A sã censura da ONU

É preciso sinalizar um grave erro.

Um novo relatório da ONU acusa israel de ter estabelecido “um regime de apartheid que oprime e domina o povo Palestiniano no geral”. Mais: o relatório exorta os governos a “apoiar as actividades de boicote, desinvestimento e sanções” e “responder positivamente aos apelos destas iniciativas”.

Até aqui tudo correcto: israel aplica uma doutrina de cariz nazista em relação aos Palestinianos e o apartheid é um dos instrumentos utilizados. Então, onde está o erro? O erro consiste no facto deste documento ter sido apresentado ao público sem que antes pudesse intervir a censura da mesma ONU.
Vamos explicar.

O relatório

O relatório foi encomendado e publicado pela Comissão Económica e Social das Nações Unidas para a Ásia Ocidental (ESCWA) e publicado em Beirute. Foi escrito por dois críticos de práticas israelitas: Virginia Tilley, professora de ciência política na Southern Illinois
University, e Richard Falk, o ex-relator especial das Nações Unidas
sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinianos e
professor emérito de Direito Internacional na Universidade de Princeton.

O
relatório afirma que israel é “culpado de políticas e práticas que
constituem o crime de apartheid” e que “o consenso dos especialistas é
que a proibição do apartheid é universalmente aplicável e não
desapareceu por causa do colapso do apartheid na África do Sul “.
O apartheid ” é um crime contra a humanidade como ao abrigo do Direito Internacional e do Estatuto do Tribunal Penal Internacional de Roma”.

O
documento é uma ”análise detalhada da legislação, políticas e
práticas de israel” que destaca como o País “actua um regime de
apartheid” incluindo através da sua “engenharia demográfica”.
Os cidadãos palestinianos de israel são descritos como “sujeitos à opressão com base no seu não-judaísmo”.

Da
mesma forma, os Palestinianos de Jerusalém Oriental sentem “discriminação
no acesso à educação, saúde, emprego, residência e direitos de
construção”, e sujeitos a “despejos e demolição forçada de casas”. Os Palestinianos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza são governados pela “lei
militar” ao lado dos colonos judeus “governados pelo direito civil israelita”.

Refugiados palestinianos e exilados são “proibidos de
voltar para casa em israel e no território palestiniano ocupado” porque
constituem uma “ameaça demográfica” e o seu regresso “modifica o carácter
demográfico de israel”.

O relatório recomenda que as Nacções Unidas e os seus Estados membros apoiem a campanha BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e “revitalizem a
Comissão Especial contra o Apartheid e o Centro das Nações Unidas
contra o Apartheid (que existiu de 1976 a 1991)”, com missão “vinculativa para produzir um relatório sobre as práticas israelitas e
as políticas relacionadas com o crime de apartheid”.

O relatório também
sugere que uma opinião consultiva deve ser solicitada ao Tribunal
Internacional de Justiça “para saber se o meio utilizado por israel para
manter o controle sobre o povo palestiniano constitua o crime de
apartheid”.

A censura é boa e preserva o bom humor

Até aqui o relatório, já comentado por vários especialistas.

John Reynolds, professor de Direito na Universidade Nacional da Irlanda, Maynooth, disse à Al Jazeera que o relatório “abre novas perspectivas em examinar a situaçãodna Palestina pelas Nações Unidas”. David Keane, professor associado de Direito na Universidade de
Middlesex, disse que o novo relatório difere dos seus antecessores sobre a
questão porque “suporta expressamente o rótulo do apartheid”.

Nadia Hijab, diretor executivo da Al-Shabaka (a rede política palestiniana), declarou à Al Jazeera que “para os palestinianos e os seus aliados, o relatório ajuda a fornecer uma sólida base para as suas iniciativas.

Óbvio: as pessoas vão, observam e depois publicam o que analisaram. Mas não é assim que se faz porque se todos fizessem o mesmo neste mundo não haveria hipocrisia e o divertimento acabaria. Exemplo prático: eis o que declarou o embaixador sionista na ONU, Danny Danon, acerca do relatório:

Uma tentativa de manchar e falsamente rotular a única verdadeira
democracia no Médio Oriente Médio, criando uma falsa analogia, é desprezível e
constitui uma mentira descarada. É hora de pôr um fim à prática na qual na ONU os funcionários usam as suas posições para avançar com a sua agenda anti-israel.

Visto? Como é possível não rir perante uma pessoa que descreve israel qual “a única e verdadeira democracia no Médio Oriente”? Uma “agenda anti-israel” na ONU?!? Isso é simplesmente hilariante e não pode acabar só porque agora alguém decidiu dizer a verdade. Haja pachorra!

Bem fez, portanto, o porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, ao afirmar que o relatório foi lançado sem prévia consulta com o
Secretariado das Nações Unidas (eis a sã censura) e que as opiniões dele não reflectem as do
Secretário-Geral.

Para já o relatório desapareceu das páginas da ESCWA, a agência das Nações Unidas que tinha encomendado o trabalho. Depois, o secretário da mesma ESCWA, o diplomata jordano Rima Khalaf que tinha defendido o relatório, foi obrigado a apresentar as demissões. E algo sugere que este dois relatores, Virginia Tilley e Richard Falk, não voltarão a trabalhar pela ONU ao longo das próximas 8 ou 9 décadas.

Agora sim que tudo voltou à normalidade.

Ipse dixit.

Fonte: Al Jazeera, The New York Times

2 Replies to “A sã censura da ONU”

  1. Israel sempre me aparece como o protótipo perfeito de uma democracia contemporânea: usa o território que não é seu, abusa dos territórios vizinhos e afirma ser proteção da segurança nacional e defesa. Tem uma população de nacionais que não são nacionais por todo lado semeando rapina para si. Tem outra população em território só para dizer que ali tem um país. Mantém aquela população dali sob férrea ditadura militar e Estado policial. Tem razão quem afirma que é uma democracia e tanto…serve de exemplo

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: