Lembram-se de Sakineh?
Corria o ano de 2010 d.C. e no malvado País do Irão um inocente rapariga que tinha assassinado o marido com a ajuda do amante foi presa e condenada a morte (no Irão é assim: matas? Morres).
Aqui, no evoluído Ocidente, começaram a circular versões assustadoras: Sakineh apedrejada, o advogado dela torturado…enfim, um típico caso de crueldade iraniana. Hillary Clinton, Amnesty International, Avaaz e muitos mais, todos juntos para impedir um apedrejamento que ninguém tinha sentenciado (a rapariga ia ser enforcada).
Sakineh hoje |
Moral da história: a pressão internacional foi muito forte e Sakineh, culpada de homicídio e adultério, fez 4 anos de prisão depois dos quais recebeu a amnistia. Hoje está livre, enquanto, segundo as últimas notícias, o ex-marido continua morto.
Passados 4 anos, eis um novo caso, sempre no malvado reinado do Irão: Reyhaneh Jabbari.
Segundo a versão circulada no avançado Ocidente, Reyhaneh foi acusada de ter assassinado um homem após este ter tentado viola-la. Reyhaneh teve que enfrentar o processo sozinha, sem advogados. Por fim, foi enforcada.
Muito triste, assim como triste é a última carta de Reyhaneh enviada para a mãe, Shole. Não leiam, nenhum coração humano pode aguentar aquelas linhas.
Esta, como afirmado, a versão que circula no Ocidente. E o Ocidente não mente, nunca. No máximo pode esquecer-se dalguns pormenores, mas mentir não.
Por exemplo: o Ocidente pode ter-se esquecido de mencionar o facto de que Reyhaneh comprou a faca com a qual matou o quase-violador alguns dias antes, mas este não é um facto particularmente significativo. Como insignificante é a mensagem enviada via telemóvel para um amigo, com a qual Reyhaneh anunciava a intenção de matar o alegado violador. Também sem importância são as facadas, todas nas costas da vítima.
Como afirmado, pormenores que não mudam a questão de fundo: a rapariga pode ter cometido um assassínio premeditado, esfaqueando nas costas um homem que nem tentou viola-la, mas moralmente Reyhaneh era inocente. Porque? Porque sim.
Infelizmente, os quatros advogados dela não conseguiram convencer os juízes.
Estes, machistas e ao serviço dum Estado cruel por definição, queriam sangue, o sangue duma assassina inocente.
E assim foi: Reyhaneh foi enforcada.
Muito triste.
Reyhaneh |
Nós gostamos de lembrar a assassina moralmente inocente Reyhaneh com a carta enviada para a mãe.
Esta carta foi trazida para o Ocidente por um grupo de voluntários que, provavelmente, arriscaram a vida para isso. São “pacifistas”, como afirma o americano Huffington Post.
Mais um pequeno esquecimento ocidental: o nome dos pacifistas é NCRI, National Council of Resistance of Iran, até 2012 considerado movimento terrorista pelos Estados Unidos mas agora grupo amigo e querido que recebe o apoio (e o dinheiro) dos políticos ocidentais.
A carta de Reyhaneh (e, sem dúvida nenhuma, escrita por ela) é terrível: nem tenho a coragem de propor-la aos Leitores, muitos não aguentariam. Eu mesmo tive que tomar uma camomila. Ler coisas como “Vês, eu nunca sequer matei os mosquitos e atirava para fora as baratas levantando-as pelas antenas” é demais, e não há coração que possa resistir (também é verdade que esfaquear um mosquito nas costas não é simples).
Enquanto os nossos rostos são molhados pelas lágrimas de dor, o pensamento voa até as 14 mulheres que na Arábia Saudita arriscam a decapitação com a acusação de feitiçaria e das quais o Ocidente não fala.
Olhem, um outro esquecimento.
E, se a nossa alma estiver contra a pena de morte, então o voo será até as 11 mulheres que nos Estados Unidos esperam de ser ajustiçadas: algumas são tão pobres que nem um advogado decente podem permitir-se.
Ops, mais um esquecimento.
Não seria mal organizar um movimento qualquer em favor destas mulheres, não acham? Mas também é verdade que o Ocidente não pode lembrar-se de tudo. Por enquanto, choramos o facto dum cruel País ter ajustiçado a autora dum assassínio premeditado.
Ipse dixit.
Fontes: National Council of Resistance of Iran, Il Tempo, Amnesty International, Sky Tg24, The Huffington Post, The Telegraph
Um abraço pelo post
Obrigado Carlos!
Abraço!!!
Não consegui reunir informação completa ou minimamente satisfatória sobre este caso.
A imprensa passa sobre ele com muita superficialidade e com os lugares-comuns habituais.
Pelo pouco que se pode perceber, o assassinato pode ter sido premeditado, o que não invalida que a rapariga estivesse sob assédio ou coacção do assassinado. Que não tenha havido tentativas anteriores de sexo forçado.
De qualquer forma, não estando em causa a pena de morte, que existe noutros países, o que foi colocado em causa pelas organizações internacionais de carpideiras, foi a existência objectiva de garantia dos direitos da acusada. Não sei se com razão ou sem ela.
Olá Anónimo!
O problema da violência sexual contra as mulheres nos Países islâmicos é sério. E, mais uma vez, as raízes disso podem ser encontradas na religião. Acerca disso, é simples encontrar na internet artigos delirantes, mesmo quando escritos por pessoas que supostamente deveriam saber o que dizem.
Exemplo, um artigo de Right Side News: "O Islão não considera o estupro como um crime contra a mulher. […] Em uma sociedade tribal, o estupro é um crime contra a propriedade e a honra".
Isso é falso: o Islão considera o estupro um crime contra a mulher, mas prova-lo é complicado e aqui está a dificuldade. Neste aspecto, o Islão teria que progredir, e de pressa também.
Todavia, no caso de Reyhaneh, é difícil saber se houve sexo forçado anteriormente: os media ocidentais nada dizem acerca disso. A mensagem que passam é que Reyhaneh "defendeu-se" matando o homem que tinha abusado dela, como se tudo tivesse acontecido na hora. O que não é assim, pois a premeditação não pode ser posta em causa.
O que tem de ser realçado, do nosso ponto de vista, é a maneira parcial com a qual, mais uma vez, os factos são relatados para espalhar uma ideia negativa e montar um protesto contra um País (e, indirectamente, contra biliões de pessoas que praticam a mesma fé).
Isso enquanto num outro País, com a mesma religião mas amigo do Ocidente, mulheres esperam a morte por um alegado crime que aqui faz sorrir (feitiçaria!). Mas neste caso não há movimentos humanitários, não há media, não há grupos de defensores dos direitos das mulheres: não há nada, só o silêncio.
Pergunto: é lógico defender uma mulher que, seja como for, premeditou e cometeu um assassínio enquanto ignoramos outras que apodrecem nas prisões, à espera da morte, mesmo que não tenham cometido crime algum?
Acho que certos princípios deveriam valer para todos e todas: mas a nossa sociedade ocidental parece ter outro ponto de vista.
Abraço!!!
Olá Max: a nossa sociedade teria outros pontos de vista se a vista dos pontos que avista não fosse a repetição de julgamentos de valor tomados como conhecimento isento, dados precisos, informações, e tudo de acordo com os interesses dos poderosos. Só tem um jeito de modificar este estado de coisas: inventar mecanismos de rebentar o que é dado como informação. Abraços