Em busca de Atlântida – Parte III

O gelo da Gronelândia não é apenas fresquinho e escorregadio. É muito, mas muito mesmo: na parte interior da ilha, a camada de gelo atinge os 3.000 metros.

Obviamente, este é gelo que acumulou-se ao longo de bastante tempo, que não derrete ao passar das estações: quando o clima do planeta era mais frio, a neve caída não derretia mas transformava-se numa nova camada de gelo. O processo continuava, anos após anos, até atingir a actual altura.

Mas isso significa uma coisa interessante: as camadas que ficam mais em baixo devem ter-se formado em épocas antiquíssimas, há centenas de milhões de anos atrás. E se fosse possível espreitar estas camadas mais profundas e analisa-las num laboratório, talvez algo ainda mais interessante poderia ser encontrado: não costumamos pôr a comida no congelador para que não se estrague?

De facto é assim: o gelo conserva, e se algo tivesse ficado preso no meio de gelo, ao extrai-lo das camadas profundas da Gronelândia seria possível descobrir um pouco mais acerca do passado do nosso planeta.

O arquivo congelado

As instalações do GISP 2

É exactamente isso que faz o projecto Greenland Ice Sheet Project 2 (GISP2): perfura o gelo e extrai amostras das camadas profunda, aquelas mais antigas. Em Julho de 1993, as brocas do GISP alcançaram os 3.053,44 metros de profundidade. Mas aqui falamos de Atlântida, por isso precisamos dum pouco das camadas mais superiores, onde podemos encontrar algo do qual vale a pena falar.

Pode não parecer, mas o gelo é capaz de contar muitas coisas. Se houver cinzas na atmosfera, este fica retido nas partículas de gelo. Se houver a queda dum meteorito, o irídio (um metal muito raro no nosso planeta mas comum no espaço), este também fica preso. A mesma atmosfera fica retida sob forma de pequenas bolhas de ar no meio da água gelada, pode ser extraída e analisada. Depois é possível medir a espessura das camadas e descobrir quais os períodos mais frios ou aqueles mais quentes.

Foi desta forma que o GISP descobriu que há 12.657 anos aquelas definida como Large Sulfate Anomaly, Ampla Anomalia do Sulfato. Interessante, porque estamos a falar da mesma época indicada por Platão, altura na qual Atlântida teria desaparecido após um cataclismo.

Pergunta: mas o que comporta uma anomalia do sulfato? Este é o problema: falta uma explicação definitiva. A anomalia parece estar ligada a uma forte actividade vulcânica, se calhar de tipo não convencional, mas ainda não foi identificada a origem. Com certeza é possível afirmar que:

  • há aproximadamente 12.000 anos houve um evento que mudou de forma significativa a composição da atmosfera terrestre.
  • este evento teve uma provável origem vulcânica mas não foi encontrado o/os vulcão/ões responsável.
  • este evento teve efeitos dramáticos no clima do planeta
Os “arquivos” do GIPS 2

Acerca deste último ponto, é importante salientar como a anomalia parece ter tido como
consequência directa uma repentina descida das temperaturas globais.

E esqueçam as “terríveis” mudanças de 2 ou 3 graus do Aquecimento Global: aqui falamos de diferenças na ordem das dezenas de graus, pois ao longo do passado (e nem tão remoto) os nossos progenitores enfrentaram mudanças climatéricas que tornam insignificantes as actuais variações.

Há 15.000 anos houve um rápido aquecimento que provocou um massivo degelo dos pólos. entre 12.700 e 11.500 eis que encontramos a já citada Anomalia, com queda abrupta da temperatura, seguida do rápido aquecimento (+5º C em 40 anos e outros + 8º C ao longo dos sucessivos 40 anos).

E estas são estimativas cuidadosas: alguns cientistas acham que as mudanças podem ter acontecido no prazo de alguns meses.


Na imagem acima, as mudanças de temperatura registada pelas amostras do GIPS 2 durante os últimos 25.000 anos, com em evidência o Dryas Recente de 12.000 anos atrás. Obviamente, estas são as temperaturas da Gronelândia, não do inteiro planeta (Cuffy and Clow, 1997).
 

Há 12.000 anos

Como “encaixar” a Anomalia encontrada pelo GISP 2 na teoria de Atlântida?

Em primeiro lugar, como vimos, há a correspondência das datas. Não é uma “prova” mas apoia a teoria segundo a qual um evento de grandes proporções aconteceu por volta de ano 12.000 a.C.
Não é muito? Não, mas é algo.

Depois é um indício que traz consigo umas possibilidades. Os vulcões do planeta são conhecidos e constantemente analisados para reconstruir a cronologia das suas erupções (o que é também um boa maneira para tentar prever o comportamento futuro): mas nenhum dos vulcões objectos de estudo parece ter sido responsável da Anomalia.

Ganha força a ideia duma mega-erupção no meio do Oceano Atlântico?

Secção de gelo extraída pelo GISP 2. As várias linhas correspondem a sucessivas camadas (em origem, esta é uma coluna de gelo em posição vertical)

Não é possível responder. 12.000 anos são muitos para um ser humano, mas do ponto de vista geológico são apenas um breve momento: isso quer dizer que não é um espaço de tempo suficiente para apagar os restos dum vulcão e duma mega-erupção. E não são conhecidos “ruínas” de vulcões ou de grandes ilhas no meio do Atlântico, nem acima nem por baixo da superfície. Por enquanto, pelo menos.

Mas a Anomalia do GIPS 2 pode não estar irremediavelmente ligada à actividade vulcânica. Ou, por melhor dizer, as erupções podem não ter sido a origem do evento catastrófico mas apenas uma consequência.

Pequenos diamantes em tempo escuros

Em Maio de 2007, a revista científica Nature propus a teoria dum impacto meteórico acontecido por volta do ano 12.000 a.C, algo que teria desencadeado o rápido arrefecimento do planeta e dado assim início ao período conhecido como Dryas Recente (com a queda abrupta das temperatura, tal como vimos).

A teoria tem uma base de evidências não indiferentes: a análises do terreno da época (ah, pois: não apenas o gelo deposita-se camada após camada) revela restos de carbonização em cinquenta locais espalhados por todo o continente norte-americano. As camadas contêm materiais incomuns (esférulas de metal, esférulas de carbono, esférulas magnéticas, irídio, fuligem e fulerenos enriquecidos com hélio-3), facilmente interpretados como sinais dum impacto cósmico.

Mais recentemente, em Janeiro de 2009, as provas apresentadas pelo microscópio electrónico mostram nano-diamamantes formados no período do evento, e o International Herald Tribune reportava as palavras do pesquisador universitário D.J. Kennett:

Estes diamantes fornecem fortes evidências a respeito duma colisão entre a Terra e um raro enxame de  ou cometas no início do intervalo frio do Dryas Recente, produzindo várias explosões na atmosfera e possíveis impactos com a superfície, com fortes repercussões em plantas, animais e homens que povoaram a América do Norte.

Quanto fortes podem ter sido estes impactos de condritos carbonáceos (meteoritos) ou cometas? Extremamente fortes, ao ponto de ter provocado o fim da cultura pré-histórica de Clovis (entre os primeiros habitantes do continente americano) e a extinção de algumas espécies animais.

A teoria do impacto tem o seu detractores, os quais apresentam outros dados interessantes. Um estudo sobre a demografia paleoamericana publicados em Agosto de 2008 afirma que os resultados da análises não estão de acordo com as previsões feitas pela hipótese do impacto extraterrestre. Não foi encontrada evidência de uma diminuição da população entre os antigos habitantes da América do Norte naquele no período, portanto a ideia do impacto deve ser alterada.

A ideia é que os acontecimentos após o impacto (extinções incluídas) deveriam ter acontecido quase todos ao mesmo tempo (o que faz sentido, diga-se), no entanto as extinções na América do Sul parecem ter ocorrido pelo menos 400 anos após as extinções que ocorreram na América do Norte. A extinção dos mamutes na Sibéria parece igualmente ter acontecido mais tarde do que na América do Norte, enquanto algumas espécies (como o urso Grizzly) parecem ter sido pouco afectadas pela extinção, enquanto a devastação ambiental causada pelo impacto de um meteoro deveria ter feito preocupar também os ursos.

Paradoxalmente, até esta “contra-prova” resulta ser muito interessante do ponto de vista da nossa pesquisa: em primeiro lugar porque o Grizzly é um animal simpático e teria sido uma pena vê-lo extinguir-se. Depois porque testemunha que por volta do período indicado por Platão a Terra não era um lugar tão tranquilo como estamos habituados a pensar: que tenham sido contemporâneas ou desfasadas de pouco séculos, é evidente que as condições da altura foram afectadas por um ou uma série de acontecimentos de grande alcance com consequências importante no clima e na vida do planeta.

Que tenha acontecido tudo ao mesmo tempo ou em fases sucessivas mas aproximadas, o que conta é que as tradições das quais diz atingir Platão representam o reflexo duma época muito conturbada e isso é agora demonstrado além de qualquer  possível dúvida. Como afirmado, esta não é uma “prova” de que Atlântida tenha existido, mas abre uma janela de possibilidades.

Vale a pena continuar a espreitar, no próximo capítulo.

Ipse dixit.

Relacionados:
Em busca de Atlântida – Parte I
Em busca de Atlântida – Parte II

Fontes: dado que as fontes utilizadas nesta parte são muitas, vale a pena reporta-la já agora.
National Climatic Data Center – GISP2 Volcanic markers
Teton Tectonis: Sulfur dioxide initiates climate change in four ways (ficheiro Pdf, inglês),
Watts Up With That?: Easterbrook on the magnitude of Greenland GISP2 ice core data
Live Science: Big Freeze – Earth Could Plunge into Sudden Ice Age
University of Nebraska: Geophysical Research Letters vol. 30 nº 16 (ficheiro Pdf, inglês)
University of Arizona: Nature – Blast in the Past? (ficheiro Pdf, inglês)
Science: Nanodiamonds in the Younger Dryas Boundary Sediment Layer
Wikipedia (1 e 2, versão inglesa)

3 Replies to “Em busca de Atlântida – Parte III”

  1. Muito bom trabalho Max,

    desconhecia as investigações que estão a ser feitas na Gronelândia.

    Estou ansioso de ler o próximo capítulo.

    Um abraço,

    R. Saraiva

Obrigado por participar na discussão!

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