O Nobel e o totalitarismo científico

Ciência?
Assunto complicado: perguntem a Randy Wayne Schekman, o biólogo celular estadunidense.

Foi laureado com o Nobel da Medicina em 2013, trabalha na Universidade da Califórnia em Berkeley, é membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unido. Recebeu uma enormidade de prémios e reconhecimentos.

Mas Schekman não está satisfeito, e o problema é mesmo isso: a Ciência.
Num recente artigo do jornal britânico The Guardian, afirmou:

A ciência está em risco; já não é de confiança porque está na mão duma casta fechada e não independente.

Sem dúvida, uma denúncia forte e corajosa contra o status quo e o conformismo vigente na chamada “comunidade científica”, tanto mais que estas declarações foram feitas por Schekman no mesmo dia em que recebeu o Prémio Nobel: não só o momento mais importante da sua carreira como pesquisador, mas também a altura de máxima visibilidade.

As observações de Schekman tinham sido precedidas (um par de dias) por aquelas de Peter Higgs, o cientista que se tornou famoso pela descoberta do bóson de Higgs: Higgs, sempre das colunas do Guardian, tinha denunciado o sistema das publicações científicas.
E Schekman concorda, pois compara as principais revistas científicas internacionais, como Nature, Cell e Science, a verdadeiros “tiranos”:

Publicam com base no appeal mediático dum estudo, e não por causa da sua relevância científica real. E, dado o prestígio, os pesquisadores estão dispostos a fazer qualquer coisa, até mesmo modificar os resultados dos seus trabalhos, para obter uma publicação. A tentação de ver o trabalho publicado nas revistas empurra esses pesquisadores a ajustar os resultados, para torná-los mais atraentes e “na moda”. Tudo isso, claro, à custa de descobertas menos “na moda”, mas talvez mais importantes e cruciais para o progresso.

Além disso, o biólogo também critica as editoras, que preferem pensar no lucro em vez do que no valor intrínseco dum trabalho. Antes o dinheiro, depois a ciência .

E como respondem as revistas? Em Italia, por exemplo, as declarações de Schekman foram publicadas por alguns diários, como Il Corriere della Sera: mas nas revistas “científicas” (Focus, Scienze, Query, etc.) nem um alinha. O silêncio.

Na verdade, tudo isso não admira: a chamada “ciência oficial” tem sido baseado inteiramente nos dogmas e na autoridade, o que nada a ver com a muito elogiada “liberdade de investigação”.
A pesquisa livre, de facto, é dificultada, pois pode pôr em causa as “verdades absolutas ” que a comunidade científica defende.

Na nossa sociedade,  a fé nos dogmas científicos substitui a superstição: é considerado implícito o facto da ciência nunca estar errada, ser sempre imparcial, e que afinal tudo pode ser feito em nome dela. Como também observa Schekman, a “ciência” de hoje baseia-se, mais do que nunca, no lucro e nas visões ideológicas, não na procura do progresso e da melhoria do ser humano e do meio ambiente.

Como a História ensina, a ciência não está sempre do certo, apesar dos nossos convencimentos.
Se a Ciência tem fomentado o progresso e a melhoria das nossas condições de vida (isso não pode ser negado), conforme descrito nos meios de comunicação ou nos livros escolares, também é verdade que nem sempre as acções dela foram positivas.

Exemplos não faltam: basta pensar na criação da bomba atómica, nas armas nucleares tanto em voga
na Guerra Fria; nos métodos muito pouco “humanitários” como a eugenia (ainda proposto pela defesa e uma boa parte da comunidade científica mundial ); na vivissecção; nos projectos sobre o controle das mentes dos anos 50 e 60.

Métodos que ainda são propostos e defendidos pela própria comunidade científica (o uso da eugenia propostos pelos “transumanistas” ou a infame vivissecção), na indiferença e no cinismo perante todas as formas de ética e empatia; e os dissidentes ainda são rotulados como “reaccionários” ou “inimigos do progresso”.

A visão neo-positivista da sociedade, que baseia-se no chamado “cientificismo” dominante  e que criou tantos prejuízos no final do século XIX e XX (ao ponto de ser relativamente abandonada após o fim da II Guerra Mundial) regressou e hoje em dia goza duma forte credibilidade e aceitação por parte da comunidade científica mundial.

Esta visão é baseada num um papel totalizante e totalitário atribuído à ciência, considerada a única garantia real para o funcionamento e o progresso da sociedade, e que transcende o papel atribuído à ética, considerada como um limite para os delírios do poder cientifico.

Como dizia um dos maiores cientistas modernos, Nikola Tesla:

A ciência não é senão uma perversão de si mesma , a menos que tenha como objectivo final a melhoria da humanidade.

Hoje a Ciência tem mais poder do que nunca e, como confirma Schekman:

As revistas científicas têm o poder de mudar o destino dum pesquisador e duma pesquisa, influenciando as escolhas de governos e instituições.

A Ciência, com as suas declarações, os seus dogmas, é uma autoridade capaz de influenciar as escolhas dos governos e das instituições, e se ela for manipulada por aqueles que guiam as principais revistas científicas, é automaticamente verdade que as declarações sobre temas sensíveis podem ser orientadas de acordo com a conveniências de governos ou das próprias instituições. É um círculo fechado e vicioso, no qual ambas as partes determinam e/ou apoiam os desejos da outra.
É uma ligação doentia: as declarações de Schekman fazem logo pensar nos temas mais escaldantes, como o aquecimento global, a gripe do vírus H1N1, a eugenia e todas as implicações malthusiana sobre a evolução.
O problema não é a Ciência em si, como conceito e como meio de progresso: o problema é a Ciência hoje.
Lado positivo: as palavras de Schekman, as palavras de Higgs, cedo cairão no esquecimento e tudo continuará como sempre. Alegremente, com imutada confiança.
Ipse dixit.

5 Replies to “O Nobel e o totalitarismo científico”

  1. O rigor cientifico termina quando começa a influência económica e financeira. Mas isso, nós já percebemos.
    O mesmo para o jornalismo, o mesmo para o desporto, o mesmo para a politica, para a educação e para tudo.
    A minha fé na ciência já lá vai há muito tempo.
    Desde a obsolescência programada, ao aquecimento global, fica claro o caminho da ciência actual.
    No entanto, é importante realçar que na camada significativa da população, a invocação do nome cientifico continua manter o mesmo nível elevado de aceitação.
    É vulgar ouvir-se a expressão: 'estudos científicos demonstraram' quando se referem a um liquido para lavar roupa ou loiça ou a uma dieta para emagrecer. E a malta compra porque os estudos científicos demonstraram.
    O que a malta quer é que os estudos científicos demonstrem. A partir daí podem dormir descansados.
    Um louvor para Randy Wayne Schekman, Peter Higgs, Luiz Carlos Molion, Gilles-Eric Séralini, Niels Harrit, entre muitos outros.

    Krowler

  2. Olá Max: a delinquência acadêmica começa na escola das primeiras letras, onde as avaliações do "marca com x a resposta correta" é mais um processo de adivinhação que a manifestação de alguma coisa aprendida.Continua na universidade com alunos fazendo cópias das cópias nos trabalhos de conclusão de curso e dizendo ter lido o que não leram, e seus professores exigindo bibliografias que desconhecem, e se valendo de trabalhos dos melhores alunos para engordar seus currículuns. Culmina nas equipes de pesquisa de doutorandos e doutores, cuja única curiosidade é saber qual linha de pesquisa dará mais lucro financeiro. Esses são em geral os fazedores de ciência, reverenciando -se uns aos outros e aos aprendizes de feiticeiros entre si,e reverenciados por todos que nunca viveram esse ambiente, e acreditam que ele seja digno de respeito. Abraços

  3. Olá Max: a delinquência acadêmica inicia na escola, onde demonstrar conhecimento é um jogo de azar de marcar com x a resposta certa. Continua na universidade onde os trabalhos de conclusão de curso são cópias das cópias, depois de uma experiência de representação, de uns fazendo crer que ensinam, e muitos dando a entender que aprendem. E culmina nas equipes de pesquisa de doutores e doutorandos aprendizes de feiticeiro, tanto uns como outros referindo-se a obras que não conhecem, e cuja única curiosidade é saber que linha de pesquisa está ocasionando mais lucro financeiro. Eis, em geral, os fazedores de ciência, reverenciando-se uns aos outros, em função da titulação e consequente poder de barganha. E quem nunca viveu neste ambiente, de uma maneira geral, tende a respeitá-lo. Abraços

  4. Nas Sociedades Tradicionalmente Poligâmicas apenas os machos mais fortes é que possuem filhos.
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    [obs: no entanto, para conseguirem sobreviver, muitas sociedades tiveram necessidade de mobilizar/motivar os machos mais fracos no sentido de eles se interessarem/lutarem pela preservação da sua Identidade!… De facto, analisando o Tabú-Sexo (nas Sociedades Tradicionalmente Monogâmicas) chegamos à conclusão de que o verdadeiro objectivo do Tabú-Sexo era proceder à integração social dos machos sexualmente mais fracos; Ver o blog «http://tabusexo.blogspot.com/»]
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    As sociedades economicamente/tecnologicamente mais evoluídas… são Sociedades Tradicionalmente Monogâmicas… o que, por sua vez, ajuda a legitimar o seguinte: criar condições para que machos (de boa saúde) – que embora sejam considerados 'descartáveis' segundo critérios das sociedades tradicionalmente poligâmicas – também possam ter filhos… é uma adaptação (na luta pela sobrevivência) válida!
    .
    .
    {Pelo Direito à Monoparentalidade em Sociedades Tradicionalmente Monogâmicas – blog «http://tabusexo.blogspot.com/»}

  5. Olá, sou ciêntista mas atuo do Lado das Ciências Humanas. A parte que fala sobre o interesse da ciência contemporânea é facil de ser explicado meus caros.

    Veja que como você mesmo diz, "a 'ciência' de hoje baseia-se, mais do que nunca, no lucro e nas visões ideológicas", de fato somos enganados pelo interesse mecanicista da Ciência, as exatas tornaram-se as percursoras da nossa escravidão. Chego nessa conclusão e explico-a em partes caso queiram, acredito que as faculdades atrapalham mais os meus estudos do que ajudam, esses e outros fatos podem ser explicados, somos escravos do tempo e do dinheiro, vivemos em um mundo de ilusão, devemos despir todo e qualquer pre conceito.

    http://semidealismo.blogspot.com.br/

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