Putin: porquê?

Vladimir Putin?
Um tirano, um oportunista, um déspota, um anti-democrático, praticamente um ditador segundo os media ocidentais.

Problema: na Rússia, a grande maioria dos eleitores gosta de Putin. E muito até.

A mais recente pesquisa do Instituto Vciom-Levada, considerado o mais confiável no País, credencia o líder do Kremlin dum índice de popularidade de quase 76 por cento (75,7% para sermos mais precisos). Sim, sem dúvida, o número cresceu após os factos da Crimeia: mas em Maio de 2012 já era 68,8 % e ,em média ao longo dos últimos 13 anos, esse número tem-se mantido mais ou menos estável, sempre acima de 60%.

Comparem com a popularidade dum Barack Obama, por exemplo: nas últimas sondagens (Outubro de 2013), apenas 42% dos entrevistados apoiavam as suas decisões, enquanto 51% declaravam como “não satisfatório” o trabalho do Presidente. O facto é que o Nobel da Paz fica apenas 5% acima do pior resultado de Bush.

Explicação? Complicada, pois as palavras têm um significado muito diferente quando pronunciadas em Lisboa ou em Moscovo.

Democracia? Para os russos comuns, especialmente na periferia do País, muitas vezes é uma palavra suja. A nova classe média? Nas margens do rio Moskva a palavra soa pejorativa. A arrogância do regime contra um оligarca democrático como Khodorkovsky, que queria desafiar Putin nas urnas? Para muitos nas redondezas do Kremlin é um acto de justiça contra os muitos oligarcas enriquecidos nunca saciados de dinheiro e poder.

Ucrânia, Crimeia, o preço do gás que aumenta…quase impossível entender-se.
E tudo começa nos anos noventa.

Na noite de 25 de Dezembro de 1991, os russos não conseguiam dormir. Um dia antes eram cidadãos dum País, a União Soviética, no dia seguinte já não. Foi um choque. Milhões de pessoas de nacionalidade russa encontraram-se abandonadas pela pátria, cidadãos em Países que não os queriam e que, muitas vezes (como aconteceu nas Repúblicas Bálticas), negou-lhes os direitos mínimos de cidadania. Mas não havia nem tempo nem força para lidar com isso.

Logo as coisas começaram a piorar. Chegou a política do Fundo Monetário Internacional, chegaram os Meninos de Harvard, tudo introduzido pelo governo de Boris Yeltsin: liberalização e privatização.

Era chamado de “terapia de choque”. Um choque no choque. A promessa era de que, no fim do túnel, haveria um País finalmente livre, democrático e próspero. Os russos confiavam, estavam prontos para sacrificar-se: pensavam que o Ocidente, depois de ter sido capaz de proporcionar bem-estar, democracia e justiça em casa própria, teria feito o mesmo com a Rússia.

A confiança desmoronou lentamente, sob os golpes da realidade.
Cedo percebeu-se que o Ocidente via na Rússia um novo território de conquista.

Sob os olhos de pessoas impotentes, para “o bem do País”, as empresas começaram a ser vendidas por um preço próximo do zero, entre 1,5 e 2 % cento do real valor. Ao todo, o Estado conseguiu da operação cerca de 10 % daquilo que poderia (e deveria) ter conseguido com a venda de empresas, bens móveis e imóveis.

As pessoas comuns receberam um pedaço de papel, chamado de voucher, que era o equivalente ao que era considerado “justo” segundo o mercado. Cada voucher valia 10 mil Rublos, 200 Euros no câmbio de hoje. Mas o valor real era muito mais baixo: os voucher eram vendidos nas esquinas em troca duma garrafa de vodka, três mil Rublos.

Como escreve a jornalista Naomi Klein no seu Shock Economy:

Em 1998 mais de 80% das empresas agrícolas russas foram à falência e cerca de 70 mil fábricas estatais foram fechadas: tudo isso resultou numa epidemia de desemprego. […] 74 milhões de russos viviam abaixo da linha da pobreza, segundo o Banco Mundial.

Não havia nenhum trabalho, os rapazes sonhavam a fuga e pediam computador, as reformas estavam atrasadas​​, os salários não chegavam: médicos, professores, engenheiros, quem podia procurava um emprego no estrangeiro.

As filas nas lojas tinham desaparecido, simplesmente porque tinha desaparecido o dinheiro para comprar. Floresciam lojas temporárias, nas ruas, onde tudo era pago em Dólares. Os hospitais nem os lençóis entregavam, o crime floresceu ao ponto que tornou-se muito arriscado sair à noite mesmo numa cidade como Moscovo.

Enquanto isso, o dinheiro foi para ​os bolsos de alguns empreendedores, que tornaram-se bilionários e poderosos, os chamados “oligarcas”.

Khodorkhovskij, por exemplo: quando foi preso em 2003, era o dono da Yukos, o terceiro gigante do petróleo do País, e tinha adquirido a empresa através da participação num leilão. Pormenor: ele era o dono do banco Menatep, que tinha organizado o leilão. Assim, conseguiu obter 77% das acções da Yukos com 309 milhões de Dólares. E dado que o valor real era de cerca de 30 biliões de Dólares, entrou directamente na lista dos homens mais ricos do mundo (segundo Forbes).

Isso é o que vêem os russos.
Quando Putin foi para o poder, reencontraram um pouco de confiança.

De acordo com Freedom House e outras organizações sem fins lucrativos, Putin é um político oligárquico e autoritário, com contornos ditatoriais. Putin e o seu governo são também acusados ​​de inúmeras violações de direitos humanos e de limitar a liberdade de expressão.

Pode ser.
Mas agora os russos têm comida nas lojas e dinheiro para adquiri-la. Recebem reformas e ordenados. E também a criminalidade baixou: no ano 2000 houve mais de 41.000 homicídios; em 2010, menos de 19.000.

Segundos o dados da CIA, em 2010 a Rússia tinha 13.1% da população abaixo a linha de pobreza (  2 Dólares por dia): nos Estados Unidos, a percentagem era de 15.1%.

A Rússia apresenta uma taxa de crescimento entre as mais elevadas no Mundo.
E ainda não invadiu um País estrangeiro, nem tem tropas que controlam os cultivos de opio.

Há Nobels da Paz que não podem dizer o mesmo.

Ipse dixit.

Fontes: La Voce della Russia, Il Venerdí di Repubblica (pagg. 24-25), Wikipedia: List of countries by percentage of population living in poverty (versão inglesa)

5 Replies to “Putin: porquê?”

  1. Parabéns pela postagem, Max! Se todas as pessoas tivessem consciência do que se passa no mundo, onde heróis se tornam vilões e vilões se tornam heróis, onde tentam de tudo para jogar na lama a reputação de pessoas que inegavelmente trouxeram um pouco de esperança para seu povo. Não estou dizendo apenas de Putin, mas de tantos outros que ousaram lutar contra o poder estabelecido e acabaram pagando com sua reputação ou até com sua própria vida. Aprendi que se o quarto poder, a mídia, está falando mal de alguém, é fato que algo de bom para seu povo aquela pessoa está a fazer. Quase sem exceções eu digo isso.

  2. Valei simplesmente pela contra propaganda sionista. Já é um começo para um assunto tão desprezado. Existem muitas questões envolvendo as nuances de poder entre USA e Rússia que nascem e morrem no âmbito da diplomacia. A guerra fria continua sendo praticada sob outra roupagem. Os "conflitos" de interesses são dimensionados sob a forma de um pseudo antagonismo. Tenho a nítida impressão de que a Rússia desempenha uma simples função, sendo na realidade dominada pelo mesmo poder.Uma equação de poder desenvolvida e negociada desde o enfraquecimento do regime soviético, entre sucessores dos czares e judeus sionistas. russos…Eis a questão!!

  3. Olá Max: para não repetir, faço meu o comentário do Ernesto Augustos, e acrescento que há de se salientar a inteligência e real liderança de Putin no que concerne às relações exteriores, ao contrário do fantoche da casa branca, que apenas consegue tornar o genocídio e o terrorismo de Estado a grande pauta "diplomática". Abraços

  4. http://rt.com/usa/us-democracy-oligarchy-policy-512/
    Ler o PDF que veio de um estudo da universidade de Princeton…
    Aliás no google: usa is an oligarchy+princeton.
    Chaplin, embora possa aparentar…não estão todos no mesmo domínio(sionista+lobbies e grupos de pressão). A Rússia e outros vão seguir caminhos diferentes. Estão se a acelarar os processos é verdade. Quem perde e ganha com isso? É muito mais confuso e complexo no extremo oriente p.ex a influência deles é quase nula.
    Quanto a comparar Putin com o Obama o prémio nobel da paz!!! Peço desculpa prefiro o Putin à marioneta do complexo militar industrial, lord of the drones etc
    Cumprimentos
    Nuno

  5. Valeu Nuno, mas observe que as aparências, pelo contrário, procuram mostrar um antagonismo, que pode desvirtuar a realidade. São questões blindadas pelo poder e que a propaganda faz o trabalho sujo de inverter a lógica dos processos. Não esqueçamos que o "bem"(tese) precisa produzir o "mal" (antítese)para que justifique futuras intervenções (síntese). Abraço

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