dobrar-se às necessidades do Homem.

Para todos? Nem pensar…

As novas tecnologias adquiriram o poder de sugestão e condicionamento que mudarão as relações sociais e políticas: em teoria, o novo Homem deve ser o dono do seu
destino, o conquistador da Natureza. E esta não passas duma invenção, com as suas leis que podem ser violadas pela
cultura, pelo progresso científico, pelo conhecimento. É uma mudança que já está
em andamento e não desde hoje.

Problema: quem decide? Quem estabelece quais leis da Natureza devem ser quebradas, por quem, em qual medida?

É aqui que volta o dinheiro. Porque achar que todos poderão ser clonados é ilusório: no planeta não há espaço para infinitas cópias de nós. Hoje e no futuro as leis da Natureza serão atropeladas por quem pode dar-se ao luxo de pagar tal façanha, por quem terá poder económico e influência para transmitir a sua memória. Não é e não será algo para todos.

Ipse dixit.

One Reply to “Clonagem: além da Morte (com dinheiro)”

  1. Etica…que é isso? O que existe é a conveniência de alguns endinheirados de enganar a morte. O congelamento por muitos anos é uma forma tentada por alguns deles. A clonagem? Os ricos pagarão qualquer coisa para obtê-la para si e para os seus. E financiarão empresas científicas para alcançar este fim da forma menos problemática possível, até chegar à cópia perfeita. Isto já deve estar em andamento por aí. A finalidade é a imortalidade, mas isso será desconhecido dos mortais como nós. O que sabemos é que aquelas múmias milionárias que devem ter 100 anos ou mais passam meses por anos em clínicas especiais na Suíça, utilizando tratamentos ultra modernos, que não temos acesso e que parece que funciona porque as tais múmias raciocinam muito bem o suficiente para mantê-las no topo como elite eterna, movimentam-se pelo planetinha com a agilidade de uma gazela e continuam decidindo e mandando no resto…este resto desprezível e descartável que somos nós.

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