Em busca de Atlântida – Parte II

Como vimos, não há registos de movimentos de terra tão repentinos e potentes tais que inteiros
continentes tenham desaparecido. Mas se a causa não tivesse sido um terremoto?

Actualmente vivemos num período interglacial conhecido com o termo de Flandriano, começado aproximadamente há 12.000 anos. Até então, o planeta apresentava um clima muito mais rígido do que o actual: era o período da glaciação Devensiano (ou Glaciação de Wurm).

Durante uma glaciação, uma enorme quantidade de água fica retida sob forma de gelo: isso provoca a natural descida do nível dos mares com efeitos profundos na conformação das terras emersas. Durante a Glaciação do Wurm, os mares baixaram-se de cerca 120 metros. Pode parecer pouco, mas assim não é, pois não falamos de 120 metros em cumprimento a partir das actuais costas, mas de altura: isso significa enormes porções de terra que ficaram livres das águas.

Esta, por exemplo, era a situação na Europa:

O Mar Adriático extremamente reduzido, o Mar Negro sem uma comunicação com o Mediterrâneo, o Reino Unido e a Irlanda ligados ao continente.

E no Oceano Atlântico? Aqui a situação era diferente: sendo composto por águas mais profundas, a descidas do mar descobriu apenas as zonas próximas das costas (efeito que pode ser observados com maior precisão no mapa anterior, observando as linhas costeira de Portugal). Nos actuais Estados Unidos orientais, as ilhas Bahamas formavam provavelmente uma única ilha.

E as Bermudas? As Bermudas não: as ilhas surgem dum altiplano submarino pouco profundo, mas de dimensões muito reduzidas, além do qual o fundo precipita de forma abrupta.

Voltamos às Bahamas: poderia este conjunto de ilhas formar a antiga Atlântida? Tudo somados ficam além das Colunas de Hércules, no Oceano Atlântico e permitem alcançar o continente, tal como descrito pelas tradições dos Fenícios.

Além disso há uma interessante concordância com as datas: a última glaciação acabou há 12.000 anos e Platão coloca o fim de Atlântida 9.000 anos antes da época dele, pelo que ficamos (mais ou menos) na mesma altura. Poderia um degelo demasiado rápido ter provocado uma repentina subida das águas? Na verdade, o degelo parece algo que leva algum tempo para finalizar-se, mas puxamos pela fantasia e imaginemos que um acontecimento de grandes proporções possa ter acelerado tudo (gostam de asteróides? Então imaginemos isso: a queda dum grande asteróide que tenha aquecido a atmosfera).

Sobra um pormenor: as dimensões.
As Ilhas Bahamas, mesmo que juntas pela descida do nível do mar, formam um conjunto demasiado pequeno, grande menos do que a Florida (se desejarmos ser bons, podemos juntar das Ilhas Turkas e Caicos, que ficam nas redondezas, para obter o tamanho do vizinho Estado americano).

Platão dá uma ideia das dimensões de Atlântida: grande quanto a Líbia e a Ásia juntas. Na época do filósofo grego, o termo Líbia era utilizado para indicar geralmente toda a África do Norte, enquanto a Ásia incluía o Oriente Médio, o Irão e parte do Afeganistão. Na prática, o equivalente dos actuais Estados Unidos (e até mais) em termos de superfície, tanto para ter uma ideia: bem longe da realidade composta por um grupo de pequenas ilhas.

As dimensões indicadas por Platão são tais que ate é difícil “enfiar” Atlântida no Oceano Atlântico: é necessário imaginar um continente desenvolvido ao longo do eixo Norte-Sul, e com uma certa largura também, para que possa respeitar a descrição e ao mesmo tempo caber no oceano.

Mas isso cria outro problema: no meio do Atlântico há a Dorsal Mesoatlántica.

A Dorsal Mesoatlántica

Wikipédia define a Dorsal como “uma cordilheira submarina que se estende sob o Oceano Atlântico e o Oceano Árctico”.

Esta definição faz logo pensar a uma cadeia montanhosa, cujos cumes mais elevados são as Ilhas Açores e a Islândia. Parece bom: picos que hoje formam ilhas mas que no passado poderiam ser as montanhas mais elevadas dum inteiro continente.

Mas a Dorsal é muito mais do que isso: é o ponto de separação entre as placas americana e europeia/africana. Isso significa que é um lugar bem pouco tranquilos: terremotos e erupções são a normalidade aí, é só observar o número de vulcões presentes na Islândia (que fica dividia ao meio pela Dorsal) ou os frequentes terremotos dos Açores para percebe-lo.

A razão desta notável actividade geológica é simples: a Dorsal é na verdade uma falha tectónica, como a mais conhecida Falha de S. André, na Califórnia (outro local bem pouco “tranquilo”). É no meio da Dorsal que “nasce” nova terra (novo fundo do mar, para ser mais preciso), é daí que surgiu todo o fundo do mar que hoje separa a América do Sul das costas ocidentais da África.

Podemos duvidar da teoria que vê na Dorsal Mesoatlántica um lugar perigoso, feito de actividades violentas e poucos propícias para hospedar um continente? Podemos, mas neste caso seremos obrigados a dar um salto para trás de 60 anos e admitir que não sabemos responder a duas perguntas que ao longo de muito tempo assombraram os geólogos:

  1. dado que os rios transportam continuamente detritos para o mar, como é que o mar é ainda tão profundo?
  2. como é que não se encontram terras no fundos dos mares mais antigas de 200 milhões de anos?

A resposta para estas perguntas é uma só: a actividade das falhas, que criam (ou engolem, a segunda de onde ficam) a terra. E a Dorsal Mesoatlántica é uma enorme falha submarinas com mais de 11.000 quilómetros (na verdade, a Dorsal do Atlântico é apenas uma porção duma estrutura bem maior que atravessa todo o globo, um total de 40.000 km).

A não ser que as tradições das quais Platão atingiu estivessem poucos precisas neste sentido. Talvez “continente” fosse um bocado exagerado: não seria novidade descobrir que as tradições orais podem tender a distorcer os factos. Que tal esquecer o continente e começar a pensar numa ilha?

A ilha…

As ilhas “surgidas” no meio do mar não são uma novidade.

Em Junho de 1831, ao largo da Sicilia deu-se uma notável actividade vulcânica que deixo atrás de si uma ilha, a Ilha Ferdinandea. O lugar não era grande coisa, mas estrategicamente estava posicionado num ponto muito interessante, pelo que Italia, França e Inglaterra reivindicaram logo a nova terra e nasceu uma disputa internacional.

Tempo perdido: no prazo de poucos meses a ilha foi corroída pela acção das ondas e desapareceu. Se os governos da altura tivessem conhecido um pouco de história, teriam poupado tempo e dinheiro: não era a primeira vez que a ilha aparecia para depois voltar a mergulhar, os primeiros relatos são da época dos Fenícios.

Este comportamento é devido à acção dum vulcão submarino (o Empedocle) que expele tefra, material mineral pouco compacto que em breve fica “gasto” pelas ondas.

Mas nem todas as ilhas formadas por erupções são tão fracotas.
Em Junho de 1967, uma grande ilha surgiu perto da costa islandesa, atingindo 2.7 km quadrados. Desde então, a erosão tem diminuído a superfície, tal como tinha acontecido já com a Ilha Ferdinandea; mas, uma vez eliminada a tefra, agora as ondas e os ventos atingiram a camada de lava sólida, pelo que o processo abrandou fortemente e a Ilha Surtsey (este o nome) já não arrisca desaparecer tão facilmente.

Doutro lado, a Islândia é uma ilha formada pelo mesmo tipo de processo e as suas dimensões são assinaláveis (é maior do que Portugal, por exemplo).

Poderia Atlântida ter sido uma ilha de grandes dimensões? 
Na verdade, a ideia não é nova. A seguinte imagem é de 1665, originariamente contida na obra Mundus Subterraneus de Athanasius Kircher, jesuíta e historiador alemão.

A ideia de ter uma grande ilha desaparecida não está livre de problemas: ainda ninguém um fenómeno como este. Santorini, a ilha na Grécia, foi em boa parte destruída por uma erupção, mas as suas dimensões sempre foram modestas.

…e os vulcões

Todavia, mesmo tendo sido uma erupção particularmente violenta, a de Santorini não foi a maior. Segundo a escala IEV (Índice de Explosividade Vulcânica), Santorini foi uma erupção de grau 7 (erupção super-colossal), acima da qual podemos encontrar as de grau 8 (erupção mega-colossal).

A Ilha Surtsey

As erupções de grau 8 são provocadas por super-vulcões e são quanto de mais apocalíptico seja possível imaginar, tendo pesadas consequências no inteiro planeta.

Se uma erupção de grau 7 pode destruir uma ilha, um de grau 8 arrasa tudo o que encontrar no raio de centenas de quilómetros, eliminando qualquer forma de vida na mesma área e cobrindo um inteiro continente com vários centímetros de cinzas.

Pode ter sido uma erupção de grau 8 a causa do desaparecimento duma grande ilha como Atlântida? Teoricamente sim. Mas para isso seria necessário encontrar um super-vulcão algures no Oceano Atlântico e, tanto quanto é sabido, não há.

Pode ter existido? Provavelmente não, mas é sempre possível procurar provas indirectas duma eventual super-erupção. As erupções de grande porte espalham as suas cinzas em todos os continentes, não apenas no lugar atingido: a espessura da camada de cinzas varia consoante a distância, mas restos do material são sempre presentes em todos os lugares do planeta.

E aqui chegam as más notícias: não há sinais de erupções tão importantes por volta de 12.000 a.C.
Algumas erupções na Nova Zelândia, uma no México, na Alemanha, mas todas de potência bem inferior, no máximo do mesmo grau da erupção do Krakatoa (em 1883): destruidora, sem dúvida, mas não ao ponto de fazer desaparecer uma ilha.

Tudo perdido então?
Não.

Há algo que foi encontrado na década ’90 do século passado, algo que parece estar ligado à actividade eruptiva mas que ainda espera de ser explicado: não é uma prova, mas é um indício que pode revelar-se muito interessante. E que aconteceu na mesma altura em que Platão coloca o desaparecimento de Atlântida.

Mas este é assunto para a próxima parte.

Ipse dixit.

8 Replies to “Em busca de Atlântida – Parte II”

  1. No deserto do Atacama que fica a 440m de altitude, existe um cemitério de baleias (fósseis), se a teoria de 120 metros mais baixo do nível do mar é correta, fica mais difícil excplicar o fato do deserto, acho que as placas se movimentam de tempos em tempos, umas afundam e outras submergem.

    1. Olá Shanerrai!

      Tive que procurar porque não sabia nada da formação doo Atacama!

      Pelo vistos, há mais de 20 milhões de anos a região no norte do Chile ficava coberta pelo Oceano Pacífico. Com o passar dos milhares de anos, as duas Cordilheiras que a cercavam, a dos Andes e a de Domeyko, foram sendo comprimidas uma contra a outra, expulsando as águas do mar.

      O escoamento das águas do oceano deste altiplano andino deixou o solo e as montanhas impregnadas de sal, o que fez com que a região se transformasse num deserto de sal (e de ossos dos animais que no mar viviam), conhecido como Deserto de Atacama.

      De facto, a América do Sul viaja (se lembro bem 2 km/ano) em direcção ao Oeste e a parte do Chile, Peru e Equador fica "empurrada" contra a placa do Pacífico (que opõe resistência): não é um acaso que os Andes fiquem no Oeste da América do Sul, enquanto a parte oriental do continente é mais plana (sendo "arrastada" no movimento).

      É assim que se formam as montanhas: nos Alpes, por exemplo, é fácil encontrar conchas, mesmo à 3.000 metros de altitude. Neste caso, o movimento é o da placa africana que "empurra" a Italia contra o resto da Europa: antigamente os Alpes ficavam debaixo do mar.

      Mas estes movimentos acontecem com ritmos muito lentos, de milhões de anos.
      Pelo menos, segundo quanto sabemos: até hoje ninguém viu uma grande porção de terra desaparecer debaixo do mar ou ser elevada de dezenas de metros para cima.

      Depois, nunca dizer nunca…

      Abraço!!!

    2. Olá Max e Shanerray

      Devo acrescentar que o Pantanal, região do Mato Grosso, é um local peculiar do Brasil que tem a maior área alagada do mundo, é salobra, ali se represou água de mar e de rios um dia, levando-se em conta isso, até boa parte da Amazonia já foi local de praia.

  2. Eu gosto da ideia da dorsal meso-atlântica. Podia ser um sítio com um clima ameno e com um óptimo solo, particularmente adequado ao desenvolvimento de uma civilização… Depois a súbida do nível da água pode ter sido súbita, em um momento rebantam os principais diques e ficamos apenas com a memória de Platão. Mas uma memória de 9.000 anos? Essa é a meu ver o mais difícil de explicar!

  3. 120 metros ?????
    Tendo em conta que o pé direito "altura" de uma casa que é cerca de 3 metros, 120 metros equivale aproximadamente a altura de prédio de 40 andares.

    EXP001

    1. Yonaguni está submersa, Bimini também e o Golfo de Guanahacabibes tem uma cidade inteira a mais de 4000m de profundidade foram pelos indícios 120 m a ubida das águas mesmo!….

  4. Mas deve-se considerar um fator de caráter primordial. Até onde a ciência, financiada pelo poder institucionalizado, tem interesse em mudar a visão existente, que envolve desde a fé religiosa até a própria compreensão de mundo ensinada? Romper esse ponto é algo muito mais dificultoso do que imaginamos. Somente novos interesses desse poder viabilizará tais mudanças, caso elas tenham fundamento…

  5. Quanto a memória de 9000 anos que o J.J. faz menção, é bom dizer que que Platão diz no referido livro, que os Gregos e os Egípcios são descendentes dos Atlantes. E Platão nos fala que existe muitos sóis cercados por planetas, e inclusive ele fala de uma lei na natureza, que expressa com muita semelhança o princípio da incerteza de Heisenberg. E por que não falarmos de Epícuro com o conceito de "climanem" que Prigogine associa as leis da termodinâmica e Demócrito com o conceito de átomos. Coincidências ?, ou fruto de um conhecimento que foi propositadamente apagado ?
    Meu caro Max, e as pirâmides de Cristal submersas perto de Cuba ?.

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