A mecânica quântica para totós – Parte II

Domingo, dia perfeito para acabar o discurso acerca da Mecânica Quântica (MQ). Por isso vai ser publicado na Segunda.

Até agora vimos aquele fenómeno que tem nome feio, o entanglement. Mas há mais do que isso, muuuuuito mais. Em boa verdade, o entanglement é apenas um dos três princípios da MQ. Vamos conhecer os outros dois? E vamos!

Quantum? Pouco, obrigado.

O Quantum, este desconhecido. Como defini-lo? E sobretudo: porque temos que defini-lo? Simples: porque é o segundo princípio da MQ.

Wikipedia fornece a seguinte explicação (versão inglesa: as versões portuguesas e italianas dão definições que parecem ter saído do “Manual para o aprendiz analfabeta”):

Em física, um quantum (plural: quanta) é a quantidade mínima de qualquer entidade física envolvida numa interação.

Ehhh? O que raio significa isso?

Bom, na verdade é simples. Pegamos na luz, a normal luz que sai duma lâmpada ou do nosso ecrã. A luz é transmitida pelos fotões: o que nós vemos como luz é na verdade um contínuo feixe de fotões, e estes fotões não podem ser divididos, são a quantidade mínima da luz.

Pode pensar o Leitor: “Mas eu tenho uma boa faca japonesa”. Não adianta: o fotão é mesmo a partícula mais pequena da luz, não pode ser dividido. “Certeza?”. Sim, certeza: ao dividir o fotão, este deixaria de ser um fotão e de “transportar” luz. Isso porque, tal como acontece com a matéria, também a energia pode ser dividida até um certo
ponto, para além do qual perde a sua qualidade.

“Olha lá, seu sabichão, mas isso porque seria importante? Se quero a luz, eu ligo o interruptor, não é?”. Sim, correcto. Mas o que faz o Leitor ao ligar o interruptor? Permite que a luz seja transmitida do candeeiro para o ambiente sob-forma de “pacotes”, que depois são os quanta.

Antes a ideia não era esta, pensava-se que a energia (qualquer tipo de energia) fosse uma espécie de feixe. Com a MQ o conceito de energia muda de forma radical: não há feixe de energia nenhum, há o quanto de energia.

Vamos fazer um exemplo.
Imagine o Leitor um escorrega (ou escorregão) e uma escada. Ambas as superfícies permitem chegar a uma posição mais elevada, mas enquanto no escorrega podemos avançar tanto quanto o Leitor quiser (1 milímetro de cada vez ou 30 cm ou um metro), na escada não é possível: a distância entre cada degrau é de 15 centímetros e o Leitor só pode subir 15 cm. de cada vez, não mais nem menos.

O escorrega é uma superfície contínua, a escada é uma área… quântica! É assim que funciona a energia, como a escada. Antigamente pensava-se que a energia fosse como o escorrega. A ideia era: dado que a energia não tem massa, pode ser produzida, transmitida e consumida em qualquer quantidade de cada vez. Mas não: a energia (qualquer tipo de energia) existe sob forma de quanta.

Só como curiosidade, foi Max Planck, um físico alemão, a entender isso em 1901. A seguir, foram confirmados os quanta de todas as outras energias eletromagnéticas: rádio,
microondas, infravermelho, ultravioleta, raios gama e raios-x. Planck ficou tão contente que até escreveu uma equação para determinar o quantum do fotão e, mais no geral, de todas as energias:

E = hv

Onde E é a energia cujo quantum desejamos determinar, h o comprimento da onda do fotão e v a constante de Planck. Muito útil caso o Leitor perca as chaves de casa. Além disso, é uma das bases de toda a MQ.

Mas agora passamos para o último dos princípios da MQ.
E inútil esconde-lo: é o meu favorito.
Se é que isso interessa.

Onde? Quando? Quanto? Boh?

Até agora parece tudo bastante claro, não é? O entanglement (as tais duas partículas que se divididas continuam a comunicar entre elas) e o quantum (o mais pequeno “pacote” de energia). Agora é que começa a parte divertida.

A parte mais divertida tem um nome: Princípio de Indeterminação de Heinseberg. Que não deve ser confundido com o Princípio de Indeterminação de Heiniken, segundo qual nunca podes ter a certeza de quantas cervejas bebeste na noite passada.
O que diz o Princípio de Heisenberg?
Em 1927, Werner Heisenberg tinha 25 anos e, em vez de dedicar-se a actividades um pouco mais divertidas (futebol, raparigas, etc), fazia o assistente do Prof. Niels Bohr, um dos pais da MQ. Até que um dia, Heisenberg pensou algo do tipo:
É impossível medir com precisão tanto a posição duma partícula quanto a sua velocidade, porque na medida em que tentamos definir uma das duas propriedades, torna-se impossível medir a outra. 
Dito assim parece uma estupidez. Imaginemos estar à beira duma estrada: chega um carro, nós podemos ver onde ele está (a posição) e, com um daqueles aparelhitos laser que utilizam nas obras e um relógio, até dá para medir a sua velocidade. Onde está o problema? Não há. Por isso parece mesmo que este Heisenberg tinha problemas, e graves até.
Mas não: Heisenberg estava certo. Vamos ver a razão com um outro exemplo.
Estamos numa sala no meio da qual está uma mesa de bilhar. Um nosso amigo atinge a bola e, na mesma altura, falta a luz. Nós, espertos como uma raposa do Peru, extraímos do bolso uma tocha eléctrica que dá para seguir o percurso da bola. Pergunta: ao observar a bola com o feixe de luz, alteramos a posição ou a velocidade da bola?
Resposta óbvia: não.
Resposta correcta: sim.
Por incrível que pareça, a nossa observação alterou a sua velocidade e até a sua posição.
Absurdo? Nem por isso. Temos que lembrar um pormenor: o feixe de luz é formato de energia, “transportado” por fotões. Portanto, cada fotão “transporta” um pouco de energia. Pequena, muito pequena, é claro: mas existe e esta pequeníssima quantidade de energia atinge a bola.
Dado que a energia “transportada” pelos fotões é pouca, as variações de posição e velocidade da bola são infinitesimais: não dá para vê-las, poderiam ser medidas apenas com instrumentos de elevadíssima precisão. Mas o importante é que estas variações existem: é isso que temos de lembrar.
Agora, abandonamos a sala de bilhar (que ainda ficou na escuridão e não dá jeito nenhum) e entramos num laboratório. O que fazemos? Decidimos medir a velocidade e a posição dum fotão. Divertido, não é? Ok, se calhar não muito, mas é para ocupar o tempo enquanto a luz volta na sala do bilhar.
Agora, pegamos num fotão e vamos atira-lo por cima duma mesa. Azar, falta a luz também no laboratório. Nós, que não somos estúpidos, extraímos outra vez a nossa tocha e iluminamos o fotão. E aqui surge um problema. Um grande problema. Porque o fotão da nossa tocha tem a mesma energia do fotão que atiramos por cima da mesma: e quando os dois chocam, ambos desviam. É como um choque de carros iguais: mesmo peso, mesma velocidade, mesma energia cinética: nenhum dos dois sai ileso. Com os dois fotões (o atirado em cima da mesa e o outro que sai da nossa tocha) passa-se a mesma coisa, não há diferenças.
Chegaram até aqui? Ok, então resistam porque falta pouco.
A lei do “Talvez”
No raciocínio que estamos a desenvolver, admitimos implicitamente que
para estudar uma característica de um determinado objecto nós temos que tocá-lo de
alguma forma, temos que interagir com ele. Este facto é bastante claro.
Para perceber o peso dum objecto temos que pesá-lo, colocando-o em conexão com outros objectos (uma balança); para ver qual o comprimento duma mesa temos que usar uma fita métrica; para calcular o nível de água num tanque devemos introduzir uma haste graduada.
Da mesma forma, para estudar a posição dum objecto é preciso vê-lo. E para que seja possível vê-lo o objecto deve ser iluminado. Mas quando a luz que utilizamos para ver o objecto tiver a mesma energia do objecto que desejamos ver? Acontece como no exemplo do fotão atirado por cima da mesa e do fotão da nossa tocha. Medir significa sempre perturbar um objecto, mas quando este for demasiado pequeno (é o caso das partículas dos átomos ou até mais pequenas, as partículas sub-atómicas) começam os problemas.
Voltamos ao nosso fotão atirado e iluminado pelo fotão da nossa tocha. O que podemos dizer? Podemos dizer que o fotão atirado por cima da mesa estava lá no momento do impacto com o fotão da nossa tocha. Mas, um momento depois, o fotão já não se encontrava lá, porque o choque com o fotão da nossa tocha mudou completamente a sua trajectória e a sua velocidade.
Foi exactamente isso que fez Heisenberg em 1927. Ou melhor: não atirou um fotão por cima duma mesa (não é simples, acreditem), mas construiu no seu laboratório um instrumento capaz de iluminar um electrão. No momento em que o fotão “iluminou” (isso é: atingiu) o electrão, este mudou rumo e velocidade. Pior: na verdade, nós não temos a possibilidade de iluminar só com um fotão, é preciso um feixe de luz, composto por vários fotões, cada um dos quais atinge o electrão. Pelo que, este último é continuamente atingido por fotões e vai um pouco à direita, depois à esquerda, volta atrás…cada choque tem um resultado imprevisível, assim como tornaram-se a posição e a velocidade do electrão, continuamente “atingido” pelos” fotões da luz.
Pensará o científico Leitor: “E se utilizarmos um feixe de luz menos potente? Por exemplo, um feixe com uma potência inferior à do electrão?”.
Muito bem, Leitor, muito bem. Foi exactamente isso que tentou Heisenberg também. Que todavia descobriu outro problema: com uma luz mais fraca, é possível não perturbar a trajectória original do electrão, mas começamos a ver muito mal: há pouca luz, é demasiado fraca e a imagem torna-se “desfocada”. Conseguimos ainda ver a trajectória, mas a posição exacta do electrão já não é tão clara assim.
Portanto: ou determinamos com extrema precisão a posição da partícula (“No momento do impacte com o fotão estava mesmo aí, depois começou a ir à direita, depois à esquerda…”) ou a sua trajectória e velocidade (“Sim, continua para direita…mas está muito desfocado….”). Este, em extrema síntese (e com erros que provocariam um ataque de fígado a qualquer cientista), o Princípio de Indeterminação de Heisenberg.
Porque é o meu favorito? Porque as implicações são enormes. Não é uma mera questão científica, é filosófica também. Significa que a Ciência (a nossa actual Ciência) tem limites, além dos quais não pode ir, não pode fazer previsões mas tem que falar apenas de probabilidades. Chega uma altura em que não pode pronunciar uma lei, mas tem que dizer “talvez”. Foi isso que mandou em crise Einstein (a tal frase “Deus não joga aos dados”) e é isso que abre horizontes fantásticos para nós.
Se o Leitor desejar, poderemos voltar a falar das colossais implicações que tudo isso pode ter.
Por enquanto, missão comprida: a Mecânica Quântica ficou explicada.
“Hei, falta o Gato de Schrödinger!”
E basta com este gato, deixem quietar o bicho coitado…

7 Replies to “A mecânica quântica para totós – Parte II”

  1. Para um total ignorante como eu, sua explicação é um princípio de luz (sem trocadilho)! Por favor continue com o texto, Max, e aproveito para dizer que conheci Informação Incorrecta há pouco tempo e já estou viciado…abs

  2. As implicações da MQ são o que completariam todo o raciocínio desenvolvido, não deixe de continuar por favor ! 🙂

  3. Parabens!
    So tenho que lhe dar os parabens.

    Eu sou apenas um curioso da ciência com a mecânica quântica incluída, obviamente, e desde há varios anos que procuro a ler e ouvir quem me pudesse explicar de forma simples o que é a MQ.

    Hoje, dia 12/05/2016, numa pesquisa no google (mecanica quantica blogspot) encontrei a explicação mas simples e mais fácl de entender que alguma vez encontrei.
    Em dois textos percebi as bases da MQ, percebi o conceito da experiência das duas fendas e mesmo sem ter falado disso, percebi a teoria por trás do gato de Schrödinger.

    A minha maior duvida era exatamente perceber por que razão, ao tentar-mos medir a posição de uma particula, interferiamos com ela..
    Obvio: o fotão choca com a particula e muda a direção da mesma.
    PERFEITO!!

    Acabou de ganhar um seguidor atento do seu blog.

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