A droga de Wall Street: o Buyback

Hoje falamos dum jogo que está na moda em Wall Street. Não é novo (provavelmente existe desde a criação das Bolsas), mas nos últimos tempos tem assumido dimensões preocupantes. Em particular nos últimos três anos.

O jogo tem um nome: Buyback.
Como funciona? Funciona assim.

Rudesindo (bonito este nome, encontrei na net) é administrador duma empresa, a Berlinde Corporation (que produz berlindes). A Berlinde Corp. entra na Bolsa e a sua “propriedade” é divida em acções que são adquiridas pelos investidores. Neste caso: 150 acções, cada uma das quais vale 1 Dólar.
Até aqui tudo bem.

A venda de berlindes é regular mas não é um sucesso estrondoso, pelo que Rudesindo pensa: “Haverá uma maneira para fazer que o valor das acções aumente?”. Há. Uma dela é o Buyback (traduzido: “recompra”). Para pratica-lo, a Berlinde Corporation adquire 50 das suas próprias acções presentes no mercado.

Aparentemente não é algo muito inteligente: a empresa gastou 50 Dólares para comprar as suas acções. Onde está o ganho nisso?

Na verdade há ganho, porque acontecem algumas coisas.
Uma empresa não pode ser dona das suas próprias acções, pelo que as 50 acções adquiridas são simplesmente apagadas. Dito assim parece ainda pior, pois a Berlinde Corp. gastou 50 Dólares nas suas acções que depois destruiu: perdeu 50 Dólares!

Mas não é bem assim. Na verdade, o valor das acções ainda em circulação aumentou e entendê-lo é simples: antes o inteiro “valor” da Berlinde Corp. (que é de 150 Dólares) encontrava-se dividido entre 150 acções, cada uma das quais valia 1 Dólar; agora as acções disponíveis são 100 mas o valor da empresa não desceu, pelo que cada acção vale 1.5 Dólares (total: sempre 150 Dólares).

Dado que estar na posse duma acção significa deter um “pedacinho” da empresa, cada accionista da Berlinde Corp. agora detém um pedacinho maior da empresa. Mas estar na posse duma acção significa receber os dividendos da empresa também: pelo que, cada investidor com uma das 100 acções da Berlinde Corp. no final do ano irá receber uma fatia maior dos dividendos. Antes o dividendo era distribuído entre 150 accionistas, agora o mesmo é distribuído entre 100.

E adivinhem quem podemos encontrar entre os accionistas? Rudesindo. Pois é verdade que uma empresa não pode deter as suas próprias acções, mas os seus funcionários podem. Desta forma, Rudesindo:

  • aumentou o ganho com as suas acções (cada acção passou a valer mais)
  • aumentou o controlo sobre a empresa (cada acção representa um “pedacinho” maior da empresa).

E no final do ano, o Conselho de Administração da empresa fica tão satisfeito com a subida do valor das acções que até concede um bónus ao top manager. Que é sempre Rudesindo.  

Eis explicada a razão pela qual o joguinho do Buyback é cada vez mais popular, tal como mostra o S&P500 Buyback Index, que segue as 100 ações mais activas nas recompras. Este apresenta um gráfico que, a partir de 2012, começa a subir até dobrar em apenas três anos.

Mais: o S&P500 Buyback bate regularmente o S&P500 “normal”, aquele que segue as 500 empresas mais importantes da Bolsa de Wall Street (imagem ao lado).

Ao ponto que agora há quem comece a investir (com os instrumentos ETF) no boom da recompra.

O campeão do Buyback? A Apple, cujo programa de recompra de ações totalizou 140 biliões de Dólares: há também este joguinho por trás do voo das ações da empresa (+ 40% em 2014). Mas o fenómeno se espalhou até alcançar todos os níveis: Bloomberg no ano passado calculou que as 500 maiores empresas de Wall Street têm investido no Buyback cerca de 1.000 biliões de Dólares, o equivalente a 95% dos seus lucros. Segundo a Morgan Stanley, a partir de 2012 mais de 50% do crescimento no lucro das acções tem sido provocado pelo fenómeno da recompra. Sem o Buyback, o lucro das acções do S&P500 teria aumentado apenas 3,3% por ano. Temos de ter presente isso quando ouvimos falar de “Bolsa de Wall Street que voa”.

Num mundo de baixo crescimento, a droga do Buyback parece ser a única maneira de recompensar (e bem) os accionistas e continuar a sonhar. Mas o sonho pode transformar-se num pesadelo. Vamos ver o porquê.

A recompra de ações é uma droga agradável e rentável, algo já visto durante a “bolha” de 2000 e 2007, mas que no médio-longo prazo pode ser muito perigosa. E por várias razões.

Em primeiro lugar, é a maneira menos produtiva para investir os lucros duma empresas. Ao efectuar o Buyback, as empresas admitem (nos factos) não terem muitas ideias para um uso produtivo do dinheiro ou, pior ainda, não terem confiança no futuro. Por qual razão? Porque em vez de investir em novos produtos, que poderiam ser um verdadeiro sucesso e provocar uma genuína subida do valor das acções, as empresas se limitam a “investir” na recompra das suas próprias acções.

Em segundo lugar, porque o Buyback aumenta o valor das acções mas de forma artificiosa. O valor das acções não aumenta por causa das boas vendas da empresa, mas porque a empresa joga com o Buyback. O que é bem diferente. Na próxima crise, estaremos perante um mercado de acções “infladas”. Em outras palavras, aquilo que se costuma definir como uma “bolha”. E todas as bolhas têm o mesmo destino.

Haveria também o discurso ligado aos juros do dinheiro, mas fechamos com uma terceira conclusão mais simples: aos olhos dos leigos, tudo isso é mais um prego no caixão da Grande Finança, cada vez mais encarada como um perverso jogo para ricos, algo do qual desconfiar e não pouco. As Bolsas ficam cada vez mais afastadas da economia real, são máquinas para aumentar os lucros de pessoas que já não têm problemas de dinheiro.

Mas atenção: são estas mesmas pessoas que têm os melhores meios para financiar as lobby, para influenciar a opinião pública (com os media, dos quais são donos), para pressionar a classe política, para condicionar as escolhas económicas e o futuro da nossa sociedade.

Ipse dixit.

Fonte: Il Sole 24 Ore

3 Replies to “A droga de Wall Street: o Buyback”

  1. Trata-se de corporações gigantes, demasiadamente gigantes, inclusive para quebrar. Tornam-se gigantes pela ausência de ações governamentais que propiciam que as mesmas, desde as antigas guildas, hoje confederações, federações ou associações, utilizem-se se oligopólios controladores de todos segmentos econômicos de relevo. Essas corporações não tem qualquer preocupação com "bolhas", pois sabem que no momento adverso, seu principal parceiro, o Estado, entra em cena, e assume os grandes prejuízos, com o dinheiro da sociedade é lógico…e assim os ciclos se abrem e se fecham, com a mesma lógica, retira-se dinheiro da maioria para transformá-lo em capital para uma elite financeira.

  2. Mas em Wall Street e na City de Londres(o verdadeiro centro), existe algo sem ser digamos:
    $droga$?

    Numo

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