Férias no Inferno

Um feriado barato na miséria do povo,
eu não quero um feriado no sol,
eu quero ir para a nova Belsen,
Eu quero ver um pouco de história,
porque agora tenho uma grana razoável

Sex Pistols, “Holidays in the Sun (1977)

Em teoria, violência e turismo não se dão muito bem. Quando uma região turística mergulha numa guerra, tumultos ou actos de terrorismo, costuma ser abandonada.

Um País como o Egipto, em fase de profunda mudança após a “revolução” de 2011 e ainda politicamente muito instáveis, luta para reabilitar o sector do turismo, que é vital para a economia.

Mas nem tudo está perdido. Se os eventos esvaziaram os locais do turísticos tradicional, há sempre a possibilidade de explorar a violência e os horrores como forma de atracção turísticas alternativa. É um turismo macabro, sem respeito, mas nada que não possa ser vendido.

Surfin’ Revolutions

A agência Terre Entiére, por exemplo, oferece excursões organizadas que se concentram na recente “revolução”: no programa há  o encontro com os jornalistas, os activistas, bem como a visita da praça Tahrir.

Terre Entiére, após a atenção mediática, decidiu suspender as férias no Egipto, mas também aquelas no Líbia, no Sudão, no Mali, na Argélia do Sul e na Síria.

Pena, pois os clientes têm agora de abdicar das visitas em locais onde dezenas, centenas, até milhares de pessoas morreram por uma causa, uma ideia, onde houve sofrimento e desgraças. Tudo muito bonito, reconfortante.

E a agência de viagens francesa não é um caso isolado.

Os  Túneis de Ho Chi Minh

Esta rede de túneis destinados a proteger os guerrilheiros Viet-Cong agora é preservada pelo governo.

Algumas partes foram adaptadas para os turistas ocidentais, algumas secções dos túneis foram até alargadas para permitir a passagem dos grupos de curiosos, geralmente mais altos e corpulentos dos vietnamitas.

O caso do Vietnam é muitas vezes apresentado como um exemplo paradigmático do turismo num contexto de “pós-conflito”. Muitos veteranos americanos voltam regularmente para os locais da guerra e os vietnamitas adaptaram-se a esta dinâmica, reconstruindo em forma de parque temático um dos aspectos mais sangrentos da Guerra do Vietnam: os túneis de Cu Chi, localizados perto da cidade de Ho Chi Minh (a antiga Saigon).

O parque apresenta os túneis, mas também, abrigos, armas e diferentes meios de subsistência dos guerrilheiros Viet-Cong e nem faltam os vídeos.

Uma voz feminina, uma música popular como fundo, fala da região de Cu Chi antes da guerra como um espécie de Jardim do Éden; imagens de meninas encantadoras que recolhem frutas e borracha, as mesmas imagens reproduzidas no folheto publicitário.

O guia, vestido com uma farda norte-vietnamita, apresenta as armadilhas projectadas para capturar e matar os soldados americanos e, mais tarde, os turistas têm a oportunidade de passar por um túnel onde experimentar as armas ou usar as uniformes Viet-Cong para apreciar, como afirma o guia diz, “o gosto da guerra como um verdadeiro soldado”.

Em troca de alguns Dongs (a moeda oficial) adicionais, os turistas podem experimentar uma variedade de armas ainda maior.

Stalin World

Milhares de quilómetros depois e eis que encontramos o Stalin World.

Uma espécie de Disneyworld, na Lituânia, só que o tema aqui é Estaline.

Inaugurado em 2001, este parque temático contas o que os lituanos chamam de “ocupação soviética” do País, incluindo os aspectos mais negros, como as deportações da população para os gulags.

Durante os anos 1990, Villiunas Malinauskas fez uma fortuna com a exportação de cogumelos, bagas e caracóis; decidiu assim investir uma parte do seu capital na criação de um parque temático sobre este período da história, sentido por muitos lituanos como traumáticas. Cento e onze estátuas monumentais de figuras comunistas e mais de um milhão de artigos (selos, medalhas, moedas, etc.) foram reunidos neste parque localizado no meio de um pântano infestado de mosquitos.

Villiunas Malinauskas:

É história, autêntica, animada .. Por mais doloroso que seja! Por que devemos escondê-la? Em outros países como a Bielorrússia ou a Ucrânia, as estátuas ou foram roubadas ou destruídas…Para eles, a criação de um parque como este é impossível. A Lituânia, felizmente, chegou a tempo! […] Fui muito apoiado pela população. Foi feito um levantamento e 87% das pessoas responderam que era necessária uma tal parque.

A arquitectura do parque é baseada nos gulag. Torres de guarda rodeiam o local, altifalantes difundem continuamente propaganda Soviética; o centro de informações imita os centros culturais da década de 1940 e 1950; os caminhos na madeira que guiam os visitantes pelo parque são os mesmo dos gulags siberianos.

A cafetaria oferece aos visitantes menus Soviéticos exóticos, como o Nostalgija (salsicha, mostarda, anchovas e cebola), o Borscht (sopa com carne); e não pode faltar o cocktail Deer’s eye ( 2 dl de vodka pura).

Há também jogos que datam do período soviético, entre as árvores. O áudio-guia disponíveis para os visitantes explica:

Quando os visitantes chegam nas proximidade desses campos de jogo para as crianças, pensam que nós reconstruímos Disneyland. Mas não é Disneyland, estes parques de estilo soviético, muito simples, faz parte da nossa história, e queríamos mostrar como era.

As crianças podem assim divertir-se com os mesmos jogos utilizados pelos pais e pelos avós.

No Stalin World não falta um jardim zoológico (150 espécies de animais e pássaros) e estátuas de Lenine, Estaline, Brejnev. Talvez este parque permite aos lituanos enfrentar este período negro da história deles. Sem esta iniciativa, a maioria desses símbolos do passado, sem dúvida já teria desaparecido.

Pizza Gueto

Muitos são aqueles que recusam a considerá-lo como um local turístico. Mas coisa que não falta em
Auschwitz são turistas.

Desde o fim da guerra, o local recebeu 25 milhões de visitas e o historiador britânico Tim Cole, que também analisou a transformação da herança do Holocausto em atracção turística, adverte contra as distorções históricas que podem ser causada por tal dinâmica.

Auschwitz está cada vez mais desconectada da história original:

Tentar representar a complexidade deste passado com um parque temático contemporâneo tão mórbido tem consequências: este turismo de “passagem” ameaça banalizar o passado, domar o passado e, eventualmente, abandoná-lo completamente.

As teorias do historiador são certamente provocatórias, mas o processo de marketing que acompanha o lugar é uma realidade: a organização de eventos como “O funeral do menino” é um chamariz para turistas, não uma forma de respeito.
 
Um número crescente de locais de “terror” atraem o turismo, de acordo com a dimensão histórica: e a importância dessas novas atracções parecem ser proporcionais ao sofrimento que estes lugares testemunharam. São integrados num “mercado turístico”, o que representa ao mesmo tempo uma maneira de preservar a memória.

Vietnam, Lituânia e Polónia são um exemplo disso. O resultado é ambíguo: se ofendem e escandalizam, os parques do horror também permitem que as populações possam comparar-se com o passado, muitas vezes ainda doloroso. Numa sociedade como a nossa, onde tudo é mercificado e espectacularizado, a subtil linha entre dor e show-business pode ser um bilhete de entrada.

Ipse dixit.

Fonte: Visionscarto

One Reply to “Férias no Inferno”

  1. Olá Max: não esqueço que mal Kadafi havia sido assassinado e as empresas de turismo aqui no Brasil organizavam um turismo macabro, tipo turismo de guerra, para levar idiotas para ver as cidades destroçadas na Libia. Recentemente o local do WTC virou museu aberto interativo ( não me pergunta como fazem a interatividade), ou seja, mostruário do sofrimento das vítimas ali assassinadas. Deve ser o instinto mórbido e torpe de muitos fingindo obter informação. Abraços

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