As alternativas: Scec, Danee, Marrunicum

O artigo A moeda social despoletou alguns interesse.

Apesar dum erro implícito no título, pois tecnicamente o Bestätigter Arbeitswerte de Michael Unterguggenberger não era uma moeda social: os seus Certificados apresentavam-se mais como uma moeda realmente alternativa ao sistema gerido pelo Banco Central.

Mas aqui o foco da questão é outro: são viáveis as moedas sociais? O que são? Como funcionam? Existem?

Comecemos pelo fim: sim, existem. E seria mais apropriados falar de “dinheiro local” e não de “moeda social”. Mais: representam uma solução no âmbito das trocas locais ou de porções territoriais limitadas. Não são nada de fantasmagórico: são soluções realistas e pragmáticas, o ideal para quem estiver farto de tantas palavras e deseje fazer algo de concreto. O que é preciso é apenas um pouco de boa vontade. Nada mais do que isso.

Existe dinheiro local, em várias formas, nos seguintes Países:
Estados Unidos: MORE (Member Organised Resource Exchange)
Japão: Ithaca Hours
Reino Unido: LETS (Local Exchange Trading System)
França: SEL (Système d’Echange Local) e Tronc de Services
Suíça, Bélgica, Holanda: RERS (Réseaux d’échange Réciproque des Savoirs)
Italia, Espanha, Suíça: Banco do Tempo
Suiça, Alemanha: Tauschring e Wir
Italia: SIMEC, Scec, Eco-Apromonte, Danee, Marrucinum 

Por óbvias razões, vamos analisar o caso de maior sucesso em Italia: o Scec.

O Scec

O Scec nasceu pela iniciativa dum grupo de cidadãos e não é uma verdadeira moeda quanto um sistema de descontos. Na prática, os Scec permitem obter descontos sobre o preço “oficial” dum bem em Euros, um desconto que no geral varia entre 10 e 30%.
Portanto não são uma verdadeira moeda complementar, pois devem ser utilizados juntamente ao Euro, quanto um sistema para que a riqueza do território fique e seja reinvestida no local, favorecendo a produção local.  

O funcionamento é simples: um associado adquire um produto ou utiliza um serviço dum outro associado: este último aceita e recebe 20% (por exemplo) do preço em Euro em Scec. Se a despesa for de 50 Euro, o primeiro associado paga 40 Euro e entrega 10 Scec (o Scec tem paridade com o Euro: 1 Scec = 1 Euro).
Obviamente, o segundo associado sabe que pode contar com uma rede de outras lojas/empresas que aceitam o Scec, pelo que poderá gastar os Scec recebidos em outras compras (por exemplo, para abastecer o próprio armazém).

Como são obtidos os Scec? Simplesmente com uma inscrição: uma pessoa decide tornar-se associado, inscreve-se na local secção do Arquipélago Scec (que gere o Scec à nível nacional) e recebe 100 Scec, sem que ter de pagar. Os Scec existem nas duas formas: em papel ou electrónicos, podendo ser utilizado também no e-commerce (comércio via internet); uma vez gastos os primeiros 100 Scec, é possível obter novos, sempre em papel ou electrónicos.

É possível adquirir um bem utilizando apenas Scec (100% do preço), mas por razões fiscais isso torna-se impraticável no caso de sujeitos que tenham de pagar IVA ou outros impostos do Estado. Portanto, a troca 100% Scec é viável principalmente entre privados.

Dado que o Scec mais pequeno é de 0,50 cêntimos, a despesa mínima para utilizar um Scec numa loja ou empresa deve ser aproximadamente de 2/2,5 Euro.

O Scec apresenta algumas vantagens.
Do ponto de vista do consumidor trata-se duma real poupança e um equivalente aumento do poder de compra.
Do ponto de vista dos operadores económicos representa uma oportunidade para aumentar o negócio (as lojas/empresas que utilizam o Scec são adequadamente sinalizadas, também via internet) e ao mesmo tempo para fidelizar a clientela. O mesmo operador não recebe “ordens” da associação: é ele que decide a percentagem de Scec aceite, com um limite mínimo de 5% do preço.

Neste aspecto é importante realçar como a associação (o já citado Arquipélago Scec) tenta seleccionar as lojas/empresas para que sejam aquelas com o menor número de intermediários entre produção e venda. Isso tem a vantagem de proporcionar o preço mas baixo do mercado e, ao mesmo tempo, faz que o Scec tenha uma particular importância a nível local, pois usualmente os artigos com preços/qualidade melhores são aqueles produzidos na região.
Em qualquer caso, não existe nenhuma limitação: qualquer loja/empresa ou cidadão pode tornar-se associado.

O Scec, obviamente, não gera inflação: não sendo uma verdadeira moeda alternativa mas um complemento, fica afastado das lógicas inflacionarias.

Outra particularidade (importante) do Scec é o facto de não serem convertíveis: não é possível trocar Scec por Euro. Surge portanto uma pergunta: e não são convertíveis, quem pode garantir o valor dos Scec?
A resposta é simples: as pessoas. Todo o dinheiro, sem exclusões, outra coisa não é se não uma convenção: aceitemos o dinheiro não porque este seja uma riqueza (um rectângulo de papel com um pouco de cor, qual valor pode ter?), mas enquanto representação duma riqueza. No caso do Scec o discurso é o mesmo. Os utilizadores reconhecem ao Scec valor pelo simples facto de utiliza-lo.

O Scec, como lembrado, é um moeda local, cuja difusão é necessariamente limitada. E, obviamente, encontra resistência por parte do Ministério da Economia, sendo duas as principais acusações:

  1. o facto dos operadores que utilizam o Scec emitirem recibos que incluem apenas a parte do bem vendida em Euro
  2. o facto do Scec representar uma moeda não reconhecida pelo Estado, portanto ilegal.

Todavia, Arquipélago Scec apresentou em 2009 um apelo (tendo como base o conceito de troca de Vales Locais) e em 2010 conseguiu superar as objecções do Ministério das Finanças, após rigoroso controle. A parte do preço não presente no recibo de venda conta como desconto, não podendo assim pré-configurar o reato de evasão fiscal.

Isso realça a natureza do Scec como “vale de desconto”, ma com uma particularidade: pode ser utilizado em várias lojas/empresas, não ligadas entre elas.
E, verdade seja dita, também o conceito de “local” é relativo, sendo que o Arquipélago Scec encontra-se em fase de ampliação, até abranger cada vez mais regiões italianas.

Além do Scec

Não há apenas o Scec.

A primeira expriência em Italia neste ambito foi aquela do Professor Auriti, em 2000, o qual emitiu o SIMEC. Este não era um simples vale, mas uma verdadeira moeda alternativa, criada para resolver a questão da senhoriagem.

A teoria de Auriti era interessante (e, do meu ponto de vista,
correcta): sendo a moeda uma convenção que adquire valor exclusivamente
pelo facto dos cidadãos utiliza-la, esta deveria ser de propriedade do
cidadão (o único que fornece credibilidade à moeda) e não representar
uma passividade para os utilizadores.

Obviamente o SIMEC atraiu logo a ira do Banco Central que ordenou o imediato sequestro de todos os SIMEC em circulação: o Estado não admite que exista uma outra moeda além daquela legalmente reconhecida.

Outras experiências, desta vez bem sucedidas e em fase de desenvolvimento, são aquelas do Danee na zona de Milão (iniciada em 2007) e do Marrucinum da província de Chieti (Toscana), em 2011.

Ipse dixit.

Fontes: Arcipelago Scec, Wikipedia (versão italiana), La Repubblica.

6 Replies to “As alternativas: Scec, Danee, Marrunicum”

  1. Olá Max:"Arquipélago Scec tenta selecionar as lojas/empresas para que sejam aquelas com o menor número de intermediários entre produção e venda. Isso tem a vantagem de proporcionar o preço mas baixo do mercado e, ao mesmo tempo, faz que o Scec tenha uma particular importância a nível local, pois usualmente os artigos com preços/qualidade melhores são aqueles produzidos na região." Isso é muito bom, tanto por desencorajar as sucessivas intermediações, como por incentivar o comércio local. E acrescentaria a vantagem de incentivar uma comunidade de trocas. Faz uns anos, aqui em Florianópolis/Brasil, um amigo economista conseguiu fazer funcionar um mercado de trocas, em fins de semana.E os envolvidos continuam trazendo suas coisas e produtos, armando algumas barraquinhas a beira mar, e negociando. Juntando as duas idéias (comércio de trocas e sistema de compra com descontos, via uso deste esquema alternativo) me pareceria algo muito conveniente de fazer e de divulgar. Abraços

  2. Interessante. Na minha cidade (não no Brasil, mas na Itália) tem todo domingo uma feira de escambo. E não é só escambo. Tem também uma modalidade que você coloca coisas que você não quer mais, e outras pessoas também. Não é um escambo direto. Você pega o que quiser e a pessoa também, sem a obrigatoriedade. Apostam na boa fé. Se você pegar algo hoje, se sentirá motivado à trazer algo no próximo domingo. Ao menos se você for Brasileiro. Aí pega tudo que é de graça por que é espertão e nunca traz nada em troca! 😛 🙂

    Enfim, o Silvio Gesell é interessante! Ele defende o liberalismo econômico, porém um liberalismo real, total! Sem monopólio de dinheiro, nem aplicação de juros (zero ou quase zero)… dinheiro libre… economia livre… tudo livre…

    Realmente, me parece muito mais fácil se obter uma melhor qualidade de vida maior para todas as pessoas com as idéias desse cara do que com Marx!!!

  3. O questão do SEC é muito interessante.

    A verficar-se s sua expansão como referido, abrangendo assim mais regioes italianas, coloca-se a seguinte questão.

    Com o aumento da base de apoio ao SEC, e o consequente aumento significativo do numero de utilizadores, então é licito esperar que esta 'moeda' começe a roer os calcanhares ao euro. Isto porque nestas circunstâncias é viavel que a percentagem SEC/Euro aumente nas trocas comerciais.

    Então as consequências seriam várias entre a quais, a redução da colecta de impostos sobre o IVA e IRC pelo lado do estado, e pelo lado dos cidadãos o aumento do poder de compra, o proteccionismo das empresas associadas e redução de desemprego, ou seja, em pouco tempo teríamos Bruxelas e o BCE com um ataque de histeria para Roma por fim à brincadeira, antes que a moda pegue noutros países.

    abraço
    Krowler

  4. Olá Krowler: para essas consequências que descreves no comentário anterior de fato ocorrerem, a expansão do SEC e similares não teria de ser muito, mas muuuito grande? E então, para que o arquipélago virasse teia, a opinião pública não deveria estar muito mais aderida à ideia do que talvez esteja? É bem verdade que a crise às vezes empurra o público para alternativas dantes não cogitadas…Abraços

    1. Olá Maria,

      as crises são tempos de mudança, pois os pilares foram abalados e as pessoas foram obrigadas a sair das suas zonas de conforto.

      Acho a ideia interessante, mas de todo não é nova. Afinal, o propósito inicial do dinheiro era apenas este:
      – uma convenção que facilita trocas;

      Abraço,

      R. Saraiva

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