Breve mas interessante história da economia – Parte II

Querido Leitor,

hoje vamos falar dum fulano que é pouco conhecido, daqueles que aparecem pouco na televisão, mas que tem a importância dele. É um dos homens que permite entender porque hoje há uma queda nas vendas e nas rendimentos, porque temos que despedir e fazer uma vida negra.

Como se chama? Thomas Robert Malthus. Aliás: chamava-se, pois morreu há alguns tempos, acerca de 200 anos mais ou menos. Este era um autêntico sacana, mas mesmo um daqueles…
O que tem a ver um sacana de 200 anos atrás com a nossa vidinha? Tem, e muito até.

Malthus sempre viveu na Inglaterra, entre 1776 e 1834: era filho duma família abastada, o pai dele era amigo pessoal do filósofo David Hume e tinha contactos com Jean-Jaques Rousseau. Malthus (o filho) estudou no Jesus College de Cambridge, ganhou prémios em inglês, latim, grego, adorava a matemática e, uma vez licenciado, tornou-se pastor anglicano. Uma boa vidinha, num bom ambiente.

Normal, portanto, que as ideias de Malthus fossem um pouco diferentes daquelas da maioria da população, os que trabalhavam. Por exemplo: havia pobreza e sofrimento? Eis a solução de Malthus: encurtar a vida dos infelizes, reduzir a alimentação deles, não permitir muitos filhos. O que até faz um certo sentido: um pobre morto é um pobre a menos, é uma questão de lógica.

Mas além destes pormenores, Malthus é importante porque foi o primeiro economista a entender que, sem a criação das condições que permitem aos consumidores terem dinheiro para comprar os bens, a economia entra em colapso. Simples, não é? Dito de outra forma: é o que hoje chamamos da queda da “demanda”. Em economia, a “demanda” significa uma procura por parte do público para a aquisição de coisas (mercadorias, serviços): que podem ser compradas quando houver dinheiro para gastar. Não há dinheiro? Não há demanda, muito simples.

Mais precisamente, falamos de “demanda agregada”, isto é, o conjunto de pedidos para a aquisição de bens e serviços por parte de todos os cidadãos e empresas num País. Eu quero comprar um carro, o Leitor um frigorífico, outro Leitor quer ir ao dentista…tudo isso faz parte da demanda agregada. Obviamente, se houver uma queda nesta “demanda agregada” (como hoje na Zona NEuro, por exemplo) porque não há dinheiro para gastar, há também uma queda das vendas; e com a queda das vendas há o colapso das empresas; e se as empresas ruírem, os donos despedem o pessoal: é o colapso da economia do País.

Portanto, uma Nação saudável terá sempre uma boa “demanda agregada”. E como obter isso? Simples também: fazer que o maior número de cidadãos tenha uma ocupação e um bom salário. É exactamente o oposto do que está a acontecer hoje na Zona NEuro.
Ok, de volta ao simpático Malthus.

Malthus entendeu uma coisa elementar: antes deve haver os rendimentos, depois as vendas. Não podem existir vendas sem antes haver um rendimento para ser gasto. Ele percebeu que se a burguesia industrial produzir novos bens, deve haver alguém com um rendimento que permita gastar e comprar, ou seja, deve haver uma “demanda”, caso contrário a economia fracassa.

Este facto é inquestionável, mas a solução de Malthus não era sobre como conseguir um rendimento para o povo, nada disso: ele pensava criar uma classe ainda mais numerosa de parasitas (nobres, por exemplo), com rendimentos parasitas, para poder vender tudo o que a rica burguesia produzia. Engraçado, não é? Tudo bem, se calhar como solução pode não ser a mais popular, no entanto a intuição estava certa: primeiro os rendimentos (a “demanda”!), depois as vendas.

Malthus encontrou outro conceito-chave. Hoje muitos economistas que frequentam as cantinas do FMI ou da Zona NEuro ainda acreditam que seja suficiente estimular a produção de bens e serviços para que, de forma quase automática, possam existir pessoas que os compram.

Uma besteira enorme, porque podemos preencher as prateleiras do supermercado, mas se o Leitor não tiver um ordenado decente o supermercado vai permanecer cheio. De mercadoria, não de pessoas. E, querido Leitor, esta ideia persiste na cabeça de alguns economistas pelo menos desde o então presidente dos EUA, Ronald Reagan.

Malthus, já no final de 1700, tinha percebido o nível de absurdidade deste conceito: de facto, disse que estimular os burgueses da altura para abrir fábricas ou fazer comércio nas Índias nunca teria criado compradores suficientes.

Solução? Segundo Malthus, como vimos, o ideal seria eliminar os mais pobres e deixar viver os mais ricos. Afinal falamos de poucos biliões de pessoas, nada de grave. Um pouco radical? Talvez, mas o que conta é que Malthus tinha individuado alguma coisa, tão óbvia ao ponto que ainda hoje não é aceite por parte de todos: sem a criação antes dos rendimentos e só depois da oferta, nenhuma economia pode funcionar.

Agora o querido Leitor pergunta: “Sim, mas porquê tudo isso é relevante hoje?”.
Por duas razões: 

a.) Leiam as notícias na internet. Não as notícias da informação alternativa, leiam as estatísticas oficiais: 1% da população fica cada vez mais rica, enquanto os outros ficam mais pobres. É a solução Malthus.

b.) Lembrem o que diz o coro dos tecnocratas que gozam connosco: diminuir os salários, diminuir as reformas, impedir que o Estado ajude os rendimentos. Parece o exacto oposto da receita de Malthus: menos rendimentos significa menos demanda agregada. A austeridade é o contrário de quanto indicado por Malthus. E os resultados são desastrosos, nem poderia ser de forma diferente. Faz sentido? Talvez, com o seguinte ponto.

c.) Lembrem também de quanto afirmado pelas estatísticas: o 1% fica cada vez mais rico. Isso significa que a classe burguesa desaparece, enquanto a classe elitária não fica preocupada com isso, pois continua a ter dinheiro, e muito até.

Alguns títulos dos últimos meses.

A Audi acrescentou doze turnos extras neste primeiro trimestre do ano na fábrica de Neckalsum, na Alemanha, e está planejando aumentar ainda mais no mês de abril devido ao aumento da demanda dos modelos A6 e A7.
(AutoEstrada, 23.03.2013)

BMW atinge lucros recorde de 5,1 mil milhões em 2012
(DinheiroVivo, 14.03.2013)

BMW e Audi aumentam vendas a nível mundial
(Público 10.12.2012)

Bentley aumenta úteis e facturado
(DeLuxeBlog, 21.03.2013)

Vendas da Lamborghini crescem 30% em 2012
(AutoViva 12.03.2013)

Audi, BMW, Bentley, Lamborghini…não são propriamente Fiat ou Renault, não é? E quem pode adquirir um Lamborghini? Um indivíduo da classe média? Parece complicado.

Assim, para resumir, se conhecermos as ideias do Sr. Thomas Robert Malthus, podemos entender os fenómenos-chave que devastam o mundo ocidental de hoje. O fenómeno a), que vai na direcção de Malthus, os fenómenos b) e c) que…também.

Isso é Malthus.
E da próxima vez? David Ricardo.
Que assim seja.

Nota final: o artigo original acaba de forma diferente. O jornalista Barnard vê dois pontos-chave, o a) e o b), que julga serem contrastantes. Mas isso cria uma situação na qual os ditos tecnocratas parecem proceder sem ter um desenho bem definido (mera incapacidade). É uma possível interpretação, assim como a minha, com a qual, pelo contrário, quis sugerir um objectivo para este processo todo.

Ipse dixit.

Relacionados: Breve mas interessante história da economia – Parte I

Fontes: Paolo Barnard, AutoEstrada, Dinheiro Vivo, DeLuxeBlog, AutoViva, Público

3 Replies to “Breve mas interessante história da economia – Parte II”

  1. Malthus apresentou um futuro negro para a Humanidade, pois, segundo a sua teoria, a população crescia exponencialmente e os recursos de forma linear. Isto significa que, passando a população o limiar dos recursos, se instalaria a miséria, fome e guerra entre os seres humanos. Com vista a preservar a estabilidade social, defendeu ideias controversas, mas também desumanas, que giravam em torno de “se não és capaz de dar à sociedade mais do que ela te dá a ti, então não mereces viver”.

    “Portanto, uma Nação saudável terá sempre uma boa "demanda agregada". E como obter isso? Simples também: fazer que o maior número de cidadãos tenha uma ocupação e um bom salário. É exactamente o oposto do que está a acontecer hoje na Zona NEuro.”

    É verdadeira a ideia que uma nação saudável terá uma boa procura agregada, porém o inverso não é verdade. Isto é, estimular a procura agregada não garante que a economia fique saudável.

    Y = C + I + G + X – M

    Julgo que já terá visto esta equação em algum lado. Todas estas variáveis têm um valor maior ou igual a zero, pelo que a única parcela que diminui o valor do Y (PIB, igual à procura agregada) é o M, importações.

    O C é a variável chave para quem procura estimular a procura de um país. Todos os aumentos do C terão uma de duas vias. Por um lado, poderá ser consumido um bem produzido internamente. Por outro, um bem produzido no exterior do país, pelo que este aumento representará um automático aumento do M; isto é, o PIB ficou na mesma. Em Portugal, por exemplo, um aumento do C, por norma, aumenta o M em 40-60% do valor do aumento de C.

    Até aqui tudo bem: estimula-se a procura e cerca de metade do estímulo reverter-se-á diretamente para a economia. Mas falta, então, falar do X, as exportações. Para M > X, o país precisa de captar poupança externa para suportar o excesso de procura interna, quer seja através de investimento direto estrangeiro, quer através da contração de dívida. Isto significa que estimular a procura interna é, na realidade, uma faca de dois gumes: por um lado estimula a produção interna; por outro, o país pode endividar-se ao exterior.

    Em Portugal, foi seguida a via do estímulo da procura interna até à entrada do novo governo. Com isto, Portugal registou um saldo da balança corrente e de capital (de forma simplificada, o M > X) durante décadas, elevando a dívida total externa a níveis astronómicos.

  2. «Malthus apresentou um futuro negro para a Humanidade»
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    -> Apresentou um futuro negro para a Humanidade… mas não… para a superclasse!
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    Países em vias de ´Detroitização' [Portugal e não só]: implosão de Identidades Autóctones… e caos financeiro.
    [obs: Nações… a caminho de… tornarem-se 'Estados Mercenários']
    -> A superclasse (alta finança internacional – capital global) ambiciona a 'Detroitização' de vastas áreas do planeta.
    -> Pode-se ver, por exemplo, «aqui» o "paraíso" que é Detroit -> um caos organizado por alguns – a superclasse.
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    Nota:
    1- a superclasse não só pretende conduzir os países à implosão da sua Identidade (dividir/dissolver identidades para reinar)… como também… pretende conduzir os países à implosão económica/financeira…
    2- a superclasse é anti-povos que pretendem sobreviver pacatamente no planeta…
    3- a superclasse apoia aqueles… que estão numa corrida demográfica pelo controlo de novos territórios.
    4- o caos proporciona uma OPORTUNIDADE à superclasse: um Neofeudalismo – uma Nova Ordem a seguir ao caos…
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    P.S.
    Toca a abrir a pestana: existe por aí muito político cujo 'trabalhinho' é abrir oportunidades para a superclasse:
    – privatização de bens estratégicos: combustíveis, electricidade… água…
    – caos financeiro…
    – implosão de identidades autóctones…
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    —>>> Resumindo: não sejamos uns 'parvinhos-à-Sérvia' (vide Kosovo), antes que seja tarde demais, há que mobilizar aquela minoria de nativos europeus que possui disponibilidade emocional para abraçar um projecto de Luta pela Sobrevivência… e… SEPARATISMO-50-50!

  3. Olá Max: in-te-res-san-tís-si-mo!! Porque joga uma interpretação crível naquilo que vejo aqui no Brasil.
    Dizem por aqui que a classe média desaparece para surgir uma "nova" classe média, burra e vinda do populacho! tudo errado…penso eu.
    1. Um segmento da classe média, o mais alto, não para de se expandir, crescer e enriquecer. Observem que aqui, nos palácios de consumo, já há até andares de acesso limitado "aos de bem".
    2. Não está surgindo uma nova classe média, decorrente de uns tostões distribuídos pelo governo. Simplesmente um batalhão de criaturas miseráveis conseguem comer, não são pegas pela segurança para entrar no que pensam seja hoje os verdadeiros paraísos de consumo. É o miserável que, se fosse burro, estava morto, que favorece a saúde da economia nacional,por serem multidões, em função de um pingo de poder de compra.
    3. Quem está desesperado por aqui é aquela classe "mérdia" mediana, que se considera disputando espaço com os pobres, e não mais com a alta classe média. Estes tipos, abundantes por estas paragens, são realmente de uma burrice inigualável, infelizmente, a cara do meu país. E são milhões.
    Abraços

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