Interessante artigo de Sputnik (a antiga RIA Novosti e Voice of Russia, ambas da..? Exacto: Rússia),
do qual vamos ler umas partes.
O assustador ataque terrorista na semana passada em Garissa empurrou Quénia, pela segunda vez em menos de dois anos, na linha de frente na guerra contra o terrorismo. Em Setembro de 2013, o grupo militante islâmico Al-Shabaab desencadeou o tristemente memorável tiroteio no Westgate Mall, em Nairobi, mostrando que a recente tragédia é simplesmente uma consequência das suas intenções declaradas. […]
No entanto, o Quénia é mais importante do que uma mera questão de terroristas, como demonstrado da insistência do presidente Obama de escolher Julho para a sua primeira visita a esse País. Os Estados Unidos são o principal parceiro internacional do Quénia desde 2013, quando foi dito que a eleição do presidente Uhuru Kenyatta teria tido “alguns efeitos”. Filho de Jomo Kenyatta, primeiro presidente e pai da pátria, Uhuru no passado foi acusado de crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional para as graves agitações que varreram o País após as eleições presidenciais entre 2007 e 2008. No curto espaço de tempo decorrido desde então, a maior economia da África Oriental foi endividado-se em mais de um bilhão de Dólares com a China, agora o seu maior credor, que generosamente forneceu os fundos para financiar vários projectos de infraestruturas e meio ambiente.
O jogo entre os EUA e a China pelo controle do Quénia desperta interesse pela importância geral deste País na geopolítica do século XXI […].
O resto do artigo é interessante (e comprido), mas agora queria parar e reflectir sobre este trecho em relação à “Nova Via” chinesa. Um discurso que na realidade é mais amplo e inclui as políticas dos BRICS.
Presidente do Quénia, como vimos, é Uhuru Kenyatta, um indivíduo acusado de crimes contra a humanidade. Depois de analisar a questão (os factos após as eleições de 2007), o procurador-chefe do Tribunal Penal
Internacional (ICC) informou a Câmara de Pré-Julgamento da intenção de
iniciar uma investigação em Novembro de 2009 pelo crimes de:
- homicídio
- deportação
- estupro
- perseguição e outros atos desumanos
As
acusações referem-se à alegada vontade e planeamento de extermínio
dos opositores políticos ligados ao Movimento Democrático Laranja (nada a ver com as “revoluções coloridas”),
um movimento principalmente étnico formado pelas tribos Luo, Luhya e Kalenjin.
Kenyatta foi eleito Presidente em 2013, no mesmo ano os EUA se tornaram o maior parceiro comercial do País e em 2014 o procurador chefe do ICC retirou todas as acusações. Agora, como aqui no burgo nem todos somos estúpidos, alguém poderá ver nestes três acontecimentos algo do tipo “causa-efeito”, sobretudo analisando os protestos dos EUA depois da decisão do ICC (protestos = zero).
Agora, que os Estados Unidos façam negócios com indivíduos como este não é um facto esquisito, pelo contrário: é a normalidade. Mas a China? Estamos ou não perante a maior economia dos BRICS?
Kenyatta mantém a maior parte do País em condições miseráveis. Quando se fala de economia queniana “que funciona”, fala-se na verdade dum País onde 2% da população vive bem enquanto 50% vive abaixo do limiar da pobreza. O que não admira.
O pai de Uhuru era Jomo Kenyatta, não apenas Presidente como também maior dono de terras do Quénia, líder dum governo se caracterizou por uma gestão “em família” (Jomo distribuía os cargos entre os familiares), baseado na corrupção qual forma de gestão de assuntos económicos e
nacionais. Como afirmou o ex-vice-presidente de Kenyatta, Jaramogi Oginga Odinga (que depois juntou-se à oposição), Jomo era “um inimigo muito mais cruel e desumano do que o colonialismo contra o qual lutámos”.
Não admira, portanto, que o simpático Uhuru tenha mandado massacrar mais de 1.000 opositores do seu regime, pois aprendeu bem a lição. E esta é a pessoa com a qual a China faz negócios.
Mas ampliamos o discurso.
Qual a atitude da China em relação ao continente africano?
Estradas e pontes em troca de petróleo. Hospitais em troca de cobre e cobalto. Compras de enormes extensões de terras antes cultivadas pelos habitantes locais. A China, muito mais do que os EUA, está a comprar África, peça por peça. Mais do que os EUA porque está é a colonização do terceiro milénio. Famintos por matérias-primas e para preparar um novo papel global, os Chineses propõem-se cada vez mais abertamente como o novo porta-voz do o mundo em desenvolvimento. Mas isso tem um preço, que o Mundo em desenvolvimento tem que pagar., sobretudo se a região sub-desenvolvida ter o nome de África. Não acaso: os mais fracos.
Há, em tudo isso, um duplo benefício para Pequim. Uma saída para o seu fluxo de produção e, mais importante ainda, uma fonte valiosa de matérias-primas virgens: petróleo, energia, comida. Os arranha-céus de Luanda, a capital de Angola (o principal parceiro chinês no continente), testemunham a realidade da ajuda de Pequim. Mas vale a pena ter mais um estádio sabendo que os produtos baratos irão inundar o País, sufocando a produção local?
A resposta é: depende.
Se a responder for um dos tantos que vivem abaixo da linha de pobreza, então será um “não”, porque estas ajudam não favorecem em nada quem mais precisa. Se a responder for um exponente da reduzida elite africana, então a resposta será “sim”: o saqueio chinês enriquece as classes mais altas das sociedades africanas.
Permito-me pegar numa frase publicada num dos comentários por um dos Leitores (EXP!):
“Estão a construir uma nova realidade com novos paradigmas e outra forma de olhar o mundo”.
“Estão” significa “os BRICS”.
Então pergunto: podem indicar-me de quais “paradigmas” estamos a falar? O famoso “mundo multipolar”, baseado no mais clássico dos Capitalismos, só com roupa nova?
Os governos africanos permitem que os habitantes das terras vendidas sejam forçados a ir-se embora, se necessário com a força, deixando casas e campos: às vezes, sem receber compensação, outras vezes em troca de quantias insuficientes de dinheiro ou com uma deslocação facilitada até as favelas que crescem perto das grandes cidades africanas. Os mais sortudos conseguem ser contratados pelas empresas estrangeiras, que querem mão de obra muito barata. Por vezes nem isso: as empresas importam trabalhadores oriundos de outros Países.
Neste aspecto, a China segue as pegadas dos outros Países, os “Imperialistas” dos quais os BRICS querem ser uma alternativa. O Kuwait aposta no controle de todas as províncias férteis do Camboja e na extensa produção de aves (e terroristas) no Yemen. A Arábia Saudita tem celebrado acordos por centenas de milhões de Dólares, e com mais frequência por biliões, na Etiópia, Indonésia, Paquistão, Filipinas, Sudão. A Coreia do Sul adquiriu sozinha metade das terras cultiváveis do Madagáscar. A China comprou terras nos Camarões, Tanzânia, Moçambique, Uganda, Zimbabwe, Filipinas, Laos, Cazaquistão. A Índia, outro dos BRICS, faz o mesmo (1 milhão de hectares só na Etiópia).
Estamos a falar de land grabbing, um fenómeno que o Brasil tem sofrido e ainda sofre.
Na África, um continente batido todos os anos pela escassez sazonal e, em alguns casos, com falta de mantimentos básicos permanentes, a perda de culturas alimentares, com milhões de hectares de terra usadas para produzir alimentos destinados a consumidores estrangeiros, contribui para empurrar para cima os preços dos alimentos. É normal: a comida produzida vai para o estrangeiro, a comida que sobra (que já é escassa) tem que sobrar para todos. Assim, agrava-se e expande-se a fome que afecta os habitantes.
A piorar o panorama é o facto de muitas terras férteis serem utilizadas para a produção de biocombustíveis à custa de culturas alimentares. As repercussões neste caso são devastadoras: o preço das commodities como grão ou arroz dispara, tornando-os bens inacessíveis.
Novos paradigmas? Meus senhores, este é uma Xerox.
Ipse dixit.
Fonte: Sputnik
Então: ninguém se zanga comigo?
Opá… Já não há os Leitores duma vez, esta não é vida….
A propósito de Leitores: citei mas não agradeci EXP.
EXP: muito obrigado para participar na discussão.
Aliás, retiro os agradecimentos: pode ser que pelo menos ele se zangue um pouco… 🙂
LoL Nada disso Max
Leio os teus artigos todos os dias mas nem sempre tenho disponibilidade para responder. Posso ate ter opinião diferente mas não me zango quando em sitios honestos como o ii. Opiniões diferentes fazem-nos ver as coisas por prismas diferentes e a realidade é tão complexa que certamente 100% das pessoas não teem sequer 90% de razão, nem mesmo ao que ja se passou existe consenso quanto mais em previsoes do futuro. Neste caso como o tema é interessante gostaria de elaborar as razões que me levaram a falar numa nova visão. Se bem que tenho prefeitamente a noção que quando alguem ou algum país tem muito poder começa a abusar.
Zangado fiquei com uma compatriota tua de Verona que nunca mais me ligou nenhuma.
Abraço 😉
EXP001
China e EUA vivem uma fase simbiótica das suas economias, que tem tempo para expirar. Será que estamos fadados à nos extinguir agarrados à este capitalismo irrecuperável? Tá mais do que evidente que a china não é comparsa confiável para os EUA ou, parceiro confiável para a Rússia. E afinal, é como bem exposto no artigo: a China é mais do mesmo. A própria Rússia não traz nada de novo para o cenário mundial, até as querelas atômicas com o império do caos é filme que já cansamos de assistir. E temos que dar graças pela postura russa, essa é a verdade. Tenho sempre a sensação de que não seremos capazes de alterar o rumo catastrófico para o qual as coisas caminham. As pessoas parecem crer que o capitalismo precisa apenas dar um jeito na sua corrupção endêmica. Basta isso para termos boa educação, boa saúde, empregos, alimentação, aposentadoria, conforto. Como se diz por aqui: (pra mim) o buraco é mais embaixo.
Isso é o que o think thank quer fazer crer. Uma mentira para continuar no mesmo sistema.
Não existem alternativas? Claro que sim.
O sistema actual vai acabar (não faltará muito, é insustentável).
Existe algo que aqui não joga bem o planeamento. Certos países pensam no curto ou médio/curto prazo, outros não.
Pela lógica os primeiros estão destinados a apodrecer, os outros não ou nem por isso. É o reverso da medalha ou o que se queira chamar.
Nuno
Justamente. O sistema atual é insustentável. Só que a sociedade não parece querer nada além de algumas correções no próprio capitalismo. Na verdade pensa que acabar com a corrupção, num sistema que sempre foi adiante por este método (e um outro tanto de assassinatos), será suficiente. Estes think tanks apostam e alimentam esta ótica por parte da população.
Que o sistema vai cair, não resta nenhuma dúvida pra mim. A questão é se teremos tempo de mudar os rumos antes do tombo. As pessoas, em larga maioria, não querem admitir que o capitalismo já é ruína, que o planeta não o suporta, que a necessidade de crescimento contínuo e sempre maior é sua pior doença. Por outro lado, temos que estar sempre vigilantes quanto a tentativa de implantação de um sistema em que as transnacionais saiam das sombras e confirmem todas as nossas suspeitas: que o fascismo quebrou todas as fronteiras e já se faz dono de cada ser vivo sobre o planeta restando apenas dobrar a espinha de alguns intransigentes. E pra isso todo o arsenal que o sistema tiver em seu poder creio que será usado. "Certos países pensam no curto ou médio/curto prazo, outros não". Mas todos eles ainda na ótica capitalista.
A maioria das pessoas crê definitivamente que os 7 bilhões é o grande mal do planeta. Muitos acham coerente uma produção baseada na obsolescência. Desde que não seja sua máquina de lavar, sua geladeira, sua tv a bola da vez. Pensam que assim se garante a geração de postos de trabalho.
Utopicamente pensávamos que a mecanização nos daria tempo para nos tornarmos melhores seres humanos. Mais cultos, mais sábios. Mas o ócio parece ser um direito divino dos que são de fato o grande câncer da humanidade. Talvez esteja aí a prova definitiva de que a antiga máxima está correta: "mente vazia, morada do diabo". Podemos trocar mente por vida: "vida vazia, morada do diabo".
Sem trolagem, apenas para esticar o raciocínio.
Obrigado 🙂
Pelo desenvolvimento.
Nuno
O sistema é este, o nome está lá em cima no título do post. Nem estou a ver outro que seja uma alternativa a curto ou médio prazo.
Com chineses, americanos, russos ou quem quer que seja, o panorama é negro. Os mais fortes exploram á força toda os mais fracos. Como sempre.
Max agrada-me um mundo multipolar, pois se ele fosse unipolar centralizado nos EUA ou na China, estávamos ainda pior.
Krowler
Mas não deixa de ser um multipolarismo muito sui generis.
Comparação "idiota" ou reducionista: falsa ilusão de variedade, como nas tvs mais canais informativos a mesma treta.
Nuno
A realidade é desoladora para os carneiros incautos que não cansam de se surpreenderem…
Não Chaplin nada de surpresas a coisa é mais ou menos evidente pelo menos no himisferio norte, a coisa está planeada à décadas.
Abraço
Nuno
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