Sudão: as notícias e a realidade

Pegamos em alguns dos mais lidos diários de Portugal e procuramos as notícias das últimas revoltas no Sudão:

Público: zero.
Diário i: zero.
Correio da Manhã: zero.
Expresso: uma notícia, esta:

Pelo menos 29 pessoas foram mortas ao longo de três
dias de protestos antigovernamentais no Sudão, segundo indicaram hoje à
agência AFP fontes hospitalares.
“Nós recebemos os corpos de 21 pessoas” desde que
começaram as manifestações, na segunda-feira, contra o fim das
subvenções sobre os preços dos combustíveis, declarou fonte do hospital
de Oumdurman. Outras oito pessoas morreram em todo o país, segundo testemunhas e familiares.

Diário de Notícias: uma notícia, esta:

Pelo menos 29 pessoas foram mortas ao longo de três dias de protestos antigovernamentais no Sudão, segundo indicaram hoje à agência AFP fontes hospitalares.

“Nós recebemos os corpos de 21 pessoas” desde que começaram as manifestações, na segunda-feira, contra o fim das subvenções sobre os preços dos combustíveis, declarou fonte do hospital de Oumdurman.

Outras oito pessoas morreram em todo o país, segundo testemunhas e familiares.

Estas manifestações são as piores desde que o Presidente Omar al-Bashir tomou o poder em 1989.

O
preço da gasolina nas bombas subiu de cerca de 2,83 dólares (2,09
euros) para cerca de 4,71 dólares (3,48 euros) por galão, o equivalente a
cerca de 3,7 litros. A inflação no Sudão ronda os 40 %.
O Presidente Bashir disse, no domingo, que os subsídios atingiram “um nível que é perigoso para a economia”.

Ou seja: a mesma notícia, com a mesma fonte, neste caso a France Presse. O Expresso teve a decência de acrescentar alguns dados, tanto para ter uma ideia do que se está a falar.

Sol: uma notícia, esta:

Pelo menos 29 pessoas foram mortas ao longo de três dias de protestos
antigovernamentais no Sudão, segundo indicaram hoje à agência AFP fontes
hospitalares.
“Nós recebemos os corpos de 21 pessoas” desde que
começaram as manifestações, na segunda-feira, contra o fim das
subvenções sobre os preços dos combustíveis, declarou fonte do hospital
de Oumdurman.
Outras oito pessoas morreram em todo o país, segundo testemunhas e familiares.
Estas manifestações são as piores desde que o Presidente Omar al-Bashir tomou o poder em 1989.
O
preço da gasolina nas bombas subiu de cerca de 2,83 dólares (2,09
euros) para cerca de 4,71 dólares (3,48 euros) por galão, o equivalente a
cerca de 3,7 litros. A inflação no Sudão ronda os 40 %.
O Presidente Bashir disse, no domingo, que os subsídios atingiram “um nível que é perigoso para a economia”.
O
Sudão perdeu milhões de dólares em receitas de petróleo quando o Sudão
do Sul se tornou independente há dois anos, levando consigo
aproximadamente 75 % da produção de petróleo do país anteriormente
unido.
Desde então, o Sudão debate-se contra uma inflação elevada,
uma moeda enfraquecida e escassez de dólares para pagar as importações.

Mais uma vez: a mesma notícia, com os mesmos pormenores fornecidos pelo Expresso. Notar que neste caso a fonte é a Agência Lusa. A qual, evidentemente, outra coisa não faz a não ser relançar os despachos da France Presse.

Esta é a informação que temos. Pega-se numa notícia fabricada não sabemos onde e repete-se vezes sem conta, até que todos os Leitores sejam capazes de repeti-la em coro. E paciência se a verdade for um pouco diferente: afinal o Sudão fica longe, quem se rala?

A propósito: vamos ver o que realmente aconteceu naquele longínquo País?

O petróleo, a revolta 


A vaga de protestos no Sudão causou 140 mortes em apenas 4 dias.

A situação é precipitado entre os dias 24 e 25 de Setembro, após o anúncio da suspensão dos subsídios aos combustíveis para a população. O preço da gasolina mais do que duplicou e milhares saíram às ruas em todo o País, a partir de Cartum (a capital), Omdurman, Port Sudan, Wad Madani, até o Sudão do Sul, no Darfur, em Nyala e muitos outros centros urbanos. Foram atacados edifícios governamentais, esquadras da polícia e muitas bombas de gasolina.

Pormenor interessante: isso acontece em quanto na Europa o preço da gasolina desce de forma significativa. Ou seja: alguém tem que pagar.

Em apenas dois dias foram mortas de acordo com Amnesty Internacional, mais de 50 pessoas, mas o total já ultrapassa amplamente a centena: o total seria de 140 mortos segundo as últimas informações, com 700 pessoas presas. Só em Omdurman contaram-se 36 cadáveres, por isso a oposição desconfia que o número das vítimas reias seja bem maior.

Os mortos foram sobretudo jovens entre 19 e 26 anos.

Apesar de internet ter sido bloqueada pelo governo e enquanto os diários podem publicar notícias “autorizadas” por fontes oficiais, a eco dos acontecimentos está a aumentar.

Mas quais as razões dos protestos?
Vimos como o preço da gasolina aumentou muito, mas a realidade é que a sociedade civil do Sudão não tem a intenção de ser submetidas aos aumentos provocados pela desvalorização da Libra Sudanesa e pela crise galopante, agravada pela separação do Sul, o que levou à perda de enormes receitas derivadas do petróleo. As manifestações pacíficas contra a pobreza e pelos direitos básicos têm sido reprimida com uma violência sem precedentes .

Nos confrontos entre estudantes e forças de segurança em Darfur entre Janeiro e Fevereiro de 2012, foram usadas bombas de gás lacrimogêneo e armas de fogo. Em 2013, a táctica parece ter sido a mesma: uma reacção desproporcionada .

No entanto, apesar da mão pesada do governo, grupos universitários e representantes dos partidos da oposição afirmam que a revolta não vão desistir. Após os acontecimentos dos últimos dias, os dissidentes sudaneses, cansados ​​do regime, está a planear um novo protesto anti-governo no centro da capital.

O alarme cresce, pois sob acusação estão os serviços nacionais de segurança e de inteligência (NISS),
que geralmente usam um punho de ferro contra os opositores e os activistas políticos, aos quais não são poupados abuso de vários tipos. A utilização de sistemas tais como a detenção em massa e a tortura, é comum, enquanto como elemento dissuasor é utilizada a detenção em massa dos jovens universitários: estes ficam presos sem a possibilidade de comunicar com parentes e advogados.

O Sudão é oficialmente uma república federal, as na realidade é uma ditadura militar, imposta com um golpe em 1989. O golpe levou ao poder o ainda presidente do Sudão e do Partido do Congresso Nacional, Omar al-Bashir.

Um pouco diferente do “29 pessoas foram mortas ao longo de três
dias de protestos”, não é?
Paciência: o Sudão fica tão longe…

Ipse dixit.

Fontes: Público, Diário de Notícias, Expresso, Sol, Diário i, Correio da Manhã, Limes, Wikipedia (versão portuguesa), France Press (versão portuguesa)

4 Replies to “Sudão: as notícias e a realidade”

  1. Por isso é que não compro nem leio jornais. Pura perda de tempo e de dinheiro.
    Na televisão o espectáculo repete-se. Compram-se às agências as noticias pré-fabricadas, tipo fast food, e toca a despejar numas folhas de papel ou no ecran. O que importa é dar dividendos aos accionistas. O outro objectivo é desinformar.
    Mas apesar disso, os jornais têm alguma utilidade: Dão para limpar vidros, fazer compostagem caseira, aviões de papel de fraca qualidade, etc. etc.

    abraço
    Krowler

  2. Olha Krowler: aqui em casa os jornais tem uma ótima utilidade: com eles se recolhe as fezes dos cães de Terra Âncora.
    Mas, Max, quanto ao Sudão, penso que a desestabilização era um dos objetivos das "potências" para não dizer dos executivos do petróleo a nível global, com relação ao fomento na separação em dois Sudões.Um objetivo, diga-se de passagem, sempre e facilmente alcançado em vários cantos do mundo. Abraços

  3. Relativamente à questão do petróleo, e porque o famoso petróleo derivado do óleo de xisto parece ser um fiasco monumental, quer do ponto de vista de rentabilidade( gasta-se uma unidade energética para se obter 2.5) quer do ponto de vista de escassez( ao que parece não é assim tão abundante quanto faziam querer), há que atacar no petróleo convencional, esse sim, mais abundante e muito mais rentável.
    Para isso, é necessário ir onde ele está, custe o que custar.
    O Sudão está a pagar o seu preço, assim como a Líbia e todos os países que tenham reservas petrolíferas.

    Krowler

  4. Um dia, o José Alberto Carvalho disse que era do tempo em que os jornais se distinguiam pelo que tinham de diferente, não pelo que tinham de igual.
    A frase diz tudo.

Obrigado por participar na discussão!

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