Dívida: mas quando começou?

A dívida pública. Ahi que horror!
Enche os artigos dos jornais, aparece na televisão para lembrar que temos de sofrer, condena inteiros Países à recessão e ao empobrecimento. Mas donde chega? Quando começou?

Ohé, Leitor, calma, tá bom? Não sou uma máquina. E nem sei responder. Mas temos aqui uma pessoa que sabe. Ok, não é mesmo uma pessoa, mas sabe na mesma, não é Leo?
Leo, estás a ouvir-me?
– Claro que sim. E bom dia para ti e para todos os Leitores que seguem o blog via satélite.
– Não temos satélite.
– Pois, não tem nada de nada este blog. Deverias mas é pedir a caridade, não escrever num blog…
– A propósito do blog: sabes que segundo alguns Leitores o facto de ter um cão que fala desvaloriza o conjunto, tornando-o menos sério?
– Olha, faz como eu como quando encontro uma árvore: levanta a perna e…
– Leonardo!
– Pois, a dívida dizias.

– Isso, é melhor, a dívida. Sabes explicar como nasceu?
– Claro que sei, fiz o doutoramento em História Económica na Universidade de Mértola. Então é assim:
em primeiro lugar tens que olhar para este gráfico.
– Qual?
– Este à direita, feito pelas minhas patinhas santas. Como podes ver, nos EUA, o Estado Federal vê multiplicada a própria dívida que no prazo de pouco mais de dois anos começa um crescimento imparável: de 5 triliões (um pouco menos em verdade) até mais de 20 triliões.
– Que azar…
– Mas qual azar? Nos trinta anos anteriores quase não se tinha mexido e depois, em dois anos, tudo muda até multiplicar-se de forma quase exponencial ao longo dos sucessivos 40 anos? Este não é azar.
– Mau olhado?
– Nem por isso. Existem razões bem precisas. Max, tenta seguir.
– Tento.
Número 1: a abolição dos acordos de Breton Ú, no dia 15 de Agosto de 1971.
– Bretton Woods, queres dizer.
– Tanto faz. É revogada a convertibilidade ouro-Dólar e a moeda começa a ser baseada no nada. De facto, passa a ser um puro facto contabilístico.
– Mas isso não é mau, há grandes vantagens também.
– Não “há” mas “pode haver”. Tudo depende de como é gerida a emissão de dinheiro e o consequente utilizo. Mas vamos em frente.
– Vamos.
Número 2: em 1979, o governador da Federal Reserve, Paul Volcker, decide aumentar as taxas de juros dos Estados Unidos, de 5% para 16%. Isso significa um crescimento fora de controle das dívidas federais.
– Ehi, ehi, calma. Não percebo: que têm a ver as taxas de juro com a dívida dum País?
– Mas desculpa, não foste tu a escrever o post Banco Central e Taxa de Juro?
– Sim, fui eu, mas já na altura não tinha percebido nada.
– Então é assim: quando tu aumentares a taxa de juro do dinheiro, este fica mais caro. Literalmente “custa mais”. Quem tiver uma dívida verá a mesma aumentada de valor, pois todos os bancos aumentam as taxas sobre os empréstimos também. Então o Estado, para pagar o empréstimo anterior, terá que endividar-se ainda mais, pois sabemos que os Estados pagam as dívidas com novos empréstimos, não sabemos?
– Sabemos?
– Minha Nossa Senhora da Capela dos Ossos…continuemos.
– Continuemos.
Número 3: na década dos anos ’90 foram gradualmente abolidas as barreiras comerciais entre a China, a Índia, os Países asiáticos no geral e o mundo ocidental. São Países que produzem com custos reduzidos e por esta razão conseguem exportar muito. Isso significa que os Países ocidentais deixaram de ser “Países ricos e exportadores” para tornar-se “Países ricos (por enquanto) e importadores”. O deficit comercial com os Países exportadores disparou e, ao mesmo tempo, a moeda em circulação diminuía.
– Como assim?
– Claro: se eu pago o produto importado, entrego o meu dinheiro ao País exportador.
– Cão esperto que tu és…
– E ainda não acabou.
– Não?
– Não. O que acontece quando são importados muitos bens?
– O deficit comercial dispara.
– Sim, mas já dissemos isso. Mas qual outra consequência teremos?
– Entregamos o nosso dinheiro ao País exportador.
– Ó Max, vês se percebes: além deste discurso há outro, qual pode ser?
– Breton Ú?
– Mas qual Breton Ú… o trabalho, Max, o trabalho…
– Que tens contra o trabalho?
– O facto é que se começamos a importar muito, consequentemente produzimos menos. Além disso, se formos um País rico, os nossos custos de produção não podem competir com aqueles dos Países mais pobres, então cria-se um círculo vicioso.
– Ahhhh, como um cão que corre atrás do próprio rabo!
– Eh?
– Não, nada Leo, não importa.
– Independentemente do facto que nós corremos atrás dos nossos rabos por razões que vocês bípedes nem conseguiriam entender, pois há tudo um discurso filosófico atrás disso, vamos em frente, pode ser?
– Com certeza, desculpa Leo.
– Observa este gráfico.
– Outro?

– Observa, à direita: desde o começo da globalização, na década dos anos ’90, o crescimento dos lugares de trabalho, que antes era de 2.1% anual, caiu vertiginosamente.
– Azar.
– Outra vez? Max, era um crescimento constante desde o fim da Segunda Guerra Mundial!
– Mau olhado?
– Não, nada disso: nas economias ocidentais a produtividade caiu, e sem produção não há trabalho. Menos trabalho significa menos rendimentos, menos rendimento significa menos receitas fiscais. Isso é, o Estado “ganha” cada vez menos, mas as despesas não baixam, pois o número de cidadãos não diminui. Antes pelo contrário, tende a aumentar. Na Europa, depois, há outro discurso, que tu conheces bem.
– Eu?
– Sim. O discurso do Euro.
– Ah, pois, gosto do Euro, moedas iguais em todos os Países, já não há aquela treta da câmbio.
– Mas que dizes? O Euro, o facto dos Países não poderem emitir moeda própria, não poderem pagar as dívidas com a emissão da moeda nacional, tudo nas mãos do Banco Central Europeu!
– Ah, isso, sim, também isso é verdade. Mas olha que o câmbio era mesmo uma treta, agora, pelo contrário, nem pára nas fronteiras, é bem cómodo, continuas a conduzir e…Leo, onde é que tu vais?

Ipse dixit.

2 Replies to “Dívida: mas quando começou?”

  1. Querido Leonardo: fico contente com a tua disposição em voltar a nos ensinar.Portanto me esforço em tentar fazer as perguntas boas, porque creio que ajuda boas respostas.
    1. Em que basicamente o futuro próximo será diferente para humanos comuns, tipo eu (aposentada, curso superior, no Brasil)e teu amigo Max (prestador de serviços,curso superior, em Portugal)? E, se a situação fosse invertida: eu, reformada, com + de 60 anos em Portugal, e Max, com + de 40 no Brasil?
    2. Caberá tentar reunir ativos, caso seja possível, e de que tipo, não esquecendo que a tendência a desvalorização parece ser grande?
    3. Para onde tentar direcionar garantias ou condições de sobrevivência, ainda com diminuição de qualidade de vida e diminuição de consumo?
    Faço essas perguntas menores, referidas a micro economia de pessoas, porque penso que se tentamos pensar a economia das nações, cabe bem também pensar economias particulares. Por isso tomo eu e teu amigo humano como exemplos – poderia ser qualquer um de nós, frequentadores de ii – para te questionar sobre medidas econômicas mais viáveis, diante das previsões nada simpáticas que mais ou menos se avizinham, e vamos nos deparar. Parece que todos pensam que serão afetados, mais ou menos. Então…achas que nossas vidas vão continuar tal e qual? Que providências, mesmo não alarmistas,a tua sabedoria canina nos aponta? Abraços

  2. Relativamente à divida dos EUA eu acrescentaria aos factores já descritos pelo Leo, os seguintes:

    A criação do Sistema de Reserva Fracçionária, o qual veio permitir que através de simples operações de credito bancário a multiplicação da divida no sistema até várias vezes o capital principal.

    e ainda:

    A abolição da lei Glass-Steagall, criada em 1933 após a grande depressão, e abolida pelo Clinton em 1999.
    Básicamente esta lei possibilitava a protecção do dinheiro dos depositantes normais a través da separação dos bancos de investimento dos demais. Com a abolição desta lei os bancos ( já promovidos a bancos de investimento) a seu bel prazer têm utilizado o dinheiro dos cidadãos para o investirem onde todos já sabemos. As consequências tambem já são por demais conhecidas.

    abraço
    Krowler

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