O voo dos pássaros e o esquema genial

Antes de tratar de coisas sérias, uma breve nota acerca da Zona NEuro, pois Bruxelas publicou as previsões económicas para o ano 2013.

Diário Público:

A economia portuguesa vai cair este ano 1,9%. […] Segundo Bruxelas, o desemprego, que atingiu no ano passado 15,7% da população activa continuará a aumentar até atingir um “pico” de 17,5% este ano.

E estas são as previsões, imaginem a realidade…

Bruxelas assume sem rodeios que estas projecções – que contrastam com as suas anteriores estimativas e do Governo de um crescimento negativo de 1% este ano e de 1,8% no passado – constituíram uma evolução “inesperada” e mesmo uma “surpresa”, que atribui sobretudo ao aumento do desemprego, à queda do consumo interno e à redução das exportações em resultado da deterioração da conjuntura europeia.

Sim, sem dúvida trata-se de algo “inesperado”, uma verdadeira “surpresa”: pessoalmente fiquei espantado e ainda tento reaver-me do choque. Este blog sempre defendeu que a austeridade é o caminho ideal para a retoma, pois a teoria é muito simples: retirar dinheiro aos cidadãos e entrega-lo aos bancos privados é a melhor forma para garantir o funcionamento da economia. O máximo seria retirar todo o dinheiro das carteiras, a economia só teria que ganhar com isso e alcançaria um estado muito próximo do Nirvana.

Esta, pelo menos, é a teoria; agora, porque na prática não funcione, é um autêntico mistério. Provavelmente é simples azar.

Apesar disso, a Comissão acredita que a economia portuguesa poderá começar a descolar no segundo semestre de 2013 e conhecer uma  “ligeira” retoma de 0,8% em 2014.

Isso, pelo menos, é quanto deixa esperar a leitura da borra dos cafés. Infelizmente, o céu em Bruxelas estava encoberto e não deu para interpretar o voo dos pássaros também, com o qual Portugal provavelmente teria atingido um bom 1.0%.

Vitor Gaspar, o melhor Ministro das Finanças possível além do Pato Donald, afirma:

Significa que teremos que ter particular cuidado com a execução orçamental este ano e que teremos de ser capazes de executar, antecipar medidas que guardávamos como reserva para o caso de se verificarem dificuldades orçamentais. Essas medidas serão fundamentalmente medidas de poupança orçamental em execução e a antecipação dos efeitos de algumas das poupanças estruturais associadas com o processo de reforma do Estado.

Não sei porque, mas “poupanças estruturais” e “processo de reforma do Estado” fazem-me lembrar uma diminuição dos serviços, mais venda do património público e outras coisitas pouco agradáveis. A mesma receita que trouxe os brilhantes resultados conseguidos até aqui. Mas provavelmente a minha é apenas paranóia.

Bagão Felix, ex-Ministro das Finanças também:

O Governo parece um governo de tabuada, de agregados macroeconómicos. Ou seja, dá a sensação de que há aspetos que são despersonalizados. […] A economia é para as pessoas.
Os sacrifícios são demasiados, são excessivos. […] Está-se a brincar com o fogo. Para resolver um problema conjuntural, estão a minar-se elementos fundamentais das regras de uma sociedade com alguma coesão geracional.

Afinal não se está a ir às gorduras do Estado, está-se a ir ao osso e carne das pessoas.

Afinal até os Gregos servem

Mas nem tudo é negativo e há razões para sorrir.

Os juros dos títulos de dívida dos países periféricos da Zona Euro deram um lucro de 1100 milhões de euros ao Banco Central Europeu (BCE), de acordo com os dados do banco divulgados na quinta-feira.

Ohhhh, até que enfim, alguém que ganha com as desgraças dos outros.

A maior parte deste lucro deve-se aos títulos da dívida grega, que foi vendida com juros significativamente mais elevados do que os restantes países do Sul e periferia do Euro. Ao todo, do bolo de 1100 milhões de euros, 555 milhões são lucro obtido com os juros da dívida da Grécia.

Justo: na Grécia estão sem trabalho, sem dinheiro, até sem comida, na prática tornaram-se uns inúteis. Pelo menos, que façam ganhar uns trocos aos outros.

O BCE anunciou na quinta-feira um lucro anual de 998 milhões de euros, mais 37% do que os 728 milhões de euros de lucro que o banco conseguiu em 2011. Os lucros são agora distribuídos pelos bancos centrais da zona euro em proporção com o capital investido por cada banco no BCE. Esta regra levará a Alemanha a receber a maior fatia dos dividendos.

Parem, parem…a maioria dos lucros vai para o País mais rico da Zona Neuro? Ahhh, mas é uma regra: então é justo, claro está. O que, dito assim, nem é mal de todo, aliás, tentamos ver o lado positivo: afinal o lucro obtido com a venda da Dívida volta para os bancos centrais, isso é, para os Estados. E o Estado somos nós, é dinheiro para nós todos, correcto?

1: Tal como avança o PÚBLICO nesta sexta-feira, os banco nacionais foram os principais financiadores da actividade do Estado em 2012, aumentando em 7430 milhões de euros a carteira de títulos de dívida nacional.

2: Banca portuguesa sustentou dívida em 2012, estrangeiros só no fim do ano

Então tentamos resumir: o BCE lucra com a venda da Dívida Pública, distribui os lucros entre os Bancos Centrais da Zona NEuro, os Bancos Centrais são os que mais dívida compram e que pagam os respectivos juros.

Não sei, parece quase haver um certo esquema aqui…será?

Ipse dixit.

Fontes: Público 1 e 2, Dinheiro Vivo 1 e 2

2 Replies to “O voo dos pássaros e o esquema genial”

  1. Olá Max: ontem fiz uma pergunta, quando terminei o comentário a qual, no fundo, sei a resposta, embora ela não me agrade. Esses processos que envolvem o amadurecimento de uma população que sofre atentados a uma vida cidadã, demoram muito tempo. Por pouco o partido, dito mais à esquerda, na Grécia, não ganhava as últimas eleições. Nada que transformasse o mundo radicalmente, mas provavelmente teriam avançado um pouco. Hoje, repetiriam a votação que fizeram? Se houver próximas eleições gregas, a população já terá amadurecido (sofrido!)o suficiente para não ter medo de votar a favor de medidas consideradas radicais, mas no sentido de tirá-los do beco sem saída? O problema, e muito sério, a meu ver, radica no esvaziamento da possibilidade do exercício da cidadania, por parte de países atingidos em cheio pela extorsão especulativa financeira, exemplo claro, a transferência das decisões político econômicas para um forum de tecnocratas, não eleito, de âmbito supranacional. E neste tema, os europeus comuns deviam tomar iniciativas imediatas. Abraços

  2. 'Isso, pelo menos, é quanto deixa esperar a leitura da borra dos cafés. Infelizmente, o céu em Bruxelas estava encoberto e não deu para interpretar o voo dos pássaros' – Max, esta é de antologia. Está-me a querer parecer que andaste a ler o livro do Astérix ' O Adivinho'. Lá o Adivinho lê muito bem em tudo o que lhe aparece para comer, e se for ouro, então upa upa, aquilo é que é ler.
    Já esta rapaziada do sistema financeiro, também me parece que anda a ler muito bem no ouro, sobretudo quando este é dos outros, e que o trocam por uns papeis emitidos pelo BCE.

    Por falar em BCE, ali não há crise. Em 2012 ao contrário dos paises membros, ganhou uns trocos. Coisa pouca, 1 100 000 000 euros. Então o BCE entrega estes euros aos bancos centrais, pois ele sempre pode emitir quantos quiser, logo não precisa deles para nada. E os bancos centrais por sua vez, entrega aqueles 'poucos' euros aos seus accionistas e chama-lhes de dividendos. Accionistas estes que são os estados ou nem por isso.
    Esta é a única forma de fazer sair dinheiro do BCE, sem bilhete de volta.

    Efectivamente, também me parece quase haver um certo esquema aqui. Ou então estou para aqui a fazer filmes.

    abraço
    Krowler

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