Os políticos são estúpidos?

Um artigo muito simpático do diário inglês The Guardian. Aparentemente muito “leve” mas na verdade nem tanto.

A pergunta é: por qual razão elegemos idiotas?

Esqueçam a política serva de bancos & finança, a falsa Democracia na qual vivemos e tudo o resto. Aqui a questão é diferente: por qual razão nós continuamos a eleger idiotas?

Os políticos têm uma reputação realmente em baixo. Não que seja o maior defeito, e nem é correcto pensar que todos sejam estúpidos: aliás, é estúpido pensar uma coisa desta. Se assim fosse, o mundo inteiro já teria entrado em colapso. Mesmo assim, todos pensamos mal dos políticos e, verdade seja dita, em muitos (demasiados) casos há razões para isso.

Por exemplo: um político implementa uma má decisão? É um idiota. Muda de ideia? É fraco ou vendeu-se. Promete cortes dos impostos ou aumento da despesa? Mente. Quer fazer o contrário? Diz a verdade. Tudo isso é normal: é impossível agradar a todos, haverá sempre pessoas descontentes e só nos regimes totalitários os eleitores parecem (e “parecem” só) estar todos satisfeitos.

Há pessoas que entram na política não para interesse pessoal mas para o bem comum. Da mesma forma, há pessoas inteligentes que se dedicam à isso. Mesmo assim, temos de admitir: uma Sarah Palin não é propriamente o melhor resultado de 2 milhões de anos de evolução. E um George W. Bush até poderia ser o sinal de que a espécie tenha iniciado o processo inverso. E estes não são os únicos dois: exemplos de políticos que parecem (e em alguns casos provavelmente são) “limitados” não faltam.

Por qual razão? Como é que pessoas que mostram uma inteligência não propriamente brilhante alcançam posições de relevo na nossa sociedade, sobretudo no âmbito político? Em teoria, os eleitores deveriam premiar uma pessoa que demonstra a sua inteligência, que aparenta entender as melhores formas de governar um País. Mas não é assim: em alguns casos (repetimos, não em todos) as pessoas parecem atraídas por indivíduos com uma capacidade intelectual questionável. E estes indivíduos eleitos até alcançam o topo da sociedade (o caso de Bush).

A resposta não é simples, pois há toda uma gama de factores envolvidos, incluindo aqueles ideológicos, culturais, sociais, históricos, financeiros; mas há também processos psicológicos que contribuem para este fenómeno. E estes são muito interessantes.

A segurança inspira segurança

As pessoas auto-confiantes são mais convincentes. Isso tem sido provado em muitos estudos.

Uma testemunha é mais convincente com afirmações firmes, do ponto de vista do júri, quando comparada com uma nervosa e hesitante. Isso, como é claro, tem implicações preocupantes no âmbito da Justiça, mas o mesmo se passa em outras áreas.

Imagine o Leitor num concessionários de automóveis, com um vendedor que gagueja, que transpira enquanto tenta juntar alguns argumentos de venda. E imagine a mesma situação com um vendedor descontraído, que emana certezas. O conceito é este: a segurança inspira segurança. E os políticos estão perfeitamente conscientes disso, tal como todos os meios de comunicação: um candidato político que não espalhe certezas e confiança (sintomas de segurança) é logo destruído.

Reparem quanto é difícil encontrar no discurso dum político expressões como “talvez”, “se calhar”, “pode ser que”. Pelo contrário, os políticos falam sempre por axiomas, as palavras deles são sentenças.

Mas não é apenas “marketing”: as pessoas menos inteligentes são incrivelmente auto-confiantes. E este não é apenas um lugar-comum.

Dunning e Kruger

O Efeito Dunning-Kruger é o fenómeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais de que outros, mais bem
preparados, fazendo até com que estas últimas tomem decisões erradas e cheguem a
resultados indevidos. Estas pessoas com pouco conhecimento sofrem duma superioridade ilusória e
isso tem consequências nas pessoas mais inteligentes.

A verdadeira competência pode enfraquecer a autoconfiança e algumas pessoas muito capacitadas podem sofrer de “inferioridade ilusória”, subestimando as suas próprias habilidades, chegando a acreditar que outros indivíduos menos capazes sejam superiores.

Porquê? Porque a pessoa inteligente duvida, o estúpido não.

O fenómeno foi demonstrado numa série de experimentos realizados por Justin Kruge e David Dunning, na altura ambos da Universidade de Cornell (Estados Unidos). Os dois pesquisadores propuseram as seguintes hipóteses, dada uma habilidade típica que humanos possam possuir em maior ou menor grau:

  • indivíduos incompetentes tendem a sobrestimar o seu próprio nível de habilidade;
  • indivíduos incompetentes não reconhecem a habilidade genuína nos outros;
  • indivíduos incompetentes não reconhecem o grau extremo da sua própria incapacidade;
  • se treinados substancialmente para melhorar o seu nível de habilidade, estes indivíduos serão capazes de reconhecer e admitir a sua prévia falta de habilidade.

Kruge e Dunning estavam certos.
A auto-avaliação é um habilidades meta-cognitiva que exige inteligência; sem suficiente inteligência, não podemos considerar-nos ignorantes, simplesmente porque não temos a capacidade técnica para fazê-lo.
Então, se a ideia for escolher uma pessoa intrinsecamente confiante para representar um partido político, uma pessoa inteligente seria uma má escolha sob muitos pontos de vista, porque a “forma” como se apresenta uma ideia pode ser mais importante do que o conteúdo.

Todavia há o outro lado da moeda: alguns estudos têm mostrado que quando uma pessoa muito confiante for apanhada a mentir ou errar, é considerada muito menos fiável e credível do que uma pessoa não segura de si mesma. Isto pode explicar, em parte, a má reputação dos políticos: falam por axiomas, mas falham e o eleitor fica muito aborrecido, sente-se traído.

Entender isso é também simples: uma coisa é alguém que promete algo “de certeza” e depois não cumpre, outra coisa é alguém que promete esforçar-se para dar este algo mas deixa claro que pode falir.

É tudo? Não, não é. Porque depois há o problema das palavras. Que, lembramos, têm uma força esmagadora.

As banalidades de Parkinson

Uma pessoa bem informada provavelmente irá apresentar dados, conceitos, diagramas. E o que faz o eleitor perante isso? Adormece.

Vice-versa, um candidato que jure existir uma solução simples (e possivelmente rápida), que fale a “língua do povo”, é alguém que mantém acordado o espectador.

A política é complicada, gerir um País de milhões de indivíduos é tarefa complicada e raras são as pessoas que têm o dom de fazer entender conceitos extremamente sofisticados numa linguagem muito simples e condensada. Também porque em muitos casos os eleitores nem querem saber de conceitos complicados. Acreditem ou não, há uma lei também que descreve isso: a Lei de Parkinson.

Cyril Northcote Parkinson foi uma pessoa particularmente aguda, que forneceu muitos instrumentos para analisar o comportamento no âmbito do trabalho, da publica administração, do estudo e mais ainda. Ele partiu da observação duma comissão cuja tarefa era aprovar os planos para uma usina de energia nuclear e que passou a maior parte do tempo em discussões inúteis sobre assuntos relativamente triviais: eram assuntos de pouca importância mas fáceis de entender. E o mesmo efeito (efeito bikeshedding) pode também ser encontrado entre nós, os eleitores: as pessoas gastam muito mais tempo e esforços focalizadas em algo efémero mas que conseguem entender, em vez de algo complicado, mais importante, mas que não podem compreender.

Isso é importante, porque na primeira situação (coisa banal mas simples) existe a possibilidade duma maior participação do público e, portanto, de influência. Os candidatos que reduzem os grandes problemas para algo de simples, rápido e inevitavelmente impreciso são potenciais vencedores. Se o candidato for também limitado (não muito dotado do ponto de vista da inteligência), como vimos, será também mais confiante, mais convincente.

Uma das frases mais citadas de George W. Bush era aquela segundo a qual as pessoas sentiam que ele era uma alguém com a qual seria possível “tomar uma cerveja” (isso pensava ele). Portanto, as pessoas sentiam que o simpático Bush era alguém com o qual era possível conectar-se, sentiam-lo perto.

Pelo contrário, o elitismo é uma qualidade fortemente negativa. A ideia de que aqueles que governam o País possam estar “fora” das normas da sociedade é alarmante, provoca uma instintiva rejeição: daqui os constantes esforços dos políticos para “encaixar” na definição de “amigão”, mesmo que tal não sejam.

A maioria das pessoas é naturalmente inclinada para preconceitos inconscientes, estereótipos, e preferem ficar num “grupo” (a nossa antiga tribo). As pessoas não gostam ouvir o que não querem ouvir e estão terrivelmente ligadas ao status social; precisamos de nos sentirmos superiores aos outros para pensar que nós continuamos a valer a pena.

Como resultado, alguém “que sabe” mas que diz coisas complicadas, que contêm factos inconvenientes (e precisos), não desperta qualquer interesse; alguém claramente menos inteligente mas que não perturba a nossa percepção do status social, que afirma coisas (como preconceitos) simples e que talvez de forma intrínseca nega os factos desconfortáveis, este terá a nossa instintiva preferência.

…e nós?

É uma situação lamentável, mas é assim que parece funcionar a mente das pessoas. Claro: há muito mais do que isso, estas são apenas linhas gerais e há excepções.

Portugal, por exemplo, vive numa situação retrograda que ainda valoriza o título académico das pessoas em detrimento da sua capacidade de “conectar-se” (o presidente da República, o traidor Cavaco Silva, é um bom exemplo disso); mas, como dito, estamos perante uma excepção, que neste caso tem a ver com o sentimento de inferioridade dos Portugueses, portanto uma área completamente diferente.

Todavia, voltando ao assunto, é precisa uma reflexão: afinal o que oferecem os políticos? Exactamente o que os eleitores querem ouvir. Portanto: os políticos são a expressão da consciência do povo. São a consequência directa das nossas escolhas: são o nosso espelho.
Custa ouvir isso? Ah pois, custa…

Ipse dixit.

Fontes: The Guardian, Wikipedia (versão portuguesa), Library

9 Replies to “Os políticos são estúpidos?”

  1. 'Que tempo este em que idiotas lideram cegos'

    A frase não é minha, mas subscrevo

    Krowler

  2. Lí e gostei Max, mas imaginemos que tudo pode ser questionavel. E pode de facto ser, sim tudo.
    Ilusões, status social o país do Sr/Sra: Drs, Engs e por ai fora "que raramente se enganam e nunca têm dúvidas". Mas o status social não é de si e por si uma ilusão falsa da treta/mentira que somos todos iguais, quando não passa isso de um instrumento de divisão entre as várias castas, ups, queria dizer classes sociais, é não só conveniente para quem lucra disso e para quem a sua mente formatada já para aceitar isso, em poucas palavras masoquista e com prazer, porque assim se sente parte do que aqui chamam por vezes do/o "Matrix", cidadão de 2ª, do povão mas aceite pelo Engº e Dr. porque faz o trabalho que custa mais é mal renumerado e não reclama e é mal tratado na saude no impostos no intelecto nem sei onde acabar…
    Está se a partir de uma permissa errada: " …alguém "que sabe" mas que diz coisas complicadas, que contêm factos inconvenientes (e precisos), não desperta qualquer interesse; alguém claramente menos inteligente mas que não perturba a nossa percepção do status social, que afirma coisas (como preconceitos) simples e que talvez de forma intrínseca nega os factos desconfortáveis, este terá a nossa instintiva preferência."
    Explico-me as pessoas no geral se forem devidamente informadas(coisa que em geral não acontece), é lógico que questionem. O que se pretende aí é tratar as pessoas como acéfalas ou como crianças, e em parte é verdade. Mas isso não quer dizer que todos sigam no mesmo comboio/trem vão gostar da música que lhes é tocada.
    Vou tentar ser mais preciso, exemplo: as Leis e Advogados porque são complexas quando devia ser algo fundamentalmente "simples", porque são ambiguas e podem ter várias interpretacões quando deviam estar na casa de toda a gente para os próprios se saberem defender, para isso a pessoa pode ter auxilio do advogado, agora advogado para traduzir por um português mais simples é já de sí uma aberração (não tenho nada contra mas não da forma que é feito tudo isto).
    Vou mais longe porque me devo levantar quando um fulano identificado como Juiz fala e porque devo mostar uma conduta para ser aceite por ele, quem é ele uma espécie de Deus ou divindade superior "que raremente se engana e nunca tem dúvidas", ou porque me devo levantar sentar? Não é um ser humano? É, e pior engana-se e engana-se bastantes vezes, mas sua venerosissima meritissima eminência vaí pedir desculpa ao degraçado que por engano ou ineficacia do proprio sistema era o suspeito principal (lugar errado,hora errada), e depois se a investigação continuar (raramente acontece) seja pelo dna, ou outro factor chega-se a conclusão que tinham o tipo errado na cadeia.
    Errou o Juiz, pois perante os factos era na altura o principal culpado(que afinal não era), tinha que haver/existir um culpado ou bode expiatorio e quanto maior a mediatização do caso maior a pressão,maior a pressão maior a probabilidade de errar.
    (cont.)

  3. " A auto-avaliação é um habilidades meta-cognitiva que exige inteligência; sem suficiente inteligência, não podemos considerar-nos ignorantes, simplesmente porque não temos a capacidade técnica para fazê-lo."
    Certo e errado
    "É tudo? Não, não é. Porque depois há o problema das palavras. Que, lembramos, têm uma força esmagadora."
    Errado, pegando no exemplo de cima, para quê para ficar na acta/ata, e as circunstâncias que envolvem essas mesmas palavras, o tal factor h=humano em que tem que ser levadas em consideração, inumeras ciencias se assim quisermos que estudam psicosociologicamente todos os factores, não falamos de numeros sim de o Manuel a Maria o João.
    "uma pessoa inteligente seria uma má escolha sob muitos pontos de vista, porque a "forma" como se apresenta uma ideia pode ser mais importante do que o conteúdo."
    Erradisimo, é justamente o que está errado com a sociedade mediatica, importa mais o agora pegar num todo e decontextualiza-lo se ou conforme for o interesse. Para levar para frente ou oposto, conforme a agenda que covenha ao proprietario do meio de comunicacão.
    O que importa e sempre importou mais é justamente o conteudo.
    Vejo por vezes a Fox News justamente para saber como se comporta o digamos…adversário.
    Concluo: Os politicos são estupidos, uns sim outros não. São meros mercadores e vendedores de ilusões ou até podem ser bastante competentes e fazer o que supostamente deviam: servir o povo, mas esses não ficam para a história são maus exemplos. Hoje em dia contam-se pelos dedos e são sempre lesados pela media-corporação (esta tirei do redcastor).

    E agora sou eu próprio que compliquei a coisa, mas o espacinho para escrever não me permite, encadear concisamente as ideias. A culpa é do espacinho 😉
    Os erros ortograficos <- falta acento sei, mas prorizo o espontaneo e por isso erro.
    Abraço
    Nuno

  4. 1) O político é pré-escolhido pelo poder econômico, posteriormente o marketing faz o serviço.
    2) Não tem nada de idiotas e sim executores de uma lógica inteligentemente pensada, voltada para um Estado que favoreça a minoria dominante em detrimento da grande maioria.
    3) O cidadão médio (comum/medíocre) aprende a reconhecer e dar importância ao que seus doutrinadores o ensinam.
    4) Políticos são meros reflexos do comportamento corrupto, infantilizado, cínico e hipócrita da própria sociedade. Diferem-se apenas por suas circunstâncias, ou seja, proximidade do poder, que os favorece.

  5. O The Gardian te pegou… pois não há como desconsiderar o que o periodico pede no início da matéria…hehe

  6. Muitos parabéns Max pelo tema escolhido. Sempre me parece boa ideia dedicar mais tempo a perceber os processos mentais que nos permitem manter esta realidade tão destrutiva em que habitamos.

    Para além de estúpidos os políticos são frequentemente desonestos. Não haverá na nossa sociedade o valor secreto da desonestidade e da mentira? Eu penso que talvez sim. Eu gostava bastante de perceber quais são os reais valores dos indivíduos… Claro que o dinheiro como a única religião faz estragos no bem comum, mas mesmo antes da era capitalista o problema da ética já existia. Pode a humanidade rever-se nos seus lideres ao longo dos séculos? Eu acredito que sim… Desde o deus maníaco e genocida do velho testamento (citando Chomsky) até ao presidente cavaco silva ou ao futuro presidente marcelo rebelo de sousa, para além da deterioração cognitiva parecem subsistir claras falhas éticas. Qual será afinal a conduta da humanidade ou pelo menos da humanidade ocidental, e eu aqui não me refiro ao pragmatismo da ecologia ou ao espectro da energia nuclear…

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