O escândalo Volkswagen

Ehhhhh… a superioridade alemã.
Quem pode duvidar dela?

Nós, povos latinos e derivados, batoteiros e preguiçosos, olhamos com respeito e um óbvio sentido de inferioridade perante a magnificência alemã. É e mesmo assim: somos inferiores.

Pegamos no recente caso da Volkswagen e admitimos: nenhum entre nós teria sido capaz de imaginar uma fraude com este alcance. Não é uma burlinha local, uma corrupçãozinha de bairro: é um crime global, perpetrado contra o ambiente, os Estados, os cidadãos de todos os continentes. A precisão alemã não excluiu ninguém: nada de racismo aqui.

É um facto: são superiores em tudo, ponto final.

Aliás, vamos analisar tanto para aprender.
Directamente com os mestres.

O chip “americano”

O escândalo nasce no Sábado passado, quando a Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estadso Unidos ordena o recall de quase 500 mil veículos do Grupo Volkswagen (VW) acusado de violar a lei: tudo com a instalação dum software para “ultrapassar” as normas ambientais e reduzir (em laboratório) a poluição atmosférica das marcas Audi e Volkswagen, equipados com motores de 4 cilindros fabricados entre 2009 e 2015.

Cynthia Giles, da EPA:

Utilizar um truque nos carros para contornar as normas ambientais é ilegal e uma ameaça para a saúde pública. 

Até aqui a golpe na imagem é forte. Não pela quantidade de carros em si (são 482 mil veículos diesel vendido nos Estados Unidos: os Volkswagen Jetta, Beetle, Golf, Passat e o Audi A3), quanto pela imagem. A VW traiu os consumidores, que agora são os infelizes donos de viaturas que poluem até 40 vezes mais do limite consentido.

O que foi detectado nos EUA?

O truque

Os carros hoje são metade mecânica e metade electrónica. O chip que controla o carro é agora um componente tão importante quanto o motor e é mesmo através deste que o fabricante alemão tem sido capaz de intervir sobre os parâmetros que certificam as emissões.

A ideia por trás do software que modificou a informação acerca dos poluentes emitidos é baseada em diferentes situações de utilizo do motor, neste caso diesel.

O tal chip detectava uma série de condições e variáveis típicos dos testes e re-mapeava instantaneamente o funcionamento do motor, reduzindo as emissões. Na prática, o chip reparava que o carro podia estar a ser analisado e inseria os parâmetros “bons”, permitindo assim as certificações EPA válidas para o mercado americano. Depois, uma vez acabados os controles, o carro recomeçava a poluir com alegria a segunda do “modo” escolhido pelo condutor (modo cidade para uma poluição moderada, modo desporto para poluir como uma fábrica de carvão, etc.).

Por exemplo: durante os controlos é aplicado aos carros modernos um conector OBD, presente em quase todos os veículos hoje: é um conector que “fala” com o um computador externo e faz o download dos dados do ensaio do veículo. O software VW é capaz de reconhecer este tipo de ligação e re-mapear o motor e, de tal forma, as emissões. Pode reduzir a potência, por exemplo.

Tanto para ser claro: um veículo VW re-mapeado (análises) respeita as normas Euro 6, na modalidade não-mapeada (realidade) não passa dum Euro 5 ou até dum Euro 4.

Inteligente e preciso.
Muito alemão.

Mas há um senão: porque o chip alterado é vendido com o veículo e pode cair nas mãos de alguém curioso. E foi exactamente isso que aconteceu.

Não muito esperto.
Tipicamente alemão.

500 mil? Não: 11 milhões

Voltamos aos desenvolvimentos.

No princípio, portanto, nem parece nada tão grave em termos de números: quase 500 mil veículos. Em particular, sob acusação está um só tipo de motor, o 1.9 TDI. Traduzido em dinheiro, a VW arriscava um multa de 37.500 Dólares por viatura, mais de 18 biliões de Dólares no total. Grave mas não letal. Mais grave, como afirmado, o efeito sobre a imagem da marca.

Para tentar recuperar a confiança, o Director do grupo, Martin Winterkorn, anunciou o início duma investigação independente para esclarecer o incidente:
Peço desculpas pessoalmente por ter perdido a confiança dos nossos clientes e do público. O que aconteceu tem para todos nós a prioridade. Uma coisa, no entanto, deve ser clara: a Volkswagen não tolerar qualquer violação das regras ou da lei.
Curiosa afirmação: não tolera mas pratica. 

Mas quem segue com paixão o mundo dos carros (eu!) tinha previsto logo novidades interessantes. Por qual razão? Porque hoje as empresas utilizam os mesmos componentes em várias marcas do mesmo grupo. Por exemplo: compras um Skoda, estás convencido de ter adquirido um carro com tecnologia checa, mas afinal tens um VW disfarçado, que depois é também um Audi e um Seat. O mesmo acontece com outros Grupos: um Nissan é na verdade um Renault, um Alfa Romeu ou um Lancia é um Fiat, etc..

Pelo que a pergunta era: mas se a VW fez isso com as marcas VW e Audi, porque não deveria ter feito o mesmo com as outras marcas do Gurpo? Seat e Skoda, por exemplo. E mais: porque não como outros motores?

Isso foi pensado pelos entusiastas de carros e também pelo operadores de Bolsa, com o título VW que precipitava. E pouco depois eis a confirmação: os carros envolvidos são não menos do que 11 milhões. Onze milhões. E a VW começa a pôr de lado os trocos porque 11 milhões é mais do que todas as VW matriculadas num ano. Pelo que os úteis do terceiro trimestre (6.5 biliões de Euros) ficam no cofre porque cedo servirão para tentar estancar a prevista hemorragia: intervenções nas viaturas, despesas legais, etc. etc.

Mas pode não ser suficiente. “Vozes” falam de chips alterados também em outros motores diesel do Grupo: o 1.6 e o 1.2 TDI (utilizados também em modelos VW, Audi, Skoda e Seat). Até que hoje a Suíça anunciou o bloqueio das vendas de todas as viaturas diesel do Grupo, sem distinções. Se as vozes forem confirmadas, 11 milhões será apenas o começo. E o futuro da VW parece tão alegre quanto o dilúvio bíblico.

Título VW entre 26 de Agosto e 22 de Setembro

…e a política? 

Acabou? Nem pensar!
Multinacionais e política, lembram-se? Ora bem. A política entra em jogo em duas frente: a interna e a externa.

Frente interna: a VW é uma multinacional controlada em parte pelo Estado alemão. Agora, é bastante óbvio que o truque do chip não pode ter sido implementado sob iniciativa dum trabalhador da linha de montagem. Alguém mais “acima” deve ter dito “Olhem, boa ideia!” e dado luz verde.
Quem? Este é o problema.

Segundo a revista alemã Die Welt em Berlim alguém sabia: o governo. E a confirma-lo há uma interrogação parlamentar apresentada no passado mês de Julho. Mas na altura não tinham sido feitos nomes, nem das marcas envolvidas. Era só o aperitivo, uma dúvida atirada aí tanto para aquecer o ambiente: o governo sabia que algumas marcas utilizavam software para alterar os resultados das análises, falsificando assim os resultados. 
Interessante, sem dúvida.

Depois há a frente externa.
A União Europeia, por exemplo.

Apesar do passado Sábado ter sido o festival das expressões surpreendidas em Bruxelas, o Financial Times revela como a UE já tivesse sido avisada em 2013 acerca do risco representado por software e outras ferramentas ilegais. O relatório daquele ano do Joint Research Center continha conclusões alarmantes, apresentadas ao governo do Velho Continente com a sugestão para realizar testes sobre os gases poluentes na estrada e não somente em oficinas equipadas.

Obviamente tudo foi ignorado e nem chegou aos ouvidos dos cidadãos.

E a frente externa não acaba aqui. Os modelos do Grupo VW são vendidos em todos os Continentes: possível que só nos EUA repararam no truque após anos? Em centenas de Países nem um engenheiro informático suficientemente curioso para descobrir como a VW conseguisse motores tão potentes, tão poupados e tão “limpos”? Nem entre a concorrência, ao longo destes anos todos?

Algo não bate certo.
Ou se calhar sim: falamos duma das maiores (até hoje) multinacionais do planeta.
Agora todos com as mãos nos cabelos e partem as contra-medidas: investigações nos EUA, Canada, Noruega, Suíça, Italia, Suécia, Coreia. A marca japonesa Suzuki que quebra o acordo com a VW acerca dos carros eléctricos. A Suíça que proíbe a venda dos carros do Grupo. A Espanha que pede o reembolso das ajudas antes concedidas à VW. O título que precipita nas Bolsas. Em Portugal a oferta de carros do Grupo VW usados triplicou.

Tudo muito simpático. 
Mas talvez, com alguns controles mais sérios feito antes…

Ipse dixit.

10 Replies to “O escândalo Volkswagen”

    1. Pois… para serve a abstenção?
      Nem no papel se poupa. Só se for para manter lá os mesmos de sempre como sempre. Não quero …

  1. O planeta está à mercê dos interesses econômicos das grandes corporações, de suas propagandas e da imensa interferência nas coisas dos Estados nacionais e de seus governantes fantoches. Uma outra questão que ainda não mereceu destaque, nem mesmo aqui no blog, são as organizações ditas filantrópicas que envolvem fortunas sonegadas, trânsito facilitado dessas fortunas, e a construção de imagens de grupos "defensores" do bem.

    1. Chaplin como sempre suas inferências são demasiadamente assertivas… o Terceiro setor vive do assistencialismo… portanto precisa que ele exista de fato e até certo ponto mantém a necessidade como sobrevivência… além destes pontos por você abordado… Até que ponto o interesse é a extinção das demandas em detrimento o mantenimento das mazelas???

  2. Recorrendo aos ensinamentos aqui do Informacao Incorrecta constata-se que ha muitas perguntas por esclarecer..
    "Porquê?", "Quem?", "O que?", "Onde?" e "Quando?"

    Estas coisas raramente acontecem por acaso.
    Ocorreu-me o caso do BNP paribas que foi multado pela justica dos eua no ano passado num sinal a França ou fazes ou que queremos ou teras consequencias como esta.

    Neste caso da vw numa pesquisa rapida encontrei isto:

    04/09/2015
    https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=8&ved=0CCQQFjABahUKEwiK5uydtpfIAhXBVhoKHZxqD3k&url=http%3A%2F%2Fwww.automotivebusiness.com.br%2Fnoticia_det.aspx%3Fid_noticia%3D22630&usg=AFQjCNGocRh5uomwIjuysZpaLI7sK6TzBA&bvm=bv.103388427,d.d2s

    O Grupo Volkswagen inaugurou na sexta-feira, 4, uma fábrica de motores na Rússia, na cidade de Kaluga
    http://www.automotivebusiness.com.br/noticia_det.aspx?id_noticia=22630

    September 4, 2015
    http://www.bloomberg.com/news/articles/2015-09-04/vw-ford-open-engine-plants-in-russia-amid-car-market-decline

    Volkswagen opened a 250 million-euro ($279 million) plant on Friday, with Russian Prime Minister Dmitry Medvedev attending the inaugural ceremony. The factory near Kaluga, an industrial city southwest of Moscow where Volkswagen already produces vehicles, will have capacity to make 150,000 engines a year for Russian-made VW-brand and Skoda cars, helping reduce prices, Marcus Osegowitsch, head of the carmaker’s Russian unit, said at the event.

    The factory was the second to start operating in Russia this week…

    Se a coisa ja era conhecida desde 2014 acho curiosa a coincidencia temporal da inauguracao destas 2 fabricas e o rebentar deste escandalo.
    Ainda para mais como a historia e contada que isto foi descoberto quase que magicamente e por acaso por uma ONG sem fins lucrativos(fico sempre de pe atras quando se trata de ong´s e mais ainda quando sao sem fins lucrativos) ICCT International Council on Clean Transportation.

    Outros pontos a reter, sera a vw a unica a aldrabar os dados dos seus motores? Ou havera mais marcas a fazer o mesmo? Serao feitos testes as outras marcas?
    E que carros com especificacoes parecidas de potencia, binario, consumos, peso, opcoes tecnologicas que sejam da mesma epoca nao podem ter emissoes muito diferentes.

    EXP001

  3. O meu carro é apenas 40 vezes mais poluente do que o teu! Sugiro a frase para uns autocolantes a colar em todos os carros turbo diesel com matrícula com menos de dez anos… Alguma ONG podia se dedicar a este trabalho…

  4. As multinacionais também estão em guerra umas contra as outras, faz parte do "caldo de cultura globalizado". A espionagem e contra espionagem não é primazia dos estados policiais, que a utilizam sob o manto de serviços de segurança. E, se alguma falcatrua vem a tona não é por acaso, mas no jogo de poder entre elas alguém por certo deu um xeque mate em alguém. Afinal, a vida desta sociedade de controle, onde somos as peças descartáveis, o pano verde já está até surrado…continuem fazendo o jogo senhores!

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