Parafraseando: a situação não é simpática

E concluímos a semana com um artigo do jornalista Paolo Barnard que fala da Zona NEuro.
Artigo interessante, o que não surpreende dado o autor.

Leitura aconselhada a todos os residente da Zona NEuro, para perceber o que se passa e em quais mãos estamos. O artigo fala no especifico da Italia, mas as considerações são de carácter geral.

Leitura aconselhada a todos os outros, para poder dar algumas boas gargalhadas.

Intérpretes:

  • Zona NEuro: um conjunto heterogéneo de Estados sem a capacidade de emitir moeda própria, unidos num sistema bem pouco democrático.
  • Mario Draghi: ex director do Banco Mundial, ex vice-presidente do Management Committee Worldwide da Goldman Sachs, agora presidente do Banco Central Europeu.
  • Banco Central Europeu (BCE): entidade privada, formada pelos bancos centrais dos Países da Zona NEuro (bancos controlados por privados), o único emissor oficial da moeda Euro.
  • SMP Bonds Purchase: instrumento político-económico que permite que o BCE possa comprar Títulos de Estado de Países em dificuldade nos mercados internacionais, aprovado no dia 10 de Maio de 2010.
  • MES (Mecanismo Europeu de Estabilidade, em inglês ESM, European Stability Mechanism):  substitui o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FESF) e o European Financial Stabilisation Mechanism (EFSM). Tem nos cofres dinheiro suficiente para salvar uma charcutaria e pouco mais.
  • Mario Monti: ex vice-presidente da Comissão Trilateral, membro do Grupo Bilderberg, membro do Research Advisory Council da Goldman Sachs Global Market Institute, ex. advisor da Coca Cola Company, membro do Senior European Advisory Council de Moody´s, presidente do  Business and Economics Advisors Group do Atlantic Council, no tempo livre também primeiro ministro italiano. 
  • Ewald Nowotny: ex vice-presidente do European Investment Bank (Luxemburgo), membro do concelho da administração do banco privado BAWAG P.S.K.(grupo Cerberus Capital Management, New York), como passatempo é presidente do Banco Central Austríaco.

  Eis o artigo (o itálico é do autor):

Não posso usar outras palavras, peço desculpa:
 agora estamos realmente na m***a.

Ontem à noite, antes de uma conferência em Sardenha, um blogueiro entrevista-me e pergunta: “Fazemos default [falência, ndt]?”. Eu: “Não acho, porque temo que Draghi irá abrir as torneiras do BCE [Banco Central Europeu, ndt] ou entregarão ao MES uma licença bancária”. (Depois explico)

Esta manhã o meu amigo Mauro Valentini de Misano envia uma mensagem de texto: “Vamos em default?”, eu respondo a mesma coisa (e tenham em mente a palavra “medo” que eu usei com ambos).

Ok, são as primeiras horas da tarde de Quinta-feira, 26 de julho, e as agências de notícias batem: Mario Draghi disse em Londres que o BCE irá abrir as torneiras. Na Áustria, o governador do Banco Central, Ewald Nowotny, já havia afirmado que está a ser discutida a possibilidade de dar uma licença bancária ao MES.

E nós estamos realmente, mas realmente fod****s agora.

Antes de prosseguir, permitam um lembrete: o dia era o 15 de Novembro de 2011, eu era um convidado em Matrix [um programa da emissora televisiva Canale 5]. Eu gritei que Mario Draghi era um golpista porque tinha conscientemente omitido de usar os poderes do BCE para acalmar a especulação contra os Títulos do Estado italiano, com uma aquisição em massa.

Era a especulação que alguns dias antes tinha derrubado o governo e que a seguir tinha estabelecido a ditadura financeira da Troika e de Monti (se você comprar grandes quantidades de títulos os interesses baixam, a Itália não teria chegado à beira do default naqueles dias, e Monti nem teria sido mencionado).

Em Matrix foi-me dito que Draghi não poderia ter feito isso, que o BCE nunca pode comprar Títulos para ajudar os governos. Eu disse que era uma mentira, mencionei o programa SMP Bonds Purchases do BCE, programa que lhe dá poder de compra de Títulos, que Draghi não utilizou: condenou a Itália a cair nas mãos do criminal Monti.

Eu estava completamente certo, vejam abaixo.

Draghi é uma obscenidade vivente , porque hoje de repente lembra do programa SMP e irá utiliza-lo, mas não para salvar a democracia de um País, não, mas para garantir que este seja totalmente destruído, vejam abaixo.

O que aconteceu, o que significa.

Aconteceu que o paradigma MMT fundamental para explicar a crise do Euro – ou seja, que os mercados continuam a não ter confiança na Itália e nos outros Países só porque perdemos a capacidade de emitir moeda soberana. Isto é, eles, os mercados, sabem que agora, com o Euro, não podemos pagar pontualmente a nossa dívida, dado que o Euro não é livremente emitido pela Itália que tem de toma-lo emprestado dos bancos, pelo que temem que possa fazer default nos pagamentos, e, portanto, retiram a confiança numa espiral descendente à medida que ficamos mais e mais endividados, mas é esta espiral que leva ao incumprimento – estava a levar Itália e Espanha ao default dentro de poucos dias ou semanas.

Teria sido o fim da Zona Euro, com uma implosão histórica e nunca tão devastadora… devastadora para a França e a Alemanha, não para nós. Mario Draghi sabe disso, e não pode fazer nada senão seguir as ordens de Angela Merkel e François Hollande: salvar o Euro a qualquer custo! Draghi redescobre o programa SMP, as compras de Títulos de Estado de Países em dificuldades por parte do BCE, e em Londres anuncia que o BCE vai fazer exatamente isso. Constrói um gracioso castelo de palavras para encontrar o tecnicismo semântico-legal que possa justificar o que apenas 8 meses atrás foi descartado, mas consegue. Pena que aquele tecnicismo semântico-legal era para ser aplicado na integra também na altura, falsificador.

Mas cuidado.

Os mercados nunca teriam acalmado hoje se não soubessem que o BCE é o emissor do Euro e, portanto, pode realmente comprar Títulos quase indefinidamente. Com essa garantia, e não apenas com esta, os mercados acalmaram-se e se acalmarão.

Pouco antes, o governador do Banco Central austríaco, Ewald Nowotny (estarão coordenados? Nãooo …) tinha falado da possibilidade de uma licença bancária para o MES. O MES é o novo fundo de “salvação” dos Países da Zona Euro, mas por si só tem muito pouco dinheiro. Um resgate da Itália esvaziaria os cofres do MES em menos de 3 meses.

Então o que deixam vislumbrar os banqueiros centrais da União Europeia? Que o MES poderia ser transformado num banco. E o que isso significa? Em suma: que como banco terá o apoio ilimitado do BCE, que é o emissor ilimitado do Euro, e, em seguida, que o MES vai comprar grandes quantidades de Títulos de Estado de Países como o nosso para garantir que, novamente, há um pagador dos créditos (nossos ou da Espanha, por exemplo), sem limites. Então o truque está feito. Os mercados ficam calmos.

Mas o que significa que “ficam calmos”? Significa, e digo isso com a máxima seriedade, uma catástrofe democrática total, económica e cívica sem precedentes. Isso significa que Itália, Espanha e Grécia vão ficar na Zona Euro, porque os mercados se acalmam, e com taxas de interesses sobre os Títulos a descer de 7% para 4%, o default é evitado. Boas notícias, não é? Como dizer, o rio estava perto de transbordar e inundar a prisão, o que teria permitido aos presos políticos entrincheirados no telhado e exaustos com fome e sede de nadar para a liberdade. Mas não. Reforçaram as margens de propósito.

Isso significa que ficamos presos na máquina do economicídio da nossa terra, presos num limbo infame onde nunca haverá crescimento porque sempre estaremos sem uma moeda soberana, sempre escravos de tecnocratas não-eleitos, mas sempre chantageados pelo facto de que cada centavo deve ser tomado emprestado aos bancos especulativos; e nesta insegurança perpétua o empobrecimento será cimentado com a desculpa para impor austeridade sobre os vencimentos, pensões e serviços, enquanto matam as empresas e privatizam de forma selvagem todos os bens e os serviços públicos: para impedir a respiração do crescimento e, portanto, uma actuação democrática.

Estamos na m****a, não há outra palavra, realmente. Se Draghi abrir as torneiras das compras com o SMP e se o MES se tornar um banco, então acabou tudo o que conhecemos como Estado.

Devo apenas acrescentar, mas apenas por dever intelectual, que existe uma extrema possibilidade de salvação. O factor desconhecido é o atraso de alguns movimentos políticos nos dois mencionados acima, por exemplo, se o Tribunal Constitucional alemão chumbar o MES em Setembro, ou outra extrema ratio do género. Então poderia acontecer que os mercados, bestas loucas e selvagens por definição, com o primeiro cheiro de atraso poderiam ser vítimas do pânico total e auto-alimentado, e causar na mesma o (os?) default. Mas acreditem: é como esperar que o assassino que está preste a matar-te fique vítima dum acidente vascular cerebral enquanto carrega o gatilho.

Nota final: eu continuo convencido de que a Grécia será forçada a abandonar o navio.
Mas posso estar errado.
E bom fim de semana para todos.

Ipse dixit.

Fontes: Paolo Barnard, European Central Bank

10 Replies to “Parafraseando: a situação não é simpática”

  1. Olá Max: gostaria de saber qual a percepção que os italianos comuns têm da sua própria situação, porque em geral é difícil compreender o que está muito perto de nós. Uma amiga recém chegada da Itália, mesmo fazendo turismo convencional, relata-me queixas sendo ouvidas em hotéis, restaurantes e na rua.Eu estranho porque sei que uma coisa que é certa que ninguém vê,nesses roteiros padronizados, é a realidade local. O nosso comentarista Ricardo, recém mudado para o Piemonte, declara-se em idílio com o novo lar, mas não comenta sobre manifestações de apreço ou rejeição a cerca da situação econômico social local. A grande imprensa, TVs etc, já se sabe que reporta a naturalização de todos acontecimentos, por absurdos que sejam.Os alternativos já se sabe que atingem os pré dispostos a serem atingidos…Mas, em Itália parece que há movimentos importantes como 5 Estrelas, uma literatura "dissidente" expressiva e buscada pela população…Como isso se reflete na opinião pública? Há diferença significativa frente ao comportamento apático dos portugueses, por exemplo? Uma alteração significativa de comportamento social seria suficiente para alterar alguma coisa, no desenrolar dos acontecimentos que se anunciam? Em alguns locais apenas? Há sinais disso? Quais? Bueno…talvez perguntas demais.Abraços

  2. Max!!!
    Já sabe da ultima?
    Veja só na sequência:

    http://olharxver.blogspot.pt/2012/07/convite-irrecusavel-aos-governos.html

    http://2012umnovodespertar.blogspot.com.br/2012/07/fundacao-keshe-mensagem-obama.html

    Site da fundação com a mensagem e o decreto:

    http://www.keshefoundation.org/en/media-a-papers/keshe-news/313-us-presidential-decree-and-keshe-foundation-response

    Será que é verdade toda essa trama?
    Curioso é que não saiu nada na mídia convencional. Muito estranho, só pude recorrer ao ii numa ocasião como essa de desconfiança.

    Obrigado!

  3. O site da Keshe Foundation está transmitindo a seguinte mensagem quando navegamos por ele:

    By the further consulting of this web site about new plasma reactor technology you confirm to be aware of the intellectual rights of Mr. M.T. Keshe, and be aware that international patents are filed for this technology. You confirm that you will respect these rights as far as they are original.
    If you don't agree with such statement please DO NOT ENTER.

    tradução:
    Pela consultoria adicional deste site sobre a nova tecnologia de reator de plasma que você confirme estar ciente dos direitos intelectuais do Sr. MT Keshe, e estar ciente de que as patentes internacionais são arquivados para esta tecnologia. Você confirma que vai respeitar esses direitos na medida em que são originais?
    Se você não concorda com tal afirmação, por favor não entre.

  4. O Durão já admitiu a quase inevitabilidade da saída da Grécia.
    Mas tenho pena dos gregos, não por saírem do euro, mas porque o dracma estará também nas mãos dum "banco central grego" qualquer, que se calhar nem se saberá que existe…só mesmo com o Estado a imprimir a própria moeda, sem ser a pagar a juros a alguém, é que a coisa volta ao sítio.
    O link acima (http://www.cidadania-europeia.blogspot.pt/) é interessante, se as moedas fosse imprimidas pelos Estados poder-se-ia fazer o que lá diz…

  5. Olá!

    Acerca da Fundação Keshe: bom, estou tentar perceber o que há de verdadeiro nisso tudo. E requer alguns tempos.

    As promessas da Fundação parecem um bocado "ousadas" (viagem no tempo???), mas enfim, melhor não dizer nada sem antes ter procurado um pouco.

    É o que vou fazer.

    Abraço!!!

  6. A criação do MEE foi sempre envolvida numa cortina de fumo, e com objctivos que agora começam a fazer sentido. Nunca se falou disto nos media. Eu não ouvi nada, apesar de não ser grande cliente deles.
    Tambem não era de esparar outra coisa. Se existia o FEEF, a criação de um novo mecanismo de apoio teria de ter propósitos naturamente diferentes.

    Como referido na entrevista acima, com a transformação do MEE em banco tudo fica mais claro.
    Era o elo que faltava na ligação BCE/Estados. Parece que a problemática dos Eurobonds fica assim resolvida.

    Estamos talvez na recta final do aprisionamento definitivo dos países pelo euro, e a subjugação 'ad eternum' dos estados que o compõem.
    Li que o euro foi criado para os paises nao poderem sair mais dele, e ao que tudo indica parece ser assim.

    Pegando na ideia da maria, a percepção dos cidadãos portugueses sobre este assunto será quase nula pois nao se ouvem ecos em lado nenhum sobre este assunto, a nao ser em ciclos muito restritos de informaçao. Na europa penso que será idêntico.

    Krowler

Obrigado por participar na discussão!

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