A Nova (e curta) Era do Petróleo

Os Estados Unidos irão ultrapassar a Arábia Saudita e a Rússia no mercado mundial do petróleo?

A Agência Internacional de Energia (AIE), no seu World Energy Outlook, publicado em Novembro, diz que sim: os EUA vão ultrapassar a Rússia como principal País produtor de petróleo do mundo em 2015.

O relatório já fez correr rios de tinta: o sonho da independência energética de Washington parece mais próximo, a economia russa, fortemente dependente de petróleo e do gás, destinada a entrar em colapso. E para nós: gasolina mais barata.

É verdade que houve um grande salto na produção de petróleo e de gás nos Estados Unidos. A letra mágica é a F de fracking ou fracturamento hidráulico: um cocktail de água e produtos químicos disparados nas formações rochosas de xisto, libertando petróleo e gás. Além disso, os Estados Unidos vão avançar com um novo tipo de perfuração, a horizontal, que permite que um poço vertical seja aproveitado ao máximo. É a técnica da toupeira.

O presidente dos EUA, Barack Obama, espera que o fracking transforme os EUA na “Arábia Saudita do gás”. Outros são mais directos ainda: os Republicanos, apresentando um projecto de lei que permitiria a exportação de gás dos Estados Unidos, acreditam que as novas regras “irão promover a segurança energética dos principais aliados dos Estados Unidos, ajudando a reduzir a dependência do petróleo e do gás russo e iraniano”.

Pai Natal parece ter chegado mais cedo este ano: prendas para os bons
(nós, claro), carvão para os outros. Afinal sonhar não custa. Mas a
realidade é talvez um pouco diferente: existem alguns problemas.

Primeiro: os produtos químicos utilizados no fracking são extremamente perigosos e podem contaminar a reserva de água no terreno. Os residentes nas áreas onde o fracking é praticado queixam-se de que as fontes de água tornaram-se não utilizáveis.

Segundo: o fracking ainda é caro. Não é suficiente fazer um buraco no chão e começar a recolher o petróleo: são precisos produtos  específicos, é precisa energia para extrair cada gota de líquido.

Terceiro: a perfuração horizontal ou o clássico fracking “vertical” tem curta duração. Segundo Route Magazine, haverá picos de produção durante um ano ou dois, mas, no médio prazo, o fluxo inicial será reduzido até esgotar-se:

A duração total prevista dos poços de xisto no Texas é cerca de oito anos. As empresas de perfuração devem investir continuamente em novos poços ou reabrir os antigos. Em comparação, os poços perfurados convencionais mostram uma duração de 20-30 anos.

Apesar do fracking: os preços sobem

O factor mais importante que nega um boom do óleo de xisto e mantém os preços altos é a insaciável procura energética dos Países emergentes. Com o comércio global de energia já reorientado do Atlântico para a região da Ásia-Pacífico, a China está prestes a tornar-se o maior importador de petróleo do mundo.

E em 2020, a Índia deve tornar-se a principal fonte de crescimento da demanda mundial de ouro negro, diz a AIE: e também está no caminho certo para tornar-se o maior importador de carvão, sempre na mesma altura.

Um desenvolvimento interessante acontece no Oriente Médio, que se afirma como um importante centro de consumo, surgindo como o segundo maior consumidor de gás em 2020 e o terceiro maior consumidor de petróleo até 2030. A AIE diz que o centro de gravidade da procura de energia vão ser as economias emergentes: em 2035 serão responsáveis ​​por mais de 90 por cento do crescimento na procura de energia.

Assim, mesmo que os Estados Unidos fossem capazes de inundar o mercado com o novo petróleo, a China, a Índia e outros Países em fase de franca expansão absorverão a maior produção.

O factor Arábia

Embora não seja mais tão dominante como nos anos anteriores, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), liderada pela Arábia Saudita, ainda é um elemento-chave no negócio do petróleo.

A Arábia durante décadas sofreu os termos ditados pelos Estados Unidos para a sua segurança: é um facto que a família real al-Saud não duraria uma semana sem a protecção de Washington.

Na década de 80, os EUA exerceram pressão sobre a Arábia Saudita para abrir os recursos petrolíferos do reino e inundar os mercados mundiais com petróleo barato, deprimindo os preços. Isso para danificar a economia soviética, coisa que os sauditas cumpriram alegremente.

Com o fim da União Soviética e perante do enorme buraco no orçamento domestico, os sauditas já não estão tão interessados em reduzir o preço do petróleo. E não vão reduzir.

A Revolução Russa

A grande novidade no fronte oriental é a aceleração, especialmente da Gazprom, na produção de petróleo na Rússia, com um novo recorde pós-soviético de 10.59 milhões de barris por dia em Outubro de 2013. A aceleração chegou contrariando todas as previsões dos analistas ocidentais. E Moscovo planeia mais investimentos (chineses) para explorações adicionais.

Em Junho de 2013, a Rosneft, maior produtora de petróleo do mundo, concordou entregar à China National Petroleum Corp 300.000 barris de petróleo por dia para um período de 25 anos, um acordo no valor de 270 mil milhões de Dólares. Muitos outros negócios, celebrados pela relativamente pequena rival Gazprom com refinarias chinesas, direccionarão o petróleo e o gás, originalmente planeados para o Ocidente, para a voraz máquina de produção chinesa.

O xisto: a não viragem

Mas vamos ao que interessa: o dinheiro.
A “nova vaga” dos EUA  provocará uma baixa dos preços? Não.

Como já observado, o boom de xisto será um fenómeno limitado no tempo.

Mas mais do que isso, o aumento da produção não vai significar preços baixos porque tudo o que for produzido pelo EUA será consumido internamente. É simplesmente a substituição do petróleo canadiano e venezuelano pelo produto local. E uma vez que o petróleo é um bem internacional, não haverá impacto significativo sobre os preços.

Os Estados Unidos não se tornarão um grande exportador de energia, portanto o xisto betuminoso não será o ponto de viragem.

Nos outros Países do Ocidente, a situação é ainda mais complexa.
Há importantes movimentos anti-fracking na Europa, muitos Países abandonaram os projectos irrealistas sobre o xisto, apesar dos preços da energia na Europa serem mais elevados quando comparados com os dos EUA.

A Alemanha estabeleceu fortes barreiras contra o fracking, o mesmo aconteceu na França, na Italia.
Os únicos apologistas do fracking na União Europeia são os Ingleses, fortemente influenciados pelas empresas norte-americanas que procuram vender equipamento de perfuração. Mesmo assim, também na Grã Bretanha há fortes resistências populares. contra as perfurações.

Apesar de tudo…

Tudo mau então?
Não propriamente: tentamos ver as coisas duma forma positiva.

O fracking é arriscado para o meio ambiente e causa terremotos, isso é verdade. Torna a paisagem uma espécie de queijo suíço e da torneira de casa saem chamas que dão para fazer um churrasco. Admitimos: podem não ser coisas simpáticas. A não ser que se goste muito de churrasco.

Mas se os Estados Unidos continuarem no programa de exploração de xisto, algo de bom até pode surgir.
Com a auto-suficiência (ou quase) do maior importador do mundo, vai acabar a época em que a Arábia Saudita pode influenciar os preços no mercado mundial de petróleo.

Junto com isso, vai acabar a capacidade do reino de exportar o outro grande “bem”, o fundamentalismo Wahhabi.

Ipse dixit.

Fontes: Russia and India Report, Route Magazine, U.S. Energy Information Administration – Short‐Term Energy Outlook Supplement: Key drivers for EIA’s short‐term U.S. crude oil production outlook (ficheiro Pdf, inglês)

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