Ali, 18 meses, queimado vivo. Azar.

Um bebé de 18 meses tem sido queimado vivo na Cisjordânia.
Um grupo de israelitas têm atirado algumas bombas molotov no interior da casa onde vivia uma família de Palestiniano. O pai tem conseguido salvar a esposa e o outro filho, mas Ali Saad Dawabsheh morreu entre as chamas.

Esta é a notícia que ocupa as primeiras páginas de todos os diários: Le Monde, Le Figaro, Il Corriere della Sera, El País, El Mundo, …. mas não em Portugal.

Aqui nas primeiras páginas encontramos: “15 fotografias de lugares que se tornam fantásticos por terem sido abandonados” (Diário de Notícias), “Tudo o que tem de saber sobre o Windows 10” (Expresso), “Governo na luta contra a pirataria” e “Marco Paulo celebra 50 anos de carreira: cantor está a preparar uma digressão especial para 2016” (Correio de Manhã, o mais lido).

É justo. Porque dizemos a verdade: não queremos saber nada de nada do bebé queimado. Simplesmente: não interessa. A ninguém.

Este não é o primeiro bebé queimado. Já houve um monte deles. Este foi queimado por alguns extremistas, mas a maior parte ficou carbonizada com as bombas ao fósforo do exército israelita. Estas bombas são feitas nos Estados Unidos, pela CACI, Hewlett-Packard, Textron, General Electric, Raytheon, Boeing.

São as mesmas empresas que fazem muitas cosias úteis: telefones, micro-ondas, computadores, máquinas de lavar, geladeiras, os aviões com os quais vamos de férias… muitas coisas mesmo. E nós continuamos a comprar estas coisas, continuamos a financiar a indústria do horror.

Então? Qual a diferença entre uma bebé queimado por uma bomba ao fósforo e um por uma bomba
molotov? Nenhuma: ambos ficam carbonizados na mesma. E a nós não interessa.

Sim, tá bom: pensamos “Que vergonha”, “É um escândalo”, “Alguém deveria fazer algo”. Os mais sensíveis podem até ficar com os olhos húmidos. Mas depois? Depois saímos de casa e recomeçamos a financiar a indústria do terror. Porque o que conta é o nosso bem estar, a nossa comodidade.

O bebé? Azar: estava no lugar errado na altura errada. Sobretudo: nasceu do lado errado da barricada. Tivesse nascido aqui, em vez que morrer queimado vivo, poderia ter desfrutado dumas férias com a família, tranquilamente transportado por um Boeing. Nasceu nos territórios palestinianos invadidos pelos colonos israelita. Acontece.

Nós não sabemos? Ignoramos as ligações entre as multinacionais e a industria do terror?
Pessoal: tentamos ser sérios. Um mínimo de honestidade, pelo menos connosco. A informação está lá, toda disponível, até num site “politicamente correcto” como Wikipedia. Só que nos não apetece ler, não desejamos ver: dá trabalho e depois saber para quê?

E, uma vez entendido, o que seria suposto fazer? Deixar de comprar o nosso novo micro-ondas? Não
imprimir com uma Hewlett-Packard? Não ir de férias com a Boeing? Não, desculpem lá, isso não: trabalhamos o ano todo, temos que ter as nossas pequenas comodidades, não é?

E depois não temos que ser nós a salvar o mundo, há os políticos que têm que fazer isso. Nós somos gente simples, gente boa, qual culpa temos se há malucos à solta, se há guerras? Até reciclamos as garrafas de plásticos para cuidar do planeta.

E o bebé? Ah, pois, o bebé… mas o que temos de fazer? Ficar preocupado com cada bebé morto com o nosso dinheiro? Porque não há só os Palestinianos: há também os Sírios, os Curdos, os Iraquianos, aqueles do Afeganistão, do Yemen… olhem, se os pais deles tivessem um mínimo de cérebro fugiriam para o Ocidente. Ah, não, há a questão dos imigrantes ilegais, pois…. então é mesmo e só azar.
E contra o azar não há muito que possa ser feito.

Doutro lado, mais ou menos um bebé árabe não muda a nossa vida, justo?


P.S. 1: Mais uma vez é bom lembrar a diferença entre o regime sionista e o povo hebraico. Não é a mesma coisa.
P.S. 2: O governo de Tel Avive condenou o ataque qualificando-o como “terrorista”: uma coisa é queimar civis com as bombas ao fósforo durante um bombardeio “oficial”, outra coisa é atirar molotov contra os civis. De facto é diferente: a bomba molotov custa nada.

Ipse dixit.

Fontes: Il Corriere della Sera, The Washington Post

14 Replies to “Ali, 18 meses, queimado vivo. Azar.”

  1. Isso do que somos nós que financiamos o terror, a nossa própria escravidão dá realmente que pensar. É como criticarmos a China por explorar os seus trabalhadores enquanto calçamos ténis da NIke de 50 euros fabricados lá. Ainda a pouco tempo deparei-me com uma situação que me fez pensar nisso. Uma senhora, já com mais de 50 anos, que trabalha numa fabrica de confecções, de roupa de baixo custo, a desabafar com a minha mãe, começou a chorar que já não aguentava mais, demasiadas horas, muita pressão, salário miserável mas que não tinha outra solução. O incrível disto tudo é que ela estava a financiar a sua própria situação e a situação de trabalhadores na mesma situação, porque como não tinha grandes possibilidades a roupa que comprava era a que fabricava.

    É incrível ao ponto a que chegamos …..

    1. Olá DM!

      Sim, estamos presos num círculo vicioso. Situação complicada, para a qual é difícil encontrar uma saída. Mas deve haver uma saída, disso não tenho dúvida nenhuma: abdicar da pesquisa e das tentativas é o pior que podemos fazer, pois apesar da actual sociedade ser o que é (e não é lá grande coisa…), temos que recusar o pessimismo (que não leva para lado nenhum).

      Ao ver uma criança de 18 meses queimada viva por fanáticos israelitas (mas os fanáticos não eram os Árabes?), uma pessoa pode ficar desanimada, pensar que chegamos ao fundo. Por vezes olho para quanto publico e tenho medo, medo de transmitir apenas um sentimento: o de impotência, de tristeza. Abandonar-se à falta de acção.

      Longe de mim uma tal ideia. O objectivo é exactamente o contrário: encarar a realidade (aquela que julgo ser realidade, posso sempre estar errado) e encontrar nela razões para reagir. E quanto mais crua for a realidade, tanto mais forte deve ser a vontade de fazer algo, não de ficar tristes. Se a ideia fosse fazer um blog triste, então teria começado um blog de necrológios…

      Abraçoooooo!!!!!

    1. Eu já disse que o "I" parece-me o melhor diário por estas bandas… se só tivesse um nome decente: "I" de "Idiota" ou de "Incompetente"? É uma pena…

      Obrigado pela sinalização 🙂

      Abraçooooo!!!!!

  2. Um bebé de 18 meses queimado, o prazer de matar um leão pagando para isso 50.000 dolares quando muitos morrem de fome, os escravos que pagam a sua própria servidão, um jogador que ganha 1.000.000 de euros por mês enquanto outros ganham 485.00 euros, paises atafulhados em dividas, guerras permanentes, e muito muito mais.
    Isto é o que a nossa sociedade tem para oferecer, folks.

    Nem vale a pena pensar deixar de andar de Boeing, pois a Boeing não vai notar diferença nenhuma.

    Se não gostam do sistema afastem-se dele o mais que puderem. Não me canso de repetir isto.
    A sociedade há-de mudar para melhor, ou para muito pior. Esta evolução dependerá da qualidade, enquanto seres humanos, que teremos no futuro.

    O ideal é cada um, se puder, ir fazendo as suas próprias mudanças.

    Krowler

    1. Sim, acho que a solução passa por aí: afastar-se quanto mais for possível do sistema.
      E fazer as nossas mudanças. Que podem ser pequenas, mas é sempre melhor do que nada. Por exemplo: transmitir aos nossos filhos alguns valores, algumas das ideias que a actual sociedade tenta apagar.

      Doutro lado, se a ideia é esperar uma revolução, aqui ficamos muuuuuito velhos…

      Grande abraçooooooo!!!!!!!

  3. Acho até engraçado as particularizações da tragédia humana enquanto 25 mil crianças morrem diariamente de inanição…mais de 8 milhões por ano…

    1. É uma questão de números.

      8 milhões por ano? É demais, é um número que não percebemos, não tem rosto, portanto ignoramos. Conheço pessoalmente uma pessoa que não acredita que no mundo morram crianças por causa da fome ou da falta de medicamentos. E não é uma pessoa estúpida.

      1 criança queimada? É diferente, identificamos aquela crianças, poderia ser a nossa ou aquela dum vizinho. Também há a fotografia, podemos vê-la, tem um sentido.

      Não esquecemos que o número ideal de mortos é 6 milhões, pois aí podemos falar dum Holocausto. Mas 8 é maior do que 6, já não dá…

      Abraçoooooooooooo!!!!!

  4. Uma lástima terrível, mas estamos muito anestesiados por tudo o que nos cerca, embora obviamente não seja o caso destes veículos por certo. Peço desculpas por uma possível indelicadeza, por se tratar de assunto entristecedor, mas creio que a própria blogosfera pratica (não intencionalmente, lógico) uma espécie de sabotagem à temas relevantes. Cito:

    1- Revelado pelo BIS, ainda em 2011, que havia 11 PIBs mundiais em papeis podres na economia mundial. (esta então ninguém comenta e fico abestalhado com tanto silêncio. Inclusive sumiram com os dados e nunca mais reproduziram tais estudos. Eu mesmo descobri recentemente a trambicagem)

    2- A própria revogação do Glass Steagall Act por Bill Clinton é algo praticamente ignorado, embora suas implicações no cenário mundial atual sejam gigantescas.

    3- Putin quer vetar ação investigativa por um grupo de países sobre o ocorrido com o voo MH17. (esta é recente, mas não mereceu nenhuma linha nos blogs que frequento)

    Não estou a criticar ii, até porque não sei se houve abordagem de tais assuntos (os dois primeiros) em tempos anteriores as minhas visitas, mas me causa espanto as informações acanhadas por parte da blogosfera. Muito pouco se comentou sobre tais assuntos. Temas para mim perturbadores e quando converso com as pessoas, principalmente sobre o 1o. tema, sinto incredulidade nos olhares.

    Expedito.

    1. Olá Expedito, boa tarde.

      Em relação ao ponto 3 creio que te referes a isto
      "Rússia veta na ONU criação de tribunal para investigar queda do voo MH17", pelo menos e como circula aqui em Portugal
      tenho a dizer que é apenas mais uma das manobras de manipulação que o mundo Anglo Saxónico nos habituou.
      Explico-te porque.
      Tenho seguido este caso desde o inicio e sempre me interroguei o que aconteceria quando fosse
      altura (indicaram que demoraria 1 ano) de sair o relatorio da Equipa de investigação Conjunta
      constituida pela Bélgica, Ucrânia e Austrália, com exclusão específica da Malásia.
      Pois é … fez a poucos dias um ano e relatório nada…nem se ouve falar dele…
      sai é esta noticia e por coincidencia ou talvez nao, outra de que foram encontrados restos do outro
      aviao da Malasia que tinha desaparecido.
      Recordo tambem que no dia a seguir ao aviao ter caido na Ucrania ja todos os meios de comunicaçao
      diziam quem tinha sido e como tinha sido ate tinham gravacoes de quem tinha planeado "que se descobriu serem falsas"
      tinham imagens dos lancadores de misseis "que se descobriu serem falsas" mas passados uns meses o relatorio preliminar da
      da Equipa de investigação Conjunta apenas indica o avião foi “atingido por numerosos objetos de alta energia”
      que “o perfuraram quando ia a alta velocidade”. ddahhhhhhhhhh

      http://resistir.info/ucrania/mh17_11set14.html

      Mais …
      A Russia foi a unica a disponibilizar imagens por satelite do dia e zona do evento (dos EUA nada),
      os separatistas encontraram as caixas negras e deram acesso
      ao local (que foi bombardeado por artilharia do exercito ucraniano) para que levassem as caixas negras as quais foram para
      Inglaterra para serem analisadas.

      Dos EUA e Australia (que pertence a equipa de investigação) ainda não se obteve uma unica prova o que ate me surpreende
      visto pertencerem aquela gigantesca maquina de espionagem os 5 olhos (5 eyes), has-de reparar que so se obtem fumaças para o ar,
      nada de consistente.

      Para terminar, pela experiencia que tenho, afirmo com certeza que a verdade do evento ja e sabida mas manteem-na bem escondida.
      Não achas que se houvesse envolvimento da Russia ou dos separatistas nao tinha ja saltado tudo ca para fora e se sabia o que realmentee aconteceu ? 😉
      Sinceramente mete-me nojo utilizarem um acontecimento destes (o abate do avião) como arma de estrategia politica o que revela bem o tipo de pessoas que dirigem os nossos destinos.

      Abraço

      EXP001

    2. EXP001, concordo contigo em absolutamente tudo. Nada, de forma alguma, nada a alterar na tua exposição. O que me causou espanto, sendo o motivo de minha incredulidade é que a notícia que li estava estampada no site da Sputinik Brasil há uns 3 dias atrás, portanto, respaldando o fato.

      Encontrei a notícia:

      http://br.sputniknews.com/mundo/20150729/1704908.html

      Inté.

    3. Olá Expedito!

      Quanto ao caso do avião voo MH17 nada posso acrescentar: não poderia ter dito de quanto fez Exp. Poderia ter tido mais atenção e postado a notícia aqui, verdade. Mea culpa.

      Acerca da Glass-Steagall Action não entendo: é algo de 1999, não encontrei outras novidades. Há algo que desconheço (não posso saber tudo!!!)?
      Em qualquer caso, podemos falar do facto, porque foi muito importante, sem dúvida. Aliás, já tomei nota e a coisa vai ser tratada ao longo da próxima semana, prometido!

      Só 11 PIBs em papeis pobres? Fico espantado, o mundo afinal é um lugar maravilhoso. Segundo os meus dados são pelo menos o dobro aqueles com taxa de crescimento negativa. Se depois abandonemos o PIB para ler os dados acerca da pobreza real, as coisas pioram. E, por acaso, dá para um outro artigo. Mas os dados que encontrei continuam a ser do mesmo período, mais ou menos: 2012.

      Obrigado!!!

    4. Não Max, não se trata de novidade sobre a revogação do Glass Steagall act pelo Clinton. Apenas constato que algo de relevância inquestionável, pelo menos para mim, deveria de tempos em tempos ser retomado. O famoso ligar os pontinhos tem a famigerada revogação como um pontinho dentre todos os pontinhos que levaram à quebradeira de 2008, e num cenário ainda mais amplo ao desenvolvimento do que deixou de ser dívida do setor financeiro mundial para ser dívida soberana das nações. A novilíngua definitivamente se tornou a língua mundial e estamos todos sendo alfabetizados com ela.

      Max, gostaria de sugerir um post que poderia ficar definitivamente ancorado de forma visível. Que tal um post com todos os tais "pontinhos" que tornaram o mundo neste lugar bucólico desta galáxia? Algo que pudesse conter Breton Woods, Nixon e o dinheiro sem lastro… Talvez com pontinhos mesmo, onde cada ponto coubesse um link para o assunto do tópico. Explico, minha sugestão é para que aqueles que começam a querer entender o que se passa no mundo e se sentem meio perdidos. Os próprios frequentadores do blog podem dar sua contribuição indicando o que acham ser devidamente encarado como mais um pontinho nesta linha do tempo. Acho que seria de muita ajuda àqueles que andam se sentindo atarantados nesta festa do caqui da globalização. Peço que desconsidere se o pedido lhe parecer uma loucura, como, tampouco, gostaria de te atribuir mais trabalho sendo eu um adepto do dolce far niente.

      Inté.
      Expedito.

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