¿Quién nos alimentará?

Acaba o almoço, pego numa laranja, tiro a casca e observo: está seca. Experimento uma fatia: é um nojo, uma laranja sem sumo parece cortiça. Não é a primeira vez que isso acontece: aliás, tornou-se um hábito. Citrinos sem sumo, maçãs brilhantes de fora e castanhas no interior, pêssegos podres: bem-vindos à Era da Agro-indústria.

Explicação? Simples: a fruta hoje já não chega do campo ao fundo da rua mas do outro lado do planeta. As frutas são colhidas e depois enfiadas em enormes frigoríficos para que possam atravessar oceanos e continentes sem apodrecer. De fora. Porque no interior da fruta a história é diferente. Tal como acontece com o calor, o excesso de frio seca: e o sumo foi-se.

As empresas estão contentes: o objectivo delas é adquirir enormes quantitativos para obter o melhor preço. Os clientes não estão tão contentes: aquela no prato já não pode ser definida “laranja” mas “peça de fruta estragada paga como se estivesse boa”. Mas sobretudo há o desperdício: esta fruta ocupou terreno, quis recursos para crescer (adubo, químicos…), combustível para ser transportada (no asfalto, no mar), mãos para recolhe-la, armazena-la, expo-la. Tudo para nada: da árvore para o saco do lixo.

Quantos frutos da terra diariamente seguem este caminho? Qual o custo deste perverso processo?

¿Quién nos alimentará?

   
Os camponeses, os povos indígenas e as pequenos empresas agrícolas familiares produzem 70% da alimentação mundial, apesar de terem apenas 25% da terra. Em contraste, as empresas agroalimentares detêm 75% da terra mas produzem apenas 25% dos alimentos.

Isso é revelado por uma investigação da ONG internacional Grupo ETC, que abate os mitos da
agricultura industrial e transgénica. Afirmam também que, se os governos desejarem acabar com a fome e reduzir as mudanças climáticas, devem implementar políticas públicas para promover a agricultura camponesa.

¿Quién nos alimentará? ¿La red campesina alimentaria o la cadena agroindustrial? (“Quem nos alimentará? A rede agrícola camponesa ou a cadeia agroindustrial?”) é o nome da pesquisa do Grupo ETC (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração) que, com base em 24 perguntas, evidencia as consequências da agricultura industrial e a necessidade de outro modelo.

“Os agricultores são os principais fornecedores de alimentos para mais de 70% da população mundial e produzem tais alimentos com menos de 25% dos recursos (água, terreno, combustíveis)”, reza o início da pesquisa. Pelo contrário, a cadeia agroindustrial “utiliza 75% dos recursos agrícolas mundiais, é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa e fornece alimentos para menos de 30% da população mundial”.

Ao longo do trabalho, são citados os dados de 232 pesquisas e publicações científicas, que constituem
a base documental dos argumentos do Grupo ETC. Nos dados monetários, fica claro que, por cada Dólar que os consumidores pagarem dentro da cadeia agroindustrial, a sociedade paga outros dois Dólares em danos ambientais e de saúde causados ​​pela mesma cadeia.

Ao referir-se à “cadeia de fornecimento de alimentos” fala-se das ligações que abrangem o percurso desde a produção até o que é consumido em casa: empresas de genética vegetal e animal, empresas de agro-óxido, medicina veterinária, máquinas agrícolas; transporte e armazenamento, processamento, embalagem, varejo e, finalmente, a entrega para lares ou restaurantes.

A pesquisa do grupo ETC aborda uma crítica sistémica:

Pelo menos 3.900 milhões de pessoas sofrem fome ou desnutrição porque a cadeia de abastecimento agroindustrial é muito complicada e dispendiosa e, após 70 anos, provou ser incapaz de alimentar o mundo.

Durante décadas, o simplicista tema de sociedade, cientistas do modelo transgénico, jornalistas e funcionários públicos é que a população mundial está a aumentar, portanto é necessária mais produção para alimentá-la. A pesquisa cita dezenas de trabalhos científicos que mostram a falácia por trás do discurso do agro-negócio. A verdade é que já existem alimentos suficientes para toda a população. O problema não é a produção, mas a distribuição. Que é injusta:

Num mundo cheio de comida, mais de metade dos habitantes não podem acessar os alimentos necessários. O mais trágico é que tanto em número como em percentagem, a proporção de pessoas subnutridas está a aumentar.

Em relação ao meio ambiente, há também grandes diferenças entre os dois modelos. O modelo camponês utiliza apenas 10% da energia fóssil e menos de 20% da água que requer a produção agrícola total, com “praticamente zero devastação de terras e florestas”. Enquanto isso, a cadeia agroindustrial destrói anualmente 75 mil milhões de toneladas de terras aráveis ​​e desmantela 7,5 milhões de hectares de floresta. Também é responsável por 90% do consumo de combustíveis fósseis utilizados na agricultura.

O modelo agroindustrial é o principal responsável pelo desperdício de alimentos. De acordo com o Grupo ETC, dos 4.000 milhões de toneladas de alimentos produzidos pela cadeia agroalimentar a cada ano, entre 33 e 50 por cento são desperdiçados ao longo das etapas de processamento, transporte e armazenamento. Entre os apoiantes deste modelo, existem empresas que também são grandes promotores e aliadas de órgãos de comunicação, universidades e governos. No mercado de sementes, com um volume de negócios de 41 mil milhões de Dólares, apenas três empresas (Monsanto, DuPont e Syngenta) controlam 55% do sector. O modelo agroindustrial depende das agro-toxinas e apenas três empresas (Syngenta, Basf e Bayer) controlam 51% deste mercado, um mercado de 63 mil

milhões de Dólares:

Uma vez que as sementes transgénicas foram introduzidas há 20 anos, houve mais de 200 aquisições de pequenas empresas produtoras de sementes e, se as mega-fusões corporativas actualmente negociadas terão bom êxito, apenas três empresas monopolizarão 60% do mercado de sementes e 71% do mercado dos agro-tóxicos.

A pesquisa garante que, com as políticas corretas, o modelo agrícola-ecológico poderia triplicar o emprego, reduzir substancialmente a pressão sobre as cidades (por causa das migrações), melhorar a qualidade nutricional dos alimentos e eliminar a fome.

Mas para que isso se torne realidade, é preciso um outro modelo.

Um “novo” modelo

A pesquisa reavalia as ações camponesas e indígenas. Lembra que os povos indígenas, por exemplo, descobriram, domesticaram, criaram e reproduziram cada uma das espécies comestíveis usadas hoje. O modelo da produção camponesa-indígena “sempre garante mais variedade e possibilidade de alimentar a população em todos os momentos, ao contrário da uniformidade imposta pela agroindústria para manter os seus lucros”.

A pesquisa destaca a necessidade de um modelo baseado na “soberania alimentar”, na qual as pessoas decidem o que e como produzir, e não as multinacionais da agricultura. Neste modelo, o cerne passa por camponeses, indígenas, pequenos produtores e alimentos saudáveis, sem transgénicos ou agro-tóxicos:

Apoiar a rede de agricultores é a única opção realista que temos de acabar com a fome e reduzir as mudanças climáticas.

Um novo modelo agrícola implica políticas públicas que promovam a reforma agrária; garantir o direito de armazenar, semear, trocar, vender e melhorar as sementes; eliminar os regulamentos que impedem o desenvolvimento dos mercados locais; reorientar as actividades públicas de pesquisa para que sejam lideradas por agricultores e respondam às suas necessidades; estabelecer comércio justo, estabelecer salários e condições de trabalho justas.

O que nós podemos fazer? Este blog há muito que indicou algumas simples medidas, que cada um de
nós pode implementar:

  • preferir sempre os produtos locais: ler a origem nos rótulos das embalagens
  • evitar o abastecimento em grandes superfícies
  • se não for possível utilizar aquela da torneira, escolher uma água produzida quanto mais perto da nossa residência
  • pegamos no carro e damos uma volta no Sábado de manhã: dá para descobrir pequenas quintas familiares onde comprar fruta, vegetais e até carne “a sério” (tragam os miúdos e a máquina fotográfica).
  • evitar produtos pré-confeccionados: ao menos nos fins de semana produzir a nossa comida
  • já agora: comprar um par de sacos de lona (ou material parecido) que possam ser utilizados muitas vezes.
  • para quem mora nas grandes cidades: apostar nas pequenas lojas de fruta e vegetais (inclusive as lojas chinesas!). Eles não têm acesso aos grandes mercados abastecedores dos supermercados e compram mais produtos frescos, quase sempre “no ponto” certo de maturação. Aparentemente pode sair mais caro; mas após ter poupado 30 cêntimos no supermercado e ter atirado para o lixo a fruta, onde fica a poupança?

Para acabar, aqui vai a pesquisa do Grupo ETC em formato Pdf: são umas 60 páginas em espanhol (mas entende-se perfeitamente bem, não sejam melgas!) cujo download é livre e gratuito. Podem também espalhar, não acontece nada de mal.

Download:

Ipse dixit.

Fonte: Grupo ETC

3 Replies to “¿Quién nos alimentará?”

  1. Adorei este post, mas não sei porque só agora ele entrou na minha telinha.
    Tudo certo, tudo corretíssimo do meu ponto de vista. Apenas algumas constata~ç~es pessoais:
    !. Pelo menos onde avista o meu conhecimento, quase toda produção da agro indústria vai para a pecuária do jeito infeliz que ela é feita hoje.
    2. Particularmente, e os comentaristas II sabem disso, tentei por 6 anos instaurar uma parcela de terra num espaço auto sustentado, alcançando as famílias próximas que desejassem participar da experiência na zona rural da pequena cidade onde optei viver. Aprendi muito, inclusive com os muitos erros que cometi…e a experiência morreu. O que interessa é relatar alguma coisa útil.Então…quem deseja o que desejei é gente intelectual urbana de mentalidade anárquica no sentido social da palavra e que, como eu, desconhece totalmente as formas domésticas da pequena criação e da pequena agricultura. Resultado: as pessoas que estiveram comigo nunca me consideraram uma igual e sim uma patroa. Mesmo que soubessem do trabalho do campo contentavam- se em seguir aquilo que me parecia mais correto.
    3. As pessoas da zona rural foram induzidas a pensar que progredir implica em trabalhar como escravos assalariados, apenas cumprindo ordens de segunda a sexta feiras e descansar sábados e domingos. Eu, e meu companheiro na ocasião, que tinha idéias muito parecidas com as minhas, nunca conseguimos alterar a mentalidade e o modos vivendi das pessoas que nos cercavam.Por fim ensinamos uma participante a ser livreira e manter o comércio com uma estante virtual por conta própria como ela desejava e oferecemos a uma menina uma infância comunitária.
    4. Não quero dizer que com uma organização normal capitalista e um certo cooperativismo, 18 famílias bem próximas de mim não tenham feito prosperar nestes 17 anos que aqui vivo a agricultura orgânica de primeira qualidade, onde me abasteço de frutas, verduras e legumes com o gosto e a suculência deles mesmos, ou seja, não envenenados, nem mumificados.

Obrigado por participar na discussão!

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