Morgan Le Fay e o dinheiro desaparecido

Uma das principais queixas do blog, desde o início, foi o destaque entre o mundo da Finança e aquele da Economia real. Contrariamente ao que poderia sugerir um simples raciocínio, não há nexo entre as duas cosias.

Deveria haver, sem dúvida: a Finança (os “mercados”, as Bolsas) deveria ser uma espécie de “espelho” da economia real. Mas assim não é. É perfeitamente possível ter empresas que jogam em Bolsa e acumulam lucros enquanto a economia real sofre.
E não é apenas um discurso ligado à especulação (em tempos das vacas magras há sempre alguém que consegue ganhar com as desgraças dos outros).

Este ano não será diferente: os primeiros dados financeiros para 2013 anunciam rendimentos muitos superiores ao que seria possível imaginar, isso enquanto a economia mundial terá um crescimento débil ou até travará em alguns casos.

Como é possível isso?
A razão é complexa e tem a ver com aquele que a Ocse (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) no passado mês de Dezembro definiu como uma espécie de experimento financeiro.

O que se passa é o seguinte: os bancos centrais fornecem nesta altura 60% de todo o dinheiro necessário aos investimentos do planeta (e ainda há alguém que fala em “Capitalismo”…). Dito de forma mais simples: imprimem e distribuem dinheiro em quantidades industriais.

Curioso, pois sabemos que um dos maiores problemas nos Países da Zona NEuro, por exemplo, é a falta de crédito: para onde vai o dinheiro se depois não acaba nos bolsos dos cidadãos?

Resposta: no mundo da Finança.
E nesta altura surge outra pergunta: porquê?

Se as vendas sofrem, se houver falta de crédito, se for preciso reanimar a economia real, porque raio os bancos centrais entregam tanto dinheiro aos operadores financeiros?

Neste caso a resposta é ainda mais complexa, difícil condensa-la num simples post.
A nossa economia real tem males profundos: há problemas de competitividade, há problemas de sobra-produção, há problemas com os bancos (que, paradoxalmente, têm falta de dinheiro), o moral dos consumidores e dos produtores está em baixo.

Então eis a resposta dos banco centrais: injectar enormes quantidades de dinheiro no mundo da Finança, com a esperança de que parte da “gordura” criada possa recair na economia real, pondo em marcha aquela retoma tão desejada.

Não é uma operação nova. E por isso temos que observar o passado (a História, meus senhores, sempre a História).

No século XIV começou aquela que é conhecida hoje como Guerra dos Cem Anos e na altura os Estados começaram a imprimir muito dinheiro para financiar as operações bélicas (armas, mercenários, etc.). As consequências foram negativas: houve uma assinalável inflação (pois foi reduzido o conteúdo do ouro e da prata nas moedas) e aumento da pressão fiscal (os Estados precisavam desesperadamente de dinheiro).

Estas medidas não foram suficientes e tiveram efeitos negativos em todos os Países participantes: as taxas quebraram as capacidades produtiva, os Estados tiveram que recorrer aos bancos para poder oferecer um mínimo de funcionamento, a Inglaterra entrou em falência (no ano 1343).

Hoje não há uma guerra (há muitas, mas poucos ligam), todavia a situação é parecida: uma maciça emissão de dinheiro por parte dos bancos centrais, dinheiro que não é utilizado em favor da produção ou dos Estados.

Resultados? As acções ganham 10%, os spread ficam reduzidos, até os Títulos dos Estados em sofrimento (Espanha, Irlanda, Italia, Portugal, etc.) encontram um temporário alívio.

Dados os resultados, parece a quadratura do círculo: o desemprego aumenta (200 milhões na área Ocse), a rentabilidade das Bolsas cresce, os salários descem e isso, na óptica dos economistas, deveria substituir o aumento de 30% da produtividade necessário para a retoma da Zona Neuro.

Qual a realidade? A realidade tem o nome de Fada Morgana (Morgan Le Fey o nome original), a figura da mitologia nórdica que tem a capacidade de mudar forma.

Este desvio de dinheiro e os resultados positivos dos mercados financeiros têm como função criar uma ilusão de crescimento: a Finança ganha tempo, encanta com os vários Quantitative Easing (americanos e europeus), consegue adiar mas não resolver a crise.

A dúvida é: quem entrará em queda antes dos outros? Uma Finança drogada ou uma economia sem oxigénio?

Ipse dixit.

Fontes: Il Sussidiario, Wikipedia (versão italiana)

6 Replies to “Morgan Le Fay e o dinheiro desaparecido”

  1. olá Max: desde que acompanho os posts de ii , e por suposto da história da economia política, aqui decodificados com clareza, que me pergunto porque na história dos vencedores, a estratégia real sempre é da ordem da política econômica. E na história dos vencidos, a estratégia real passa pela opressão, pela política, mas não se explicita em função da economia. E aí a história total fica se repetindo, mudando de lugar e momento, apenas. E os vencidos de sempre, os esmagados de todos os tempos e endereços não conseguem por em ação estratégias que enfim desmanchem a eterna dicotomia de ganhadores e perdedores. Que droga, não? Abraços

  2. Este post é curioso, pois confirma a minha desconfiança relativamente às noticias de hoje, em que Portugal colocou toda a divida no mercado secundário e com taxas mais baixas.

    Já existe muita gente a deitar foguetes antes da festa, com a perspectiva de regressarmos aos mercados primários mais cedo do que o previsto.

    O Passos já anda a embandeirar em arco.

    É claro que o dinheiro corre a rodos para o sistema financeiro e nada para a economia. As falências e o desemprego continuam a subir.
    O Art.º 123 do Tratado de Lisboa preocupou-se em deixar isso mais claro que nunca. Taxas baixas para os bancos, e altas para os estados.

    No entanto o peixe anda a ser bem vendido. Com estas prespectivas milagrosas os portugueses aceitarão todas as medidas de austeridade, … e com um sorriso estampado no rosto. É comprensivel.

    abraço
    Krowler

  3. olá Max,

    Faço coro com o Krowler, os media mainstream estão a ser bem pagos para fazer o seu trabalho e os portugueses de cara alegre aceitarão todas as medidas de austeridade já impostas e mais algumas que aí virão.
    Resta-nos perder a paciência…para não perdermos a dignidade

    Um abraço

    Zarco

  4. Rodrigues, excelente video.

    É o excerto de uma palestra do Paulo Morais, com cerca de 5 min, que para quem vir o video, dará o tempo por muito bem empregue.

    Krowler

  5. OLá Max e pessoal

    envio a ti um link de notícias do Brasil e de São Paulo: http://br.noticias.yahoo.com/alckmin-pretende-arrecadar-r-40-bi-ppps-003200929–finance.html

    ""O governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), informou na sexta-feira que o governo estadual pretende arrecadar R$ 40 bilhões em parcerias público-privadas (PPP) em viagem à Europa que será conduzida pelo vice-governador, Guilherme Afif Domingos. De acordo com Alckmin, a crise econômica enfrentada pelo continente leva os empresários locais a buscar outros países para investir o dinheiro. "Como o investimento da Europa foi reduzido, os empresários estão vendo (outros países) onde investir", afirmou Alckmin.
    Alckmin reuniu-se na tarde desta sexta-feira com o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. …""

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