Glifosato é cool & trendy

Boa notícia: o herbicida glifosato já não é cancerígeno.

Era cancerígeno até meados do mês passado, mas desde então as coisas mudaram drasticamente. De “provável cancerígeno” para “improvável cancerígeno”.

Quem é que descobriu isso? A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas, através da sua organização para Alimentação e Agricultura (FAO). Estas duas entidades globais, que nem fecham os olhos para alcançar o bem da humanidade, uniram as suas imensas forças: formaram um comité científico conjunto, o Joint Meeting on Pesticides Residues (JMPR). E foi mesmo este que revelou ao Mundo a grande descoberta: é “improvável o risco carcinogénico para os seres humanos através da exposição com a dieta”.

Isto contradiz diametralmente o anterior trabalho do Centro Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC), que em 2015 tinha classificado o glifosato como um “provável agente cancerígeno. Mas este IARC depende apenas da OMS: unidas as forças com a FAO, os especialistas viram a luz. Então o estudo do IARC foi um erro? Nada disso: os dois estudos são “diferentes mas complementares” como realça o JMPR. E “o IARC está a rever os estudos publicados”, mas “não avalia os riscos que correm as pessoas associadas à exposição ao risco”.

Não é simples entender como o IARC possa ter definido “provável” o risco cancerígeno do glifosato sem avaliar o risco cancerígeno das pessoas expostas, mas estas são subtilezas que ultrapassam o pensamento das pessoas incultas. O que interessa é que agora temos a palavra final da qual ninguém pode duvidar.  

E como duvidar? O JMPR explica isso com uma parábola: compara o glifosato à exposição aos raios ultravioletas. Classificada como cancerígena, na verdade a exposição da população aos ultravioletas do sol não apresenta um risco carcinogénico. E nós caímos de joelhos perante uma tal explicação: esta não é fé, são factos.

Ainda dúvidas? Não, há mas é erros.
Por exemplo: na Argentina, a País maior produtor de soja geneticamente modificada (alterada na maior parte dos casos com o glifosato da Monsanto, vendido com a denominação comercial de Roundup), uma organização chamada Physicians Network of Sprayed Towns (“Rede de Médicos em Localidades Polvilhadas”) mantém o controle da incidência do câncer.

O coordenador da organização, o pediatra Medardo Ávila-Vázquez, professor da Universidade Nacional de Córdoba, em Fevereiro de 2015 informou que a mortalidade por câncer nessas áreas é 30% contra uma média nacional de 20%. E põe o aumento das mortes desde 2000 em relação directa com a “expansão do glifosato e dos agroquímicos maciçamente aplicados nas áreas”. De facto, os agricultores de todo o continente americano já não se limitam à utilização do glifosato para incinerar ervas daninhas nas fases iniciais do crescimento: costumam polvilha-lo em abundância também poucos dias antes da colheita, pois facilita a operação queimando os caules da soja (!!!).

Como interpretar estes dados? Simples: como um erro. Ou, no limite, como dados complementares, obviamente viciados por alguns defeitos na metodologia. Nem pode ser excluída uma conspiração, com pessoas dispostas a suicidar-se para tramar a maior produtora de glifosato, a Monsanto.

Actualmente a utilização do glifosato é proibida em alguns Países europeus (não em Portugal, obviamente) não apenas por causa da suspeita de provocar o câncer, mas também pelo facto da substância ser causa toda uma série de problemas de saúde quais doença renal, defeitos congénitos e doença celíaca. Isso sem falar da hecatombe das abelhas. Mas as coisas irão mudar.

O novo estudo da OMS/FAO dá razão à Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA), que em Novembro de 2015 definiu o glifosato como provavelmente não cancerigeno (“unlikely to pose a carcinogenic hazard to humans“). Imediatamente, a CDU, o partido da simpática Angela Merkel, tem exigido a adopção do glifosato, solução que “leva em conta os interesses da agricultura” como diz Peter Tauber, secretário-geral do partido.

Tauber que também ameaçou o SPD, o Partido Social-Democrata, das cujas fileiras sai o actual Ministro do Meio Ambiente, Barbara Hendricks, contrária ao uso do herbicida: Tauber intimou o Ministro de “não explorar eleitoralmente o tema do herbicida, porque isso se tornaria populismo”. O final? O SPD concordou em definir o Roundup inofensivo e nos próximos dias o Comité Europeu Permanente decidirá sobre o assunto: certamente serão convencidos da segurança do Roundup. O populismo foi novamente derrotado.

Populismo. É este que está na base da cegueira que ameaça estragar a agricultura mundial. Foi um súbito ataque de populismo que convenceu Vladimir Putin a proibir (há muito) o uso de glifosato no seu território e glifosato e por outros herbicidas. Mas já sabemos como é Presidente russo, inimigo impenitente da Democracia e insensível perante os valores ocidentais.

Pelo contrário, a Organização Mundial de Saúde é a mais alta expressão dos nossos valores: com sede Genebra, foi criada para vigiar a saúde de toda a raça humana.
Lembramos: em 2009, foi a OMS que deu o alarme ao mundo inteiro porque a
gripe suína ameaçava exterminar os homens.

Até declarou o estado de
pandemia, condição legal que, de acordo com as normas internacionais,
obrigou todos os Estados a comprar vacinas e medicamentos para impedir o
aparecimento da doença em adultos e crianças. Ninguém tinha ouvido
antes falar da gripe suína ou dos fármacos relacionados mas, nossa
sorte, a Roche tinha acabado de inventar o chamando em Tamiflu e a GlaxoSmithKline tinha descoberto o Relenza. Resultado: 424 milhões de Libras gastas no Reino Unido, 1.3 biliões de Dólares nos EUA, cofres de Roche e Glaxo cheios, mas gripe derrotada, a OMS tinha salvo todos.

Só como pormenor: uma vez passada a “pandemia”, os dois fármacos foram analisados por laboratórios independentes (Cochrane Collaboration) e o resultado foi que tanto o Tamiflu quanto o Relenza tinham as mesmas propriedades medicamentosas dum copo de água ou ainda menos. Mas isso interessa? Afinal a OMS tinha salvo o planeta.

Sete anos depois, a OMS tem que salvar a raça humana outra vez, agora
ameaçada pelo populismo que arrisca destruir as nossas colheitas. Com a insubstituível ajuda da FAO, da União Europeia e da simpática Angela Merkel (podemos chama-la “A Liga dos Justos”?) estabeleceu que o Roundup é “provavelmente” não cancerígeno. E pode ser utilizado com alegria, porque os raios ultravioletas não provocam câncer.

Ipse dixit.

Relacionados:
O glifosato, provavelmente.
A Monsanto mata (e os OGM não crescem)
Alarme Portugal: a Monsanto mata 

Fontes: Joint FAO/WHO Meeting on Pesticide Residues 9-13 May Summary Report (ficheiro Pdf, inglês), Cochrane: Vacinas para prevenção de influenza em adultos saudáveis, Cochrane: Neuraminidase inhibitors for preventing and treating influenza in adults and children, Cochrane: Neuraminidase inhibitors for preventing and treating influenza in adults and children, Institute of Science Society: Declaration of Physicians in Crop-sprayed Towns in Argentina at 3rd National Congress, Institute of Science Society: Devastating Impacts of Glyphosate Use with GMO Seeds in Argentina, Report from the 1st National Meeting of Physicians in the Crop – Sprayed Tonws (ficheiro Pdf, inglês), NCBI: Effects of field-realistic doses of glyphosate on honeybee appetitive behaviour, NBC News: NRDC Sues EPA Over Demise of Monarch Butterfly Population

13 Replies to “Glifosato é cool & trendy”

  1. Eu ás vezes dou comigo a disparatar comigo próprio. Isto é, como se tivesse um lado bom e outro mau. Como o Gollum, dos Senhor dos aneis.
    Sabemos aqui, porque nos preocupamos em saber, que o Glifosato é cancerígeno, que mata tudo onde cai, desde plantas à microbiologia dos solos, insectos, etc.
    Sabemos também, que o planeta está entregue nas mãos de criminosos da pior espécie. Reparem que este é um dos meus lados a falar. Aquele lado que eu penso ser o bom.
    Por outro lado, sabemos também que os portugueses nunca se irão manisfestar no Marquês de Pombal contra o Glifosato por este lhes causar cancro. Nem os brasileiros sairão para a Avenida Paulista pelo mesmo motivo.
    Isto significa que, tanto os portugueses, brasileiros, americanos ou outros quaisquer, estão-se a cagar literalmente para a sua saúde. Mas, se fosse a saúde de uma grande vedeta televisiva, até acendiam velas.
    Então o meu outro lado, aquele que eu penso ser o mau, diz-me que as 'ditas' elites se calhar estão certas. O gado deve ser tratado com tal, com o respeito que merece, ou seja, nenhum.
    Se lhes causar cancro, vende-se o tratamento e pronto.
    Se morrer, enterra-se.

    abraço
    Krowler

    1. Pois Krowler, pois.

      Apesar de ser contra a minha natureza, cada vez mais começo a pensar que afinal o que temos é exactamente o que merecemos.

      Pior: se calhar o homem é mesmo um animal social, que precisa duma manada, como certas teorias afirmam. O que estas teorias esquecem de dizer é que na manada há sempre um chefe que, olhem só, não é eleito democraticamente mas toma o poder com a força.

      A nossa condição é esta: um grupo, que definimos elite, tomou o poder e o mantém com meios criminosos. Qual a nossa resposta? Basicamente zero. Nem se nos obrigarem a comer cancerígenos reagimos. Isso dá de que pensar.

      Talvez seja melhor não tentar defender alguns valores que achamos ser nossos, mas começar a procurar provas de que estes valores existam e não passem apenas duma ilusão para não ter que admitir a realidade das coisas. E a realidade é bastante triste: a esmagadora maioria das pessoas não quer saber. De nada. Não é apenas falta de informação, é desinteresses.

      Sim, podemos tentar justificar, as notícias não são divulgadas, a verdade é escondida, os media estão nas mãos de poucos e controlados, o povo é inocente e blah blah blah. Ok, tudo verdadeiro mas… Mas como é possível permanecer imóveis quando é claro (mesmo com os media de regime!) que somos governados por escumalha?

      Pega no Brasil: houve um golpe? Quanto saíram à rua? 1 milhão? 2, 3, 10, 20 milhões? Duvido que tenham sido 20 milhões, mas mesmo que fossem: e os outros? Os media? Mas são precisos os media para fazer funcionar o cérebro?

      O novo Presidente do País é Temer, figura divertida que está envolvida (como acusado) nas investigações Castelo de Areia, Lava Jato, Porto de Santos mais outros pormenorezinhos. Foi também informador da CIA (https://wikileaks.org/plusd/cables/06SAOPAULO30_a.html#efmAJZAKWAKfAK-ARrASHAS1ATbCf0Cf9CgLCgZDOLDOVDWDDX7EGjEHl). Na prática,a única coisa boa que tem Temer é a esposa Marcela, ex modelo.
      Tudo isso é matéria "escondida"? Não, não é: os diários falam disso, Wikipédia fala disso, internet fala disso.

      Mas quantos no Brasil se mexem? Falamos dum País de 204 milhões de habitantes: mesmo que 10 milhões saiam para as ruas, não deixa de ser insignificante.

      E não é apenas no Brasil, como é claro. Em Italia há um Primeiro Ministro (um autêntico idiota mas esperto) que ninguém elegeu: e está tudo bem. Em Portugal ganhou o Benfica, agora começa o Verão, pelo que está tudo bem. E seria possível continuar.

      Falta de informação? Não, é falta mas de interesse. Porque a manada tem as suas chefias e então o povo-boi está satisfeito.

      É triste mas começo a pensar assim.

      Grande abraçoooooooo!!!!!

  2. Caro Max, querido Krowler; estou concordando com ambos 1000%.
    Quanto a mim, no aspecto veneno nosso de cada dia, já entreguei os pontos. A favela tem razão quando diz: "tá tudo dominado". E está, nada a fazer a não ser comer alface aqui de casa, enquanto eu tiver onde plantar, e uma forcinha extra para plantar. Grande abraço para ambos. Quando desejarem comer alface aqui de casa é só atravessar o Atlântico. Vai sobrar da minha alface porque o pessoal tá pouco ligando se está ou não está envenenada.

  3. Maria,
    Muito obrigado pelo convite. Odoraria ir mas por motivos mais turísticos porque, ontem por coincidência, comi a primeira alface da minha nova horta, e descobri uma coisa extraordinária, tinha um sabor fantástico e conseguiu crescer sem aplicação de Glifosato ou outra porcaria qualquer. Aliás, só teve água e mais nada.

    abraço
    Krowler

  4. O mal é que muitos já começam a pensar que os alimentos nascem no supermercado, esquecendo que AINDA existe em quase todas as localidades, um lugar chamado Mercado Municipal, onde estão expostos produtos provenientes de pequenos agricultores. Produtos da época, e com o sabor a ALIMENTO.

  5. Coentros, Poejos, Salsa, Alfaces e Couves.
    Tudo cultivado no quintal, sem a utilização de químicos.
    Para o ano vou ter laranjas, limões, pêras e pessêgos das àrvores que plantei este ano.
    Novamente, sem químicos, apenas água e terra boa com estrume de cavalo.

    A mudança não pode ser apenas falada, tem de ser efectivada na pratica.

    Acerca de desistir, que é o que os vossos comentários traduzem, recuso-me em absoluto!

    Sim, às vezes tenho vontade de dizer que as pessoas tem o que merecem, mas normalmente passa-me depressa. ehe

  6. Bandido,
    Vais ter laranjas e limões, isso é o que vamos ver.
    Eu plantei laranjeiras, clementinas e uma tanjerineira há 3 anos e se quiser laranjas, limões e afins, tenho de ir comprar. lol
    Também tenho lá duas cerejeiras carregadas de flor, mas os melros e os tordos normalmente têm uma concepção muito própria do conceito da divisão de cerejas. Tudo para eles e nada para mim.
    Abrí um tópico no forum sobre Agricultura Sintrópica para se trocarem umas impressões.
    Era para abrir outro sobre agricultua biológica mas hoje já estou a exegerar um bocado.

    abraço
    Krowler

  7. Essa metáfora da radiação ultravioleta foi bem pensada. Como nem todos sabem, a radiação UV, foi desde sempre um temor induzido na população pelos dermatologistas. Contudo, a ciência veio demonstrar que apesar da radiação UVA ser altamente prejudicial (envelhecimento celular e melanomas malignos) não é comparável aos benefícios que a exposição moderada à radiação UVB origina. Entre eles, a produção de vitamamina D, uma vitamina que é amplamente reconhecida como preventiva do cancro. Isto é, em caso de exposição moderada à luz solar, o beneficio compensa o risco.

    Quanto a esta estória do glifosato, é como dizer que como água causa afogamentos, deveria ser abolida da dieta…

    A dose faz o veneno, e se os estudos dizem que a exposição na dieta não é passível de provocar cancro. Prefiro, este químico bem estudado e regulamentado, do que outros que não o foram. Contudo, não acho que a possível causalidade de cancro, deveria ser o principal factor para a provação deste herbicida, mas sim os seus efeitos ao nível dos ecossistemas, fauna e flora…

    Phi

  8. http://www.jornaldenegocios.pt/mercados/bolsa/detalhe/monsanto_recebeu_oferta_de_compra_da_bayer.html

    Negócios como de costume
    Nuno

    Ps: Em relação á Marcela a irmã é interessante:http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL1675086-9798,00-IRMA+DE+MARCELA+TEMER+POSA+SEMINUA+EM+PREVIA+DE+SEU+ENSAIO+PARA+A+PLAYBOY.html
    Será que é recatada dona de familia?

    quer comentários disto no ZH? LOL link->
    http://www.zerohedge.com/news/2016-05-12/following-rousseffs-coup-brazils-problems-are-only-just-starting

  9. Pessoal!! Não é o otimismo ou o pessimismo que fará a mente trabalhar, mais ou menos, e sim o querer buscar algo além da caverna de Platão…abraço…

Obrigado por participar na discussão!

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