É verdade: a permanência de Barack Obama na Casa Branca está a concluir-se na pior das maneiras.
Já nem se fala em Guantanamo (fecha? Não fecha? Era uma das promessas eleitorais), agora o que está em jogo é o desligamento do Oriente Médio e da Europa para uma maior foco no Pacífico.
A ideia era cercar a China, limitar a expansão de Pequim, meta estratégica declarada desde 2011, formar um cordão de contenção, assim como tinha feito o império britânico com a Alemanha nos tempos idos. Para a implementar este plano, Washington contava com os habituais aliados anglo-saxões (Austrália e Nova Zelândia), os tradicionais parceiros do Pacífico (Japão, Coreia do Sul e Filipinas) e algumas novas aquisições de lealdade duvidosa, entre os quais Vietnam e Birmânia.
O projecto já avançava com dificuldade durante anos, pois Washington não conseguia livrar-se do Médio Oriente (doutro lado, quando se escolhem como aliados dois Países como israel e Arábia Saudita…), mas em Fevereiro 2016 Obama consegue uma vitória; a assinatura da Trans-Pacific Partnership, a zona de livre comércio entre alguns de Países asiáticos em detrimento da China. Participam Japão, Austrália, Brunei, Malásia, Nova Zelândia, Singapura e Vietname. Não propriamente um triunfo mas um passo na direcção traçada.
Nem passam três meses e eis o colapso da arquitetura tão meticulosamente construída: em Maio de 2016 nas Filipinas é eleito Rodrigo Duterte qual novo Presidente do País. Uma surpresa, que retira o arquipélago da órbita de Washington e atira-o para os braços da República Popular da China.
Entre Estados Unidos e Filipinas sempre houve um relacionamento conturbado: o País asiático tem sido a única colónia oficial de Washington (aqueles não-oficiais nem se contam), conquistado após a Guerra Hispano-Americana de 1898. E não foi uma conquista pacífica: ainda hoje Wikipedia versão inglesa fala de 200.000–250.000 mortos entre os civis, mostly from disease (“a maior parte por doença”), quando na verdade as vítimas não militares filipinas constituíram um número que pode chegar até ao milhão e meio. Só entre os muçulmanos, as vítimas foram 600.000 mil.
Ferdinand Marcos |
Recuperado um simulacro de independência em 1946, as Filipinas viram o estabelecimento de
“presidentes vitalícios” abençoados pelos EUA: é o caso de Ferdinand Marcos, que governou sem oposição entre 1965 e 1986. Durante a ditadura de Marcos nasceu o pequeno círculo de oligarcas que mantiveram o poder ao longo de décadas, mesmo com o advento da “democracia”.
Aqui, entra em cena o partido liberal: é este que recebe as directrizes de Washington, é sempre este que em 2010 introduz o herdeiro de Marcos, Benigno Aquino III (filho do
presidente Corazón Aquino, que governou as Filipinas entre 1986 e 1992),
outro dócil instrumento nas mãos dos americanos: quando a prioridade de
Washington torna-se a contenção da China nos mares do Sudeste Asiático,
é fácil convencer o presidente das Filipinas a arrastar Pequim perante o
Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia de Arbitragem por causa duma
disputa sobre alguns recifes desabitados (simples bancos de areia sem
nenhum recurso, cujo nome é Scarborough Shoal; obviamente o Tribunal deu razão às Filipinas, caso houvesse dúvidas…).
Sob o presidente Aquino, as Filipinas são transformadas num posto avançado dos EUA em chave anti-chinês: o acordo militar assinado em 2014 fornece acesso total às instalações militares de Manila e a livre implantação de tropas.
Corazón Aquino |
É neste quadro de subserviência total a Washington e inação política que emerge o “populista” Rodrigo Duterte: 71 anos, várias vezes prefeito da cidade de Davao, membro do partido democrático das Filipinas, o candidato proclama-se socialista (e, com o efeito, coopta os comunistas no governo, acabando a revolta de baixa intensidade em algumas partes do País) mas com fortes tiques nacionalistas. Uma espécie de peronista em molho asiático.
Duterte interpreta a campanha presidencial como luta contra o crime, o tráfico de drogas e uma política económica injusta. Para Duterte é um sucesso: com 39% dos votos ganha as eleições no passado dia 9 de Maio.
A eleição de Duterte agita o equilíbrio regional: pela primeira vez, sentado em Manila há um candidato que não pertencem ao grupo exclusivo dos Marcos e dos Aquino, e que não aceita que as Filipinas sejam apenas um bastião americano em chave anti-chinês: o “populista” Duterte percebe que o equilíbrio mundo estão a mudar rapidamente. Por qual razão tanto veneno com a China por causa dum atol de areia quando Pequim, ao contrário de Washington, pode investir bilhões de Dólares em infra-estruturas e as empresas? O projecto norte-americano estremece.
Breve nota: aproximadamente 5% da população é muçulmana e desde os anos ´70, a zona Sul do País é palco duma guerrilha de baixa intensidade entre as forças de Manila e os muçulmanos separatistas. Em outras palavras: as Filipinas, tal como a Tchechênia, a Nigéria ou a Índia, são uma zona onde os anglo-americanos podem activar o terrorismo islâmico caso isso se torne necessário.
E adivinhem? Em Junho, após um mês desde a eleição de Duterte, a agência Reuters escreve que ISIS escolheu o seu chefe nas Filipinas, tal Abu Abdullah, o qual deu ordem para não ir até a Síria mas intensificar as actividades no País. E não podia faltar o SITE da sionista Rita Katz, cuja sentencia é: as Filipinas estão na mira do Califado Islâmico. Que podemos tranquilamente ler como CIA+Mossad+MI6.
Rodrigo Duterte |
Mas por qual razão o ISIS, que na Síria leva um estalo após outro, deveria desperdiçar forças num País do outro lado do planeta? Simples: Duterte não perdeu tempo e voou até Pequim para o grande salto de Manila fora da órbita americana.
Pequim deu luz verde para construir a ferrovia Manila-Clark em 2 anos, a República Popular está pronta para investimentos bilionários no sector ferroviário das Filipinas, infra-estruturas das quais precisa Manila como o oxigénio para suportar o crescimento económico. A contrapartida? Maior flexibilidade no que diz respeito às ilhas em disputa: em essência, Pequim convida as Filipinas a pensar mais à carteira e menos aos interesses americanos.
As relações entre os Estados Unidos e Rodrigo Duterte então deterioram-se rapidamente: em 5 de Agosto, diante duma plateia de militares, o Presidente insulta pesadamente o embaixador dos EUA.
No dia 1 de Setembro é preso um traficante de armas, activo entre as Filipinas e os Estados Unidos, o
que revela a preparação dum ataque para eliminar Duterte. no dia seguinte uma bomba explode no mercado de Davao, cidade da qual Duterte tem prefeito durante anos, provocando 14 mortos. Obviamente, a reivindicação é feita por parte dum grupo islâmico aliado do ISIS. Já no dia 5 de Agosto, durante a Cimeira da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), Duterte tinha lançado um ataque frontal aos EUA (“Obama, filho da puta, vou te pegar” tinha diplomaticamente afirmado Duterte), tendo como base as críticas dos americanos à luta filipina contra o tráfico de drogas. A reunião bilateral entre os dois, planeada à margem da cimeira, foi cancelada.
Mas paremos um segundo: “críticas dos americanos à luta filipina contra o tráfico de drogas”? O que significa isso? Os Estados Unidos deveriam também lutar sem piedade contra os traficantes, justo? Bom… Quase justo. Ou talvez: errado. Mas este será o assunto da segunda parte do artigo.
Ipse dixit.
Fontes: todas na segunda e última parte do artigo.
Ainda bem que este blog voltou à actividade! Gosto dos artigos que escreve!
Se for realmente assim como tem sido noticiado, ora aqui esta um Homem com um valente par de tomates.
Aguardo a segunda parte.
Nuno
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