Peter Sunde: internet falhou

Peter Sunde é um informático norueguês, melhor conhecido por ser um dos fundadores de The Pirate Bay.

Podemos ter várias opiniões acerca deste site de torrent, mas Sunde não é simplesmente “um gajo que permitiu descarregar filmes”: é uma pessoa activa no mundo da internet e da sociedade, tendo até participado na fundação dum partido político na Suécia (Piratpartiet).

Por isso é interessante entender qual o seu ponto de vista acerca da internet, o presente, o futuro, os seus limites. É esta a ocasião fornecida pelo magazine Motherboard.

Desisto

Peter: Hoje a internet é uma merda. É um projecto fracassado. Provavelmente sempre foi assim, mas agora mais do que nunca falhou. 

Motherboard: Peter, penseava em perguntar como iam as coisas, mas parece claro que não seja o caso.

Não, não consigo encontrar nada bom neste momento. As pessoas ficam satisfeitas muito facilmente. Por exemplo, pega na neutralidade da internet na Europa. É terrível, mas as pessoas estão a dizer que “poderia ser pior.” É absolutamente a maneira errada de lidar com isso. Facebook
está a trazer internet para a África e em outras Nações pobres, mas fá-lo
limitando o acesso aos seus serviços e ganha dinheiro com os dados daquelas pessoas. E faz isso com a permissão dos governos. A Finlândia há algum tempo tornou o acesso à internet um direito humano. Acção inteligente, a única que fazer acerca de internet em qualquer País do mundo.

M: Então, quanto está mal a open internet, a internet aberta

Não temos uma internet aberta. Nós a não temos já há algum tempo. É um pouco difícil falar sobre a internet aberta considerando que não existe mais. O problema é que ninguém está a fazer algo para mudar as coisas. Estamos a perder cada vez mais direitos e privilégios, dia após dia. Nós não estamos a ganhar nada, em nenhuma circunstâncias.

A
tendência é clara: internet é cada vez mais fechada e controlada, e
isso tem um impacto enorme na nossa sociedade. As duas coisas, na verdade,
coincidem: uma internet opressiva corresponde a uma sociedade
opressiva. É algo sobre o qual devemos refletir. Continuamos
a pensar na internet como um novo Far Oeste e não conseguimos ainda
conectar logicamente os eventos que acontecem: não prestamos atenção nas questões que dizem respeito à rede, porque acreditamos que tudo
vai ficar bem de qualquer maneira. Não funciona assim.

Nenhum
sistema na história alguma vez viu tanta centralização, desigualdade
extrema e uma tendência ao capitalismo. O problema é que, graças ao
trabalho de marketing de pessoas como Mark Zuckerberg e empresas como
Google, acreditamos que esta tendência seja necessária para a criação de
uma rede aberta e com difusão democrática. Achamos que o inimigo está nos fazer um favor, é muito bizarro.

M: Achas que muitas pessoas não prestam atenção nas políticas da internet porque não a consideram um lugar real?

Certamente
muitos de nós cresceram a pensar duma determinada maneira sobre a
importância de conceitos como linhas de telefone ou televisão. Então,
se começarmos a tratar as nossas linhas telefónicas e os nossos canais de
televisão como internet, talvez pudéssemos finalmente mover algo nas
mentes das pessoas. Se alguém te dissesse que não podes chamar um amigo, bom, irias entender que algo de errado está a acontecer. Entenderias os teus direitos.

As pessoas não fazem a mesma coisa, no entanto, com internet. Se alguém te disser que não podes usar Skype por uma razão e por outra, não tomas isso no pessoal. Skype é um conceito virtual, não a consideras como um ataque dirigido contra a tua liberdade. Não
vês ninguém que te espia, não vês ninguém que censura as tuas palavras, não vês ninguém que exclui os resultados da busca no Google. Acho que o maior problema é ser capaz de atrair a atenção. Não vês os problemas reais e, portanto, não perceberes uma conexão real com eles. Eu preferiria não importar-me disso. É
muito difícil informar-se activamente sobre a questão sem se tornar um paranoico conspiracionista, o que ninguém quer ser, então preferimos
desistir. Eu acho que esse é o raciocínio da maioria das pessoas.

M: Acerca do que, especificamente, desististe?

Bom, não acho que poderíamos vencer esta batalha para a internet. Isso não vai mudar, simplesmente porque parece ser um problema que as pessoas não estão interessadas ​​em resolver. Talvez não conseguimos interessa-las o suficiente. Talvez sejam todas essas coisas, mas é o tipo de situação em que estamos, então parece inútil. Estamos a ficar parecidos com o Cavaleiro Negro do Santo Graal dos Monty Python. Estamos meio mortos e continuamos a lutar, pensando que ainda é possível ganhar.

M: O que as pessoas podem fazer para mudar esta situação?

Nada.

M: Nada?

Não, acho que chegámos a este ponto. Acho que é muito importante que as pessoas entendam isso. Nós perdemos essa batalha. Temos de admitir a derrota e certificar-se de que vocês entenderam o porquê, para que da próxima vez não vai acontecer, quando será tentado novamente ganhar uma guerra.

M: Percebi, então para o que está a ser travada esta guerra e o que podemos fazer para ganha-la?

Acho que para ganhar a guerra, devemos primeiro entender o que ela for. É claro para mim que esta é uma questão ideológica: o
extremo capitalismo dominante, a extrema tendência para lobbyzar
as estruturas e a centralização do poder. Internet é apenas uma peça de um quebra-cabeça muito maior. Também precisamos aprimorar as nossas habilidades quando se trata de
activismo, temos que ser bons no momento certo e conseguir a atenção dos media: não
fomos capazes de fazê-lo.

Por exemplo, parámos o ACTA, mas depois rapidamente reapareceu com outro nome. Acontecido isso, já tínhamos gasto toda a nossa energia. A razão pela qual o objectivo maior é o mundo real, para mim, é que internet representa-o. Estamos a tentar recriar a sociedade capitalista em que vivemos na internet e internet sobrevive graças a esse impulso. Temos sempre visto internet como uma ferramenta que pode conectar o mundo, mas com um programa político de molde capitalista.

Olha para todas as maiores empresas do mundo, baseiam o seu trabalho na internet. Olha para o que eles estão a vender: nada. O Facebook não tem um produto. Airbnb, a maior cadeia de hotéis do mundo, não tem hotéis. Uber, a maior empresa de táxi do mundo, não tem táxi. 

O número de funcionários dessas empresas é mais baixo do que nunca, mas os lucros são, pelo contrário, cada vez mais alto. Apple e Google estão a ultrapassar as companhias de petróleo. Minecraft foi vendido por 2,6 bilhões de Dólares e WhatsApp para algo como 19 bilhões. São montantes absurdos. É por isso que internet e o capitalismo estão tão estreitamente ligados.

M: Tu dizes que internet é um projecto fracassado, e que sempre o foi. O que queres dizer? Temos que culpar o capitalismo para este extremismo?

Bom, a questão é que internet é estúpida. Funciona de uma forma muito simples e não precisa de grandes regulamentos em matéria de censura. Se um cabo falhar, o tráfego é desviado para outros lugares. Mas com a centralização de internet, as (possíveis) técnicas de censura e vigilância são mais difíceis de contornar. Também porque internet foi inventada nos Estados Unidos, e eles têm mais controle. ICANN pode efectivamente censurar ou desconectar os domínios de nível superior de qualquer Estado.

 Para mim, este é um projecto fracassado. Mas também sempre foi, porque sempre houve quem dissesse que nada estava errado. Mas acho que isso está errado. Melhor
deixar as coisas acontecerem mais rapidamente possível e certificar-se de que não voltem a acontecer
no futuro. Estamos apenas a adiar um fracasso certo, e isso não ajuda.

M: Assim, devemos deixar que o sistema colapse sobre si mesmo, destruindo-se e, finalmente, recolher as cinzas?

Sim, devemos nos concentrar na guerra contra o capitalismo extremo. […] Sim, sou um socialista. Conheço Marx. Ok,
o comunismo nunca funcionou antes, mas acho que no futuro teremos a
oportunidade de chegar a um comunismo total e as mesma capacidades económicas. Muitas pessoas que eu conheço, não importa se capitalistas ou comunistas, concordam comigo neste ponto, porque entendem o potencial.

M: Portanto, há algo concreto para o qual devemos prestar atenção? Ou devemos pensar de forma abstrata para uma nova ideologia revolucionária? 

Bom, devemos ter em mente que internet coincide com a sociedade. As pessoas devem entender que não é uma boa ideia ter todos os arquivos e dados no Google, Facebook e nos outros servidores privados. Todas essas coisas precisam de adquirir relevância política. Temos
de parar de pensar na internet como se fosse uma realidade separada e
começar a nos concentrar em como gostaríamos que fosse a nossa sociedade. Devemos reparar o mundo antes de reparar internet. Isto é tudo.

Ipse dixit.

Fontes: Motherboard (versão italiana)

11 Replies to “Peter Sunde: internet falhou”

  1. Olha Max, acho que esta entrevista exige desdobramentos "explicativos e exemplificativos", coisa que sabes fazer bem. Me parece que o rapaz tem uma boa cabeça politicamente falando, mas não sabe usar clareza na linguagem literal, coisa muito comum com os grandes entendedores cibernéticos. Talvez para o pessoal que entende de internet possa estar até muito explícito, mas para gente oral e literal como eu ficou aquela coisa assim: mas como é mesmo que funciona o controle, a centralização…fracassou para quem, porque…como poderia ser uma internet aberta afinal…

  2. Olha Max, acho que esta entrevista exige desdobramentos "explicativos e exemplificativos", coisa que sabes fazer bem. Me parece que o rapaz tem uma boa cabeça politicamente falando, mas não sabe usar clareza na linguagem literal, coisa muito comum com os grandes entendedores cibernéticos. Talvez para o pessoal que entende de internet possa estar até muito explícito, mas para gente oral e literal como eu ficou aquela coisa assim: mas como é mesmo que funciona o controle, a centralização…fracassou para quem, porque…como poderia ser uma internet aberta afinal…

    1. A Internet, Maria a princípio e embora fosse um produto feita para uso militar, foi depois difundida com a melhor das intenções creio eu.
      O problema é que o chamado "sistema" a princípio crítico(murdoch odiava-a p. ex), começou a ver o potencial como nas tvs ou rádios, para potencializar como mais um instrumento de controlo e adaptou-se tão bem que vou dar um exemplo nos anos 90 tínhamos menos velocidade mas mais conhecimento se assim se pretendesse. Detesto dizer isto mas o qi actual comparado com esses anos baixou a nível de tudo. Antes era um bom instrumento quase anárquico montes de motores de pesquisa, acesso directo a universidades,etc…conhecimento e abrir horizontes hoje é as grandes corporações como o google (menos mau),redes sociais com mais efeito negativo que positivo(também uso para falar em "privado" com amigos e familiares no exterior ou longe de onde vivo).Tem que se filtrar muito mas muito.
      Até as notícias p.ex mandam para lá repórteres ou vão buscar dados a reter e outras agências de notícias, ou seja o próprio jornalismo de investigação está morto ou quase. É tudo um negócio pay per view e nós somos o maior negócio/produto ou deixar um rasto e através de metadata saber o que fazemos o que gostamos etc para tirar perfis seja para aliciar na compra de algo seja para ter debaixo de olho.Ou até outros fins…
      Nuno

    2. mandavam repórteres para ver filmar entevisatar fazer jornalismo agora é copiar colar das agências de notícias que como sabemos também têem donos e inclinações conforme convém(isentas nah). O paradoxo aqui é que a tecnologia evolui e a informação escasseia ou só vemos um ou dois dos lados. Tipo visão túnel, menos espectro mais filtros.
      por exemplo.
      peço desculpa por ter ficado confuso em cima.
      abraço
      produto: Nuno Oliveira

  3. Max, estava a ler este post e ia-me lembrando de outro recente: O autocarro sem gónadas.

    O grande problema do Ultra-capitalismo é que este constantemente recria e vende ilusões, e as pessoas voluntáriamente aderem, como aquele tipo do filme The Matrix, Cypher, que preferia ter a ilusão de comer um bom bife a comer realmente uma mistela qualquer. Aderem e gostam!

    O que podemos fazer para mudar isto? Criar anti-corpos ao modelo, dando ás pessoas a unica coisa que lhes pode servir de alguma coisa: conhecimento.

    abraço
    Krowler

    1. Bom dia Krowler,

      Sim, mas esse conhecimento tem que ser dado muito cedo, antes das pessoas se submeterem ao sistema, de certeza que ainda na infância. Depois disso as escolhas éticas já estão feitas e não é provável que aqueles que herdaram a condição de vítimas pretendam uma rebelião…

  4. ROBLOX is driven by an ever growing player base of more than 300,000 creators who provide an infinite variety of highly immersive experiences.

    These experiences range from 3D multi-player games and competitions, to interactive adventures where players can take on new identities to explore what it feels to be a dinosaur, a miner in a quarry or an astronaut out in space.

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