Publicidade e saúde

A publicidade evolui com o passar do tempo. Adapta-se e o que hoje é considerado normal, amanhã pode horrorizar. O problema é que “hoje” não temos o conhecimento do “amanhã”, pelo que tomamos como bons conselhos que no futuro poderão ser não apenas ultrapassados ou fora de moda como também perigosos.

Mas, por enquanto, não passam de inocentes publicidades, regularmente utilizadas por empresas privadas cujo objectivo é vender. Isso acontece agora assim como acontecia no passado.

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Normal, no final de 1800, aconselhar pílulas de cocaína para a dor de dente. Vendidas nas farmácias, prometiam “tratamento instantâneo”. E provavelmente funcionavam…

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Mais dúvidas acerca deste colar para a altura em que nascem os primeiros dentes. A Swiss Electro-Chemical prometia que a criança teria ficado mais calma, sem convulsões, com mais energia para o físico todo. O que continha é um mistério, mas considerado o aspecto do puto não deve ter sido um grande sucesso.

Mais claro, pelo contrário, o seguinte xarope, utilizado para tratar do mesmo problema.

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Basicamente era morfina com um pouco de hidróxido de amónio. É provável que as crianças ficassem calmas, disso não há dúvida. Até imóveis para sempre em alguns casos. mesmo assim, forma precisos mais de 60 anos antes que o produto, entretanto definido “baby killer” fosse proibido nos Estados Unidos. E no Reino Unido as vendas continuaram até 1930.

Mas os problemas das crianças nasciam ainda antes da idade dos dentes:

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Explica a legenda: “Ela está a beber” (esquerda), “Ela não bebe” (direita).
Pelo que, a cerveja era algo natural na alimentação dos bebes. E, dada a cara do puto da direita em evidente abstinência etílica, é provável que já fossem todos alcoólicos.

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Esta garrafa, do início do XX século, era outro prodigioso medicamento, talvez menos natural mas nem por isso menos eficaz: o Hemaboloids.
Segundo a produtora, esta era uma “solução concentrada de ferro de sustentação nucleo-proteica, extractos de vegetais ricos em ferro, lentilhas, espinafres, etc. arsénico (com estricnina)” para tratar de falta de força, gripes, anemia, tuberculose, malária.

Como explicado, “o arsénico é de grande utilidade no tratamento da febre intermitente”. De facto, com o arsénico e uma pitada de estricnica a febre desaparece e o paciente fica muito mais frio…

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E utilizar o arsénico era bastante normal considerada a quantidade de produtos que era possível encontrar. Isso não deve espantar: no século XIX esta substância era normalmente utilizada como corante (o London Purple) e, a partir de 1890, como insecticida.

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Tratar da asma com os cigarros não parece fazer muito sentido. Mas segundo o Dr. Batty era esta a melhor solução para obter, pelo menos, um “alívio temporário”. E não apenas no caso de asma: febre do feno, todas as doenças da garganta, irritações e aftas. Único cuidado: nada de cigarros para as crianças com menos de 6 anos. Já com 7 era toda saúde…

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E o dr. Batty não era o único: o fumo de De Joy tratava também “falta de ar”…
Sempre em tema de saúde, não é possível não citar a heroína: 

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Descoberta em 1874, foi re-sintetizada em 1897 pela alemã Bayer e utilizada no tratamento dos problemas do aparato respiratório. E funcionava, só que não da forma esperada: reduzia a actividade do coração mas não por causa duma melhor eficiência das vias aéreas.

Todavia, na altura o funcionamento não era nada claro e, baptizada “heroína” (porque julgada melhor de que a morfina), foi vendida a partir de 1899, tornando-se em breve um dos fármacos mais procurados em absoluto.

O resultado foi que em 1905 a cidade de New York consumava 2 toneladas de heroína por ano e na China substituiu em parte o ópio. Em 1925 a heroína foi declarada ilegal nos EUA. Em Portugal, a heroína foi legal até 1962.  

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Em 1910, a Radium Compound Company of Phoenix, (que depois era de New York) produzia este creme para limpar chaleiras, frigideiras, baldes, panelas, torradeiras. Particularidade do produto era a radioactividade. Que, de facto, removia a sujidade e tornava um normal utensílio numa fonte de contaminação. Mas aquele da radioactividade era um fenómeno relativamente novo, pouco conhecido e fascinante. Além do creme, havia pastas para limpar os dentes, batons, cremes hidratantes, supositórios, preservativos, barras de chocolate, distribuidores de água, cigarros, tudo regularmente radioactivo.

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A radioactividade era a nova fronteira das empresas, que compravam inteiras páginas de revistas para espalhar as maravilhas da contaminação. Uma época em que as últimas descobertas da Ciência eram utilizadas para promover benefícios duvidosos. Vejam este cinto eléctrico:

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É tão diferente dos cintos magnéticos que prometem tratar as dores musculares? Hoje são julgados inócuos, assim como na altura o cinto eléctrico era um remédio normal contra a “fraqueza peculiar dos homens”. Dúvidas? Nenhuma, pois o cinto representava “o melhor, mais confiável, mais inofensivo, mas poderoso, mais barato tratamento possível”. Talvez…mas terá sido também confortável?

Também não propriamente confortável tinha que ser este:

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Agora, como tratamento da constipação intestinal posso ainda entender; mas contra as hemorroidas?
“Ao ordenar um set destes dilatadores, poderá acha-los necessários em muitos casos”.
“Muitos” até um certo ponto…

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Um passo atrás, de volta ao século XIX.
Uma bebida? Que tal um pouco de ácido fosfórico com água e açúcar? Estes eram os únicos ingredientes utilizados pela Horsfords. A empresa juntava elementos aparentemente bem pouco atrativos: cálcio, magnésio, potássio e um pequena quantidade de ácido fosfórico para obter uma bebida que, todavia, teve um enorme sucesso.

Até que uma empresa concorrente, a Coca-Cola, baseou a sua receita naquela da Horsfords, acrescentando um derivado das folhas de cocaína.

Tanto a produto da Horsfords quanto a Coca-Cola começaram a ser vendidos como bebidas com propriedades medicamentosas para combater fraqueza, problemas gástricos, exaustão física e mental. A Horsfords desapareceu mas, apesar dos problemas que provoca, a Coca Cola ainda está entre nós.

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Mais tarde, a casa de Atlanta, farta de arruinar a saúde dos adultos, tentou introduzir-se também nas faixas etárias mais jovens: “Para um melhor começo na vida, comece Cola mais cedo!”.
E nem falta as explicações: “Promove um estilo de vida activo” (nos bebes?), “Impulsiona  a personalidade” (provavelmente por via dos arrotos), “Fornece ao corpo açucares essências” (e também cafeína, ácido fosfórico e uma pitada de cocaína, porque o puto precisa).

Se a criança conseguia sobreviver à Coca-Cola, à cerveja, e à morfina contra a dor dos primeiros dentes, não admira que a seguir tentasse o suicídio. Neste caso era possível facilitar-lhe a tarefa:

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Por exemplo, deixando-a livre de jogar com uma lamina…

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…ou deitando-a na cama com um revolver automático. Como explica a imagem: “Absolutamente seguro”. Doutro lado, quais perigos podemos correr na nossa casa?

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Sobretudo quando estivermos rodeados de saudável amianto, o “mágico mineral da Idade Média”.
Outros tempos, sem dúvida. Hoje certas coisas já não acontecem, certo?

Ipse dixit.

5 Replies to “Publicidade e saúde”

  1. Hoje em dia é tudo mais sofisticado…
    Temos as bulas nas caixas que avisam de todos os males que irá provocar, logo já têm consciência que a coisa pode dar para o torto, simples!
    Problema é que ninguém lê, e se soubessem quantos morrem por ano a efeitos secundários, pensaria duas vezes 😀

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