Syriza: uma operação da UE?

Temos que deixar espaço às dúvidas e dar voz a quem pensa de forma diferente.

O Professor Alberto Bagnai não é um idiota: sigo o seu trabalho há anos, é um economista anti-Euro, o blog dele tornou-se um ponto que não é possível ignorar quando o discurso for não um vácuo “é tudo mau, governo ladrão” mas a procura duma solução.

Bagnai não gosta de Syriza, nem um pouco. Não por questões ideológicas: simplesmente, não acredita no movimento que agora tomou o poder na Grécia. E na seguinte entrevista, concedida ao site Il Sussidiario, explica a razão.

O que muda para a Grécia e para o Euro após a vitória de Tsipras?

Nada. Nada tinha mudado, mesmo depois da França ter virado para a “Esquerda” com Hollande, que tinha dito que iria mudar a sua atitude perante a Alemanha. Se não conseguiu um País tão poderoso como a França, não é razoável esperar que consiga um País objectivamente mais fraco como a Grécia.

As esperanças gregas são uma ilusão?

Sim. O ponto mais importante do programa de Tsipras é o que diz respeito ao mercado do trabalho, isto é, a abolição das reformas da Troika. Syriza essencialmente prometeu restaurar os salários e aumentar o décimo terceiro mês. Tsipras é substancialmente como Grillo [Beppe Grillo do Movimento 5 Stelle em Italia. Uma nota necessária: Bagnai tem um ódio de estimação contra o M5S. Mesmo que fale dos pinguins do Pólo Sul, Bagnai encontrará sempre uma maneira de criticar o M5S, ndt]: vai ao para poder fingindo de ser contra o Euro, depois tenta manter as promessas com algo demagógico como o rendimento de cidadania. Assim como o M5S, Syriza é um partido populista que é míope, usada para sufocar a dissidência.

Aliás Tsipras nunca sequer disse ser contra o Euro …

O ponto é que a máquina dos meios de comunicação europeus passou Tsipras e Grillo como dois caracteres “contra”. Isso na realidade é só organizar e neutralizar a dissidência. O ingénuo acredita que agora na Grécia vai abrir-se um discurso crítico, mas na verdade assim não é. Tsipras não assusta quem está no poder na Europa, porque é um deles, não é alguém externo, mas é interno ao sistema.

O que fará o partido de Tsipras?

A evidência mostra que Syriza regressará para as fileiras e começará a criticar o Estado, sobre a corrupção e uma série de questões que não estão na raiz do problema. A verdadeira raiz do problema é a Finança privada.

Se Tsipras é um chamariz, porque o establishment europeu o atacou? [pergunta um pouco idiota, ndt]

Se o establishment europeu não se atirar contra ele, Tsipras não funciona como chamariz. Ontem de manhã o telejornal falou de crash da Bolsa, quando Tóquio perdeu só 0,25%, e do colapso do Euro, que caiu durante a noite de um cêntimo depois dos últimos seis meses ter perdido 25 %. Os meios de comunicação estão a encenar essa ideia de um “tsunami” que não existe. Mesmo as reuniões de emergência europeias são apenas falsas.

Se a solução não é Tsipras, o que é necessário?

Todos sabem que um erro foi cometido e porque foi feito [o Euro, ndt]. Na prática, o objectivo era dar uma vantagem ao capital financeiro em detrimento dos trabalhadores e das empresas de pequeno porte. Todos sabem que, se esta situação continuar, não haverá vantagem, porque haverá uma solução politicamente violenta para a crise. Mas ninguém tem a coragem de tomar a iniciativa.

E se os alemães explorassem a situação para deixar o Euro?

Não acho que poderia haver uma vontade alemã de deixar o Euro. Não vejo no horizonte um governo de Berlim que possa tomar essa decisão. A Merkel já deixou claro que na Grécia não está interessada, e isso depende do facto de que os bancos alemães já regressaram da exposição que tinham sobre a dívida grega.

Como afirmado no artigo anterior dedicado às eleições na Grécia, não será preciso esperar muito para ver o que realmente é Syriza. Depois duma campanha eleitoral feita de promessas “fortes”, agora que assumiu o poder terá que fazer. E aqui as possibilidades não são muitas: ou é iniciada uma política realmente anti-Euro ou não.

Os resultados que Syriza pode obter são substancialmente estes:

  • um pequeno desconto da Dívida Pública, algo simbólico que não resolveria nenhuma questão mas que permitira permanecer na Zona Euro. 
  • um forte desconto sobre a Dívida e a possibilidade de fazer default
  • a saída da Grécia do Euro e o default completo
  • nada e essencialmente continuar com a política anterior
Um pequeno desconto na Dívida seria algo de “fachada”, absolutamente inútil num País com uma condição de pobreza endémica e sem perspectivas como é hoje a Grécia. Seria um total fracasso.

Um forte desconto na Dívida abriria uma excepção que poderia ser explorada por outros Países da Zona Euro: não estou a ver Bruxelas ceder no ponto da “austeridade” e na teoria de que “as dívidas têm que ser pagas”. Mas, sem dúvida, seria um óptimo resultado para os Gregos.

A saída da Grécia do Euro parece a solução mais lógica tendo em conta as promessas da campanha eleitoral de Syriza e a aliança com o partido anti-europeísta. Considero este como um outro óptimo resultado para os Gregos e uma vitória de Syriza.

Depois há a última hipótese: deslizar num clima feito apenas de palavras, acusações, um ganhar tempo e manter ocupados os eleitores enquanto nada muda. Este é o cenário apresentado por Bagnai na entrevista.

Qual estrada seguirá Tsipras? Não sabemos por enquanto, mas o que está em jogo é mais do que o destino da Grécia. Este é um teste fundamental para verificar se ainda existe a possibilidade dum partido democraticamente eleito ter a capacidade (e, sobretudo, a vontade) de mudar o rumo dos acontecimentos, rumo decidido fora do âmbito democrático e por pessoas nunca eleitas.

É uma prova extremamente importante porque liderada por um partido da Esquerda Radical, teoricamente fora dos esquemas do poder. Na Europa, os partidos da Esquerda clássica estão perfeitamente integrados na óptica europeísta, que depois é o ponto de vista da Grande Finança (tantas palavras para dizer que “venderam-se”). O que sobra são as forças definidas como “radicais”: o Bloco de Esquerda em Portugal (que tem as mesmas raízes ideológicas do Syriza), o Movimento 5 Stelle em Italia (que não tem as mesmas raízes), e poucos mais.

Um fracasso “voluntário” de Syriza (e o termo “voluntário” é a chave de tudo) seria mais uma prova de que não é possível esperar reais mudanças por parte dum movimento parlamentar. Uma conclusão grave que abre cenários ainda piores.

Aguardemos e confiemos na sabedoria de Manitu, o Grande Espírito.

Ipse dixit.

Relacionado: Grécia: a vitória de Syriza 

Fonte: Il Sussidiario

7 Replies to “Syriza: uma operação da UE?”

  1. Vou repetir o meu comentário, de há dois dias atrás, no post sobre a vitória do Syriza:

    'Parece que os gregos já sabem o que não querem.
    Há dois anos e meio atrás, fiquei desiludido com o resultado das eleições na Grécia. Desta vez a coisa ficou mais interessante. Mas, como já perdi o hábito de deitar foguetes antes da festa, vou esperar para ver o que esta festa vai dar.'

    A vitória do Syriza só faz sentido se a Grécia bater com a porta na cara da Europa.
    A eventual nomeação do Yanis Varoufakis para ministro das finanças era um bom começo.
    Vamos aguardar com calma.

    Krowler

  2. As coisas chegaram a um ponto que finalmente ou vai ou racha. Mais uns meses e veremos se estas forças politicas realmente mordem ou so ladram para entreter. Mas admito que começo a dar razão ao Partido Comunista Portugues. Ja ando por ca ha quase 40 anos e bem me lembro de os chamarem de cassete (k7) por repetirem sem conta as mesmas coisas mas o que é certo é que muitas delas estão a acontecer ja tinham eles avisado faz mais de 10 anos. Mas desenganem-se os que pensam que eles poderiam mudar alguma coisa de substancial mesmo com a sua maquina bem oleada e afinada, pois o sistema esta montado de tal maneira que se por ventura começassem a levantar muitas ondas rapidamente seriam diabolizados e sabotados. As unicas soluções estão na Russia e China serem capazes de mudar o actual sistema mas tambem temos de nos lembrar que eles olham pelos seus interesses e a outra esta nas nossas decisoes e vontade de mudar e dar força aos que teem essa vontade e capacidade.

  3. (Sendo que, o que tudo isto me faz lembrar, é aquelas pessoas que, preocupadas com os efeitos nocivos de fumar, deixavam de fumar "Marlboro", para passar antes a fumar "Marlboro Lights"…)
    Já o disse aqui e repito. E, agora com veemência: O Syriza é, claramente, um partido controlado.
    Vejam como a imprensa controlada não ataca tal partido (o que certamente faria, em força, se fosse mesmo um partido anti-sistema) e como a propaganda emitida por tal imprensa controlada usa para este partido o ridículo rótulo de "anti-FMI" (como se tal instituição se pudesse dissociar dos outros dois elementos do triunvirato FMI-BCE-UE que estão a destruir a Grécia e a restante Europa do Sul).
    Se é "anti-FMI" que este partido é, porque razão não é também anti-UE e anti-BCE – que já vários analistas têm denunciado que, por si só, são, logo à partida, também causas de todo este Colapso?
    As indicações não param aqui… E, basta ver o apoio estrangeiro que tem este partido, por parte de outros falsos partidos europeus – como é o caso do nosso "Bloco de Esquerda" (último este, que já começa a deixar cair a sua máscara, afirmando-se agora antes como um partido "social-democrata").

    Em:
    http://blackfernando.blogs.sapo.pt/

  4. Pois. Syriza anuncia que quer pagar a dívida.
    Não é exactamente o que tinha dito durante a campanha eleitoral.
    Mas ok, damos tempo.

    Abraço!!!

  5. Mais um governante "radical", que antes de fazer falsas ameaças, não esboçou nenhum compromisso em auditar a dívida pública de seu país. O velho teatro do bem e do mal… mas até mesmo o próprio blogueiro, tão bem informado, consegue alimentar esperanças sobre esses indivíduos… só mudando de planeta…

  6. A reter: Criar o Euro, na origem o objectivo foi dar vantagem à finança sobre os trabalhadores e das pequenas empresas (política decorrente do ferro) logo, defender o grande capital e assim continua meus amigos. O ministro das finanças grego disse logo após ganharem eleições que fizeram um pouco de bluff… agora têm todos 4 meses para preparar a saída iminente… a guerra é da banca grega ladra.

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