As bolhas especulativas – Parte I

Já foi usada muitas vezes como expressão, mas afinal o que é uma “bolha”? Como nasce? Como se desenvolve?

A forma melhor para entender é observando alguns exemplos, mas desde já deixamos uma definição: uma “bolha especulativa” (esta a expressão completa) em economia é uma fase especial do mercado caracterizada por um aumento substancial e injustificado dos preços de um ou mais bens, devido a um aumento repentino na demanda.

Dado que o aumento é injustificado (isso é, não reflecte o real valor do bem), a “bolha” cedo ou tarde explode e os preços voltam ao valor normal.

Vamos fazer um exemplo.

O gelado de bacalhau

Uma pesquisa de mercado demonstra que os Portugueses gostam de gelado com sabor de bacalhau. As empresas do sector começam a adquirir grandes quantidades de bacalhau enquanto os Portugueses todos querem o novo gelado, que é uma delícia (único problema: as espinhas, mas não se pode ter tudo…).

O que acontece? Acontecem várias coisas.
Os pescadores pedem empréstimos aos bancos para adquirir novos meios para a pesca, mais pessoas envolvem-se na actividade, a quantidade de bacalhau disponível no mercado aumenta. Mas aumenta de pouco, pois o bacalhau é um recurso limitado; o preço do peixe, portanto, aumenta e a procura é forte.

Então alguém decide ganhar com a nova situação: é a figura do especulador.
Este adquire um super-barco com o qual captura uma enorme quantidade de bacalhau, condicionando o mercado (pois ele tem a maioria do peixe agora!), vendendo também pouco peixe de cada vez por um preço ainda superior. E consegue vender, pois a procura de gelado ao sabor de bacalhau é fortíssima.

Nesta altura o bacalhau atingiu o preço máximo: o especulador ganha quantias enormes de dinheiro mas também os outros produtores conseguem óptimos negócios.

Até aqui vimos portanto a formação da bolha: o preço dum bem (bacalhau) subiu muito além do real valor de mercado (o preço que seria pago em condições normais) por causa da elevada procura (os Portugueses todos querem o novo gelado) e das manobras especulativas.

Mas um dia a bolha explode. Porque explode?
Pode haver muitas razões. Retomamos o nosso exemplo acerca do fantástico gelado ao sabor de bacalhau.

O especulador acumulou uma quantidade imensa de bacalhau nos seus armazéns. Vende uma quantidade controlada de cada vez, de forma que o preço possa manter-se elevado. Mas fez um erro: não comprou uma arca congeladora. E dado que o bacalhau é fresco, não seco, eis que passados três dias começa a apodrecer.

Nesta altura o especulador tem duas escolhas:

  1. continuar a vender quantidades limitadas, deixando que a maioria do bacalhau apodreça até já não ter peixe nenhum.
  2. abrir os armazéns e vender todo o bacalhau antes que apodreça.

A escolha é lógica: vende tudo. Mas isso significa invadir o mercado com uma quantidade imensa de peixe, pelo que o preço do bacalhau precipita, voltando ao valor normal e em alguns casos até um pouco mais baixo. É o fim da bolha.

Isso tem pesadas consequências. Para adquirir o super-barco, o especulador tinha contraído um super-empréstimo com o banco, mas agora as receitas são bem inferiores e já não consegue pagar as prestações. Pelo que entra em falência.

Mas há mais: também os outros pescadores tinham contraído empréstimos, embora de valores inferiores, para melhorar os seus instrumentos de trabalho; e o actual preço demasiado baixo do bacalhau em alguns casos poderá levar a impossibilidade de pagar. 

Agora vamos ver as coisas do ponto de vista dos bancos, porque se os investidores têm vontade de chorar os bancos também não estão a rir-se. Estes tinham emprestado grandes quantias de dinheiro aos pescadores e agora observam preocupados que muitos deles não conseguirão devolver o dinheiro.

E nas Bolsas? Mesma coisa. Os investidores tinham adquirido muitas acções das empresas de pesca, acções que na altura da bolha valiam muito. Mas agora aquelas acções valem muito menos, ninguém quer compra-las, e em alguns casos nem são vendíveis pela simples razão que várias empresas faliram.

Resumindo: a bolha não é uma coisa boa.
   

Bolhas, bolhas…

A típica curva duma bolha

Existe depois um outro significado que é dado à expressão: fala-se de “bolha” quando há uma forte exposição (dívida) e as possibilidades de devolver o dinheiro emprestado são poucas, em risco ou até ausentes.

Tecnicamente a versão correcta é a primeira (aquela do aumento injustificado dos preços), pois esta segunda versão é apenas uma consequência dela.

No exemplo do gelado de bacalhau, como vimos, o especulador ficou na impossibilidade de pagar o empréstimo, mas esta foi a consequência de ter criado a bolha antes.

Para acabar, eis a curiosa definição de bolha especulativa dada por Wikipédia:

Uma bolha especulativa forma-se num mercado quando a única coisa que sustenta a progressão do mercado é a entrada de novos participantes, num esquema em pirâmide natural.

O que é uma estupidez: esta não é uma bolha especulativa, é um esquema Ponzi. Que é apenas um tipo de bolha especulativa. 

Assim acontece com a cotação das ações negociadas em bolsa de valores. Quando ocorrem sucessivas altas, muitas pessoas sem experiência em mercado de capitais se aventuram a investir em ações, e, conforme a lei da oferta e da procura essa grande demanda faz os papéis subirem ainda mais, inflando artificialmente a “bolha”.

Pelo que parece que as bolhas especulativas aconteçam só por causa de “pessoas sem experiência”. Esquisito este mundo de Wikipedia… 

Em determinado momento, os grandes investidores, ou aqueles que conhecem o mercado, percebem que os valores estão irreais e que os riscos de desvalorização aumentam e então começam a vender suas ações, levando a queda dos preços, provocando assim o estouro da bolha.

Nada disso. A História está cheia de grandes investidores, muito experientes até, que perderam tudo
por causa das bolhas. Mas isso será o assunto da segunda parte do artigo.

Nota: o gelado de bacalhau existe de verdade. Podem encontra-lo na Heladeria Lares, praça principal de Lares, Puerto Rico. Temporariamente fechada por causa da morte do dono. O que não admira.

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia

4 Replies to “As bolhas especulativas – Parte I”

  1. Muito interessante de analisar este assunto das 'bolhas'.
    Quando puder, dê a sua opinião sobre as 'bolhas imobiliárias'.

  2. Olá bom ano novo.
    Especulação, interessante se a dívida de Portugal a pagar serão essencialmente juros até 2030+
    Ficamos nas mãos de bolsas, logo especuladores que aproveitam estas dividas para sacar a sua parte do bolo,
    e tudo isto no anonimato, pois estão protegidos legalmente.
    No entanto como referi é uma nação onde vivem pessoas, que depois vão pagar bolhas criadas na própria bolsa, com ou sem especulação.
    Ex: a na Grécia ganho o syriza(espero que sim), aumentam os juros que teremos que pagar, pura e simplesmente porque quem investiu em divida tem medo que a coisa espalhe. E comecem a negociar de outra forma mais sustentada para as populações (acabar um pouco o sufoco), mas os credores querem é lucrar com tudo isto.
    Espero que isto (renegociar) comece na Grécia e se espalhe para Itália, Espanha e Portugal (por arrasto). A França também embora não seja adepto da f.n.
    É a unica forma.
    Gostava de ouvir opiniões? Até do Max, de esquerda, direita, centro, etc…
    Abraços
    Nuno

  3. Ok hoje estou chato e peço desculpas.
    Aí vai o link para um documentário que já aqui deve ter sido colocado inúmeras vezes:
    The four horsemen/Os quatro cavaleiros. Quem não viu ainda recomendo:
    [video]http://youtu.be/OK5NQuVGoto[/video]
    As legendas pt-br sao ativadas no youtube.
    Abraços
    Nuno

Obrigado por participar na discussão!

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