Europa: o beco sem saída

Sim, eu sei: seria oportuno dedicar algumas linhas aos últimos acontecimentos na casa portuguesa, nomeadamente ao facto das previsões do governo acerca da recessão terem dobrado (em negativo: vai haver mais recessão), da necessidade de mais cortes (delira-se acerca de 800 milhões de Euros para serem encontrados algures), do mesmo governo pedir mais tempo aos (ir)responsáveis da Troika (basicamente Fundo Monetário Internacional e Bruxelas) quando até bem poucos dias excluía qualquer hipótese acerca disso…

Seria oportuno, de facto. Mas falta a vontade.
Seria repetir, mais uma vez, quanto já afirmado e reafirmado inúmeras vezes.

Os mais curiosos podem ir e procurar quanto escrito neste blog ao longo dos últimos dois anos e meio, podem ler os comentários de alguns Leitores que bem previram uma tal situação (olá Krowler!) e, no final, eventualmente chegar à mesma conclusão: este governo, este políticos (PDS ou PS: há diferença?) são os meros executores dum projecto que tem como objectivos principais devolver o dinheiro aos bancos (com juros, claro) e desmantelar o Estado. Ponto.
O resto é optional.

Meus senhores, estes gajos não são nada estúpidos (são incapazes, que é diferente): sabem muito bem, melhor do que nós, que a austeridade cria recessão. Sabem que retirar dinheiro a cidadãos e empresas significa deprimir a economia. É matemático. E se mesmo assim esta receita aparentemente suicida é seguida, então fica evidente que os objectivos são outros.

Do ponto de vista local, como afirmado, as metas estão claras.
Mas, como não existe só Portugal, no plano europeu?
Aqui o discurso é mais complexo.

As alegres contas da Zona NEuro

O Euro é uma moeda de insucesso.

Dúvidas? Leiam os seguintes dados, por favor: no final de 2008 o déficit total de todos os Estados Membros da UE atingiu 7.800.000 milhões de Euros; no final de 2009, 8.900.000 biliões; no final de 2010, 9.600.000 milhões; no final de 2011, 10.300.000 milhões.
Isso corresponde a uma percentagem do produto interno bruto (PIB) de todos os Estados Membros da UE de 62.5% (em 2008), de 74.8% em 2009, de 80% em 2010, de 82.5% em 2011.

Atenção: estes são os números da União Europeia, pois se formos analisar apenas os dados dos 17 Países da Zona Euro, os dados são ainda piores. (isso enquanto na vizinha Suíça a percentagem da dívida pública em relação ao PIB era 55% em 2010, 52% no final de 2011, 51% em 2012).

A União Europeia, e em particular a Zona Euro, é uma máquina parta criar dívida.
Pergunta: mas quem irá pagar este dinheiro todo?
Resposta: mas o Leitor precisa mesmo de ler a resposta? Caem os salários, desaparecem os serviços, o património público é vendido e ainda há dúvidas?

Depois temos as ajudas, os resgates: EFSF, ESM, compras de títulos por parte do BCE, etc.
Todas operações que têm como fim persuadir os cidadãos da alegre Zona NEuro que o problema pode ser resolvido através duma redistribuição entre os Países “ricos” e os Países “pobres” da UE.
Infelizmente, não é assim: em primeiro lugar, estas “ajudas” são bem pagas (têm interesses), depois estes “resgates” representam uma redistribuição das dívidas dos Estados à custa dos contribuintes e em prol dum grupo seleccionado do grande capital.

A esperança de que alguns Países, incluindo principalmente a Alemanha, seriam capazes de assumir toda a pesada carga é pura ilusão. Na União Europeia, 20% de toda a dívida pública pertence a…a quem? A Alemanha.

Isso mesmo: o País que deveria ajudar os Estados com mais dívida é ao mesmo tempo o País com a dívida maior. Só em 2011, eram 2,1 biliões de Euros que a Alemanha (Estado, Lander e autarquia) tinha que dar. A quem? Aos seus próprios cidadãos, aos contribuintes. A verdade é que na Alemanha o capital fica firmemente nas mãos privadas. Isso sem contar a travagem da economia teutônica (dados do último trimestre).

O esquema é igual aqui como no resto do mundo: socializar as perdas, enquanto são protegidos os interesses de poucos. É aceitável dar mais para aqueles que já têm dinheiro em abundância? Pode não ser, mas é o que acontece.

Tudo isso explica a razão pela qual o poder de Bruxelas não confia na liberdade e na razão: sabem que o homem que pensa livremente pode ver de forma clara o jogo duplo. Então eis a mentira e a coerção. Contam a história da “harmonização”, da “racionalização” e da “centralização” indispensável no interior da União. A única harmonização perseguida é aquela operada no seio dum mundo globalizado, onde a soberania das Nações, a multiplicidade dos recursos, perturbam.

Em teoria, os Estados-Membros são ainda os “donos” dos Tratados: podem sempre muda-los, até dissolver a União se for preciso. A ditadura da UE, de acordo com as leis em vigor, ainda poderia ser evitada.

O alemão Deutsche Nachrichten Wirtschafts:

A UE quer usar a crise para reformar o parlamentarismo europeu. É possível que os parlamentos nacionais que servem os Estados da União Europeia sejam muito chatos. Por esta razão, a Comissão Europeia quer que todas as decisões orçamentais no futuro não sejam tomadas pelos Estados mas pelo Parlamento Europeu. […]

No futuro, a UE deve ter uma palavra a dizer quando se trata de orçamentos nacionais. Em particular, van Rompuy já decidiu quais os Estados-Membros que devem implementar as reformas. A Comissão Europeia espera, portanto, que cada Estado assine um acordo vinculativo segundo o qual aceita determinados requisitos. Mas Van Rompuy não vai quer desmantelar completamente os parlamentos nacionais: estes têm de aceitar a sua própria dissolução através da assinatura de um acordo formal de auto-liquidação.

Não são propriamente as mesmas notícias que podemos ler por estas bandas, não é? E tudo nas páginas dum jornal alemão, não dum País em crise profunda como a Grécia. Ou Portugal.

Regularidade

Paramos e tentamos lembrar: onde é que já vimos isso? Porque na História nada de realmente novo é inventado, tudo repete-se com uma regularidade espantosa. Então volta à memória a Lei do Poder Total, Março de 1933: o Reichstag, o parlamento alemão, aprova uma lei que autoriza Hitler a decretar leis sem a aprovação do mesmo Reichstag. O Parlamento suicida-se. Depois tudo de pressa: em seis anos os parlamentos dos Lander são eliminados, os Lander são dirigidos pelos prefeitos do Reich, as autarquias já não têm o conselho comunal, apenas presidentes. O resto é conhecido.

O que talvez seja menos conhecido é que tudo isso tinha sido previsto num debate do Parlamento da Baviera em 1871, 50 anos antes: a formação de grandes Estados centralizados para atropelar as Nações federalistas e subjugar toda a Europa.
Regularidade espantosa.

Isso explica a reacção furiosa do Ministro das Finanças alemão perante a notícia segundo a qual o Japão entende reconstruir as próprias infraestruturas, relançando a economia, após anos de desmantelamento. Como? Aumentando a dívida pública. Uma voz fora do coro.

Esperem: mas o Japão não tem já mais de 200% de Dívida? Sim, então, qual o problema?

Václav Klaus, além de ex-Presidente da República checa, é também economista. De Direita.
Entrevista no diário Neue Zürcher Zeitung:

Para mim está muito claro: na Europa, fomos longe demais. Estamos num beco sem saída, não podemos continuar assim. E num beco sem saída, só há uma saída: voltar atrás.[…]

Eu não procuro a maioria nos Estados-membros ou nas estruturas da UE. Este é um pensamento errado. Não, eu procuro uma maioria na Europa. Não digo isso de forma pretensiosa, mas no sentido de que, em política, a maioria da população deve ser valorizada. Na realidade, hoje já existe uma maioria na Europa, mas as pessoas estão em dificuldades para organizar-se. Repito: a maioria em Bruxelas não é o mesmo que a maioria da população.

Ipse dixit.

Fontes: Herman von Roumpy: Towards a genuine economic and monetary Union (ficherio Pdf, inglês),
Deutsche Nachrichten Wirtschafts, Zeit-Fragen, Neue Zürcher Zeitung
Dados: Statista

3 Replies to “Europa: o beco sem saída”

  1. Sim Max, as situações se repetem. Mas existe lugarzinhos, neste mundinho tão pequeno, e dizem que tão intercomunicado, (duvido muito disso porque poucos sabem da história passada ou presente no Equador, na Bolívia,na Venezuela, na Argentina, no Uruguai, e até mesmo em Cuba)que estão dando passos gigantes na superação de todas as mazelas que começam a atingir os povos europeus. E isso tem passado por elegerem líderes, que muitos chamam populistas, e em bem verdade o sejam mesmo, mas que tem se caracterizado por inverter o processo de privatização, que tem criado instituições inter países latino americanos como Unasul,Alba,Mercosul, capazes de assegurar laços comerciais de sobrevivência continental, e muito mais, que têm se mantido intransigentes na defesa da soberania nacional, e por aí vai. Como e porque a Europa não pode fazer o mesmo? Desconfio que em Itália haja um embrião desse processo de reversão do jogo político.A Islândia tem dado bons exemplos neste sentido. E os demais? Porque esse marasmo? Abraços

  2. 'a maioria em Bruxelas não é o mesmo que a maioria da população' – Penso que sobre esta frase do Václav Klaus, não existem grandes duvidas. No entanto Bruxelas tem sabido lidar muito bem com esta situação. E tudo aponta para que continue a saber.

    A Grécia continua sendo o timoneiro desta 'experiência', digamos financeira e politica, que para os seus pensadores, tem dado excelentes resultados. Estão a ganhar em todas as frentes, ao contrários dos cidadãos, que somam derrotas atrás de derrotas. Tanto em termos financeiros, económicos, políticos, supressão de direitos tais como liberdade, direito á saúde, educação etc. e curiosamente, sempre a pagar mais. Ou seja, paga-se cada vez mais para ter cada vez menos.

    Hoje um general na TV começou a reclamar a propósito de um corte de 250 Me na Defesa. Foram-lhe ao bolso, logo reclamou. Pena é que quando vão ao bolso dos outros a atitude não seja semelhante. Mas com os outros todos é igual. Enquanto não lhes tocam no bolso, estão-se nas tintas para os do lado. Lembram-se dos regimes de excepção? TAP, BdP e toda essa cambada que acha que têm de ser excepcionados no que toca a cortes?

    Por muito que custe dizer, e com este tipo de cidadania, Bruxelas continua a caminhar em terreno firme. Pelo menos por agora.

    Quanto a previsões; Max eu fiz mais uma aposta que uma previsão. Considerando a evolução da Grécia em que politicas semelhantes foram aplicadas, pese embora as diferenças que estão reflectidas na evolução dos diversos indicadores económicos para os dois países, é claro que o comportamento das duas economias siga a mesma tendência.
    Uma curva com um determinado comportamento só muda de tendência quando ocorre algum factor no sentido contrário aqueles que alimentaram a tendência anterior.
    A frase 'E num beco sem saída, só há uma saída: voltar atrás' do Václav Klaus, quer dizer isso mesmo.

    Não há volta a dar. Posto isto, resta saber qual a verdadeira dimensão do buraco para este ano. Se não estou em erro, apontei para uma contracção do PIB de 2,5% e o desemprego oficial ( o real é muito maior) para 18,5%.
    Nesta altura do campeonato mantenho a minha aposta, mas já com algumas reservas pois penso quem em Dezembro os números serão piores. A execução orçamental do 1.º trimestre já nos vai dar algumas pistas.

    abraço
    Krowler

  3. olá Max,

    " maioria de Bruxelas actualizou hoje as suas previsões para Portugal em 2013, contracção do PIB de 1,9% e desemprego 17,5% "

    Eu infelizmente, mantenho as minhas 2,5-3% de contracção do PIB e desemprego 19-20%.
    O que é brutal para um país com a nossa dimensão.

    Um abraço
    Zarco

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