Ser ou não ser Peak Oil…

Mas afinal há petróleo ou não?

Ugo Bardi é o presidente da ASPO Italia, filial da ASPO (Association for the Study of Peak Oil and Gas), associação formada por cientistas e pesquisadores universitários que analisam o Oil Peak, o suposto “pico do petróleo”. Na prática, a função deles é avisar: “Olha que acaba, olha que já há pouco…”.

Bardi cita um artigo de George Monbiot, o qual escreveu nos últimos tempos:

Estávamos errados acerca do pico petrolífero. Há o suficiente para fritar todos.

Então? O petróleo está para acabar ou não?
Bardi explica:

Monbiot está errado acerca do pico do petróleo, mas está certo na conclusão final: há suficiente combustíveis fosseis para fritar todos.

No blog já falámos várias vezes do problema do Peak Oil e a conclusão pode ser a seguinte: ninguém sabe ao certo o que se passa. Há cientistas segundo os quais o pico petrolífero já foi ultrapassado, outros dizem que não, fica pertinho mas ainda falta um pouco.

Não é uma questão secundária: toda a nossa sociedade está baseada na energia, sem energia o nosso mundo ficaria de avesso em tempos rapidíssimos. Pensem o que acontece quando faltar a luz em casa: nada de televisão, nada de rádio, o computador não funciona, o frigorífico deixa de arrefecer, quem tiver um fogão eléctrico nem um ovo frito pode preparar. E isso apenas na nossa casa: multipliquem isso vezes todas as casas da vossa região, as empresas, os serviços, os transportes; e a seguir tentem imaginar isso numa óptica global.

Assustador, sobretudo tendo em conta que as fontes energéticas são poucos diversificadas: na prática dependemos amplamente do petróleo e se este acabasse seriam problemas. Grandes problemas.

Sendo esta uma questão vital, lógico que apareçam formações de fanáticos para defender uma ou outra posição. Vamos portanto ver quais as posições das partes, na esperança que seja possível ter uma ideia mais precisa (e digo já que a resposta é “Não, não temos uma ideia mais precisa”).

O que diz Monbiot

Monbiot, pesquisador, jornalista e ambientalista, faz o ponto da situação. O pico petrolífero, a altura de máxima produção depois da qual seria cada vez menos o petróleo disponível, era esperado para o ano 1995 (hipótese do cientista MK Hubbert), depois para 2004 (Kenneth Deffeyes), para 2012 (Colin Campbell). Em 2004 o magnate texano do petróleo T-Boone Pickens afirmava “Nunca mais será possível extrais mais de 82 milhões de barris de combustíveis líquidos”, isso enquanto em Maio de 2012 a produção alcançou 91 milhões.

Um relatório do especialista Leonardo Maugeri, publicado pela Harvard University, fornece evidências conclusivas de que começou um novo boom de petróleo. As contrações na oferta nos últimos dez anos tinham a ver mais com questões de dinheiro e de geologia: a queda nos preços antes de 2003 havia desencorajado os investidores para desenvolver novas explorações. Mas os preços elevados dos últimos anos mudaram esse quadro.

A análise de Maugeri (em 23 Países produtores) indicam que a oferta mundial de petróleo até 2020 vai aumentar em 17 milhões de barris por dia (chegando ao 110 milhões). De acordo com Maugeri, este é “o maior aumento potencial na produção de petróleo desde os anos ’80.”

Os investimentos necessários para que este boom aconteça dependem do preço do petróleo no longo prazo, mínimo 70 Dólares por barril (actualmente o Brent é vendido por 95 Dólares). Nesta altura, o dinheiro está a fluir no sector do crude, nos últimos dois anos foram gastos um trilião de Dólares.

O País que tem proporcionado o maior aumento na produção é o Iraque, onde muitas empresas multinacionais estão a investir dinheiro. Isso caso não tivesse ficado clara a razão das várias Desert Storm…

Mas o que é mais surpreendente é o que se passa nos Estados Unidos.
Do Pico de Hubbert nem a sombra: o investimento nos EUA ficará concentrado no petróleo não convencional, especialmente óleo de xisto ( shale oil, que não deve ser confundido com as oil shales, as areias betuminosas). O óleo de xisto é um petróleo bruto de alta qualidade aprisionado nas rochas e sabemos agora que existem enormes depósitos nos Estados Unidos: estima-se que o xisto Bakken, no Dakota do Norte, contem tanto petróleo quanto na Arábia Saudita.

E este é apenas um das vinte formações semelhantes que existem sempre nos Estados Unidos. A extração do xisto betuminoso requer perfuração horizontal e fracturamento hidráulico (o fracking): uma combinação de preços elevados e de avanços tecnológicos tornaram estas técnicas economicamente viáveis. A produção no Dakota do Norte já aumentou de 100.000 barris por dia em para 550.000 barris em Janeiro do ano passado.
Conclui Monbiot:

Há muito petróleo no solo, o suficiente para fritar tudo e não há meios adequados para impedir que os governos e as indústrias de extrai-lo. Com o colapso do processo multilateral no mês passado no Rio de Janeiro, são frustrados décadas de esforço para uma persuasão moral que possa evitar um desastre ambiental. A Nação mais poderosa do mundo volta a ser uma Nação petrolífera, e se a transformação política dos seus estados vizinhos sugerir algo, temos a certeza que os resultados não vão ser agradáveis.

O que diz Bardi

O ASPO faz parte da categoria “fanáticos do fim”: petróleo há, mas é pouco e em breve nem uma gota.
E Bardi, o presidente da ASPO Italia e professor de química do Departamento de Química da Universidade de Florença, responde directamente ao artigo de Monbiot.

Confirma: que a ASPO tem razão, o pico está aí e Monbiot está errado: primeiro, porque dá muito crédito a recentes estudos bastante optimistas (e até mesmo mal interpretados, pois se lidos com cuidado os dados desses estudos não são tão optimistas).
Depois, o verdadeiro erro feito por Monbiot foi ter dado uma importância excessiva ao Peak Oil na perspectiva da mudança climática.

Até agora, os caprichos da produção do petróleo têm influenciado grandemente as emissões dos gases de efeito estufa. Agora, mesmo que a produção de petróleo bruto parasse durante vários anos, as emissões de dióxido de carbono continuariam a aumentar.

Isto é o que é esperado: o petróleo é apenas uma das fontes do CO2 em excesso na atmosfera e o aumento do custo da extracção está a empurrar a indústria para a utilização de combustíveis sujos. Em outras palavras, estamos a observar uma tendência para a utilização de combustíveis que liberam mais CO2.

Areias e xistos betuminosos, óleos pesados ​​e similares, são todo petróleo mais sujo. O carvão é ainda pior e é o principal recurso energético do mundo. Sem mencionar as emissões de metano a partir de fracking: o metano é um gás com efeito estufa muito mais potente que o dióxido de carbono.

Então, por que deveríamos esperar que o pico do petróleo faça a diferença? Paradoxalmente, se o pico do petróleo fosse atingido amanhã, veríamos um aumento das emissões de CO2 e isso causaria um maior uso de carvão, areias petrolíferas e outros poluentes. É verdade que o declínio da eficiência energética dos combustíveis fósseis irá causar um declínio geral nas emissões de gases de efeito estufa, mas não devemos esperar estar tão perto: e haverá uma consequência imediata para o pico do petróleo.

Se insistirmos na produção de combustíveis fósseis, corremos o risco de modificar irreversivelmente o clima, de ir além do “ponto de não retorno”, se é que já não passou. Se o pico do petróleo era suposto ter efeitos sobre o clima, isso deveria ter acontecido há 20 anos, quando a concentração de CO2 foi de cerca de 350ppm, que é considerado o limite além do qual as mudanças climáticas são irreversíveis. Agora, com 440ppm e em aumento, o pico do petróleo não é suficiente para deter o aquecimento global.

George Monbiot está errado acerca do pico do petróleo, mas está certo quanto à sua consideração final, é preciso apenas modificar-la um pouco: pico do petróleo ou não, existem suficientes combustíveis fósseis para fritar todo mundo.

O que digo eu, que nada percebo do assunto

Em primeiro lugar, a resposta de Bardi não faz muito sentido: Monbiot traz dados acerca da extracção e da sua potencialidade, Bardi fala de aquecimento global. Não é a mesma coisa, parece uma conversa entre surdos. E isso pode significar uma coisa: um grande embaraço do ASPO e de todos aqueles que defendem o Peak Oil, pois não conseguem justificar o aumento da produção de petróleo.

A seguir. A imagem clássica do poço petrolífero está a mudar: já não há uma preta torre metálica no deserto, hoje falamos de fracking, de areias e xistos betuminosos, e isso deve significar alguma coisa.
Significa, provavelmente, que o petróleo “fácil” está a acabar: não chega fazer um buraco para começar a recolher, é preciso muito mais do que isso. É precisa tecnologia de ponta, extremamente dispendiosa.

Não é por acaso que as maiores casas automobilísticas estão a promover cada vez mais os veículos eléctricos (caros, com prestações ridículas e nem por isso “amigos do ambiente”): o petróleo não vai acabar em breve, simplesmente será mais caro extrai-lo. E, por consequência, os preços nas bombas de gasolina irão aumentar.

Isso implica também um aspecto ambiental que não pode ser ignorado. Aquecimento global ou não, existem provas suficiente de que o fracking é uma técnica devastadora, não está excluído que possa até estar na origem de movimentações telúricas.

Provavelmente o Peak Oil clássico (o fim do petróleo) ainda está longe e a ASPO está profundamente errada, tal como todos aqueles que defenderam a ideia ao longo das décadas.

Seria preciso introduzir um novo conceito, o conceito do “Pico Petrolífero Ambiental”: um limite além do qual a extracção do petróleo comporta riscos ambientais que não podem ser compensados pelos benefícios (inegáveis) da matéria prima. E o termo “ambiental” deveria ser entendido de forma muito ampla:  inclui, por exemplo, as guerras que os Países travam para obter o petróleo (caso Iraque), os atrasos (não apenas tecnológicos mas também políticos) na pesquisa para energias alternativas, a poluição (que existe, efeito estufa ou não). Ha inteiros Países com milhões de pessoas que hoje sofrem as consequências directas da extracção do petróleo na própria terra.

Tudo isso deveria ser parte desta nova ideia de Pico Petrolífero Ambiental, ponto que não apenas foi atingido como também ultrapassados há muito. Muito mais sério dum Peak Oil com funções meramente políticas.

Ipse dixit.

Relacionados:
O petróleo inesgotável
Fracking
Fracking: ao pormenor – Parte I
Fracking: ao pormenor – Parte II

Fontes: The Guardian, Cassandra´s Legacy

3 Replies to “Ser ou não ser Peak Oil…”

  1. O CO2 não interfere em nada no clima do planeta, ou em aquecimento ou efeito estufa. O mal dele é que não faz bem para nosso sistema respiratório, pois polui.

    Vejam as palavras deste cientista e climatologista com pós doutorado falando dos mitos e fatos das mudanças climáticas:

    Entrevista esclarecedora com o climatologista Luiz Carlos Molion que nos aponta os equívocos a respeito da suposta influência do homem sobre o aquecimento global.

  2. Quem quiser saber mais, se aprofundar sobre isso, seguem os links:

    Cientista brasileiro contesta hipótese do aquecimento global ao vivo na TV: O Jornal da Record News recebe o professor de climatologia da USP Ricardo Augusto Felício. O pesquisador pertence ao grupo conhecido como "Céticos das Mudanças Climáticas". Ricardo afirma que a hipótese do aquecimento global não apresenta evidência científica de que é o homem que causa o fenômeno e diz que há uma conspiração mundial para barrar esse tipo de pensamento. Entenda a questão!

    Entrevista no Programa do Jô com Climatologista em 02/05/2012 – Efeito Estufa é Mentira?
    O Climatologista Ricardo Augusto afirma que o aquecimento global é uma MENTIRA… assim como o aumento dos níveis dos oceanos, o buraco na camada de ozônio, entre vários outros. Ele é professor de climatologia da USP e fez doutorado sobre a Antártida.

    É interessante ouvir um posicionamento diferente no meio de tantos radicalistas e seus seguidores cegos… Mas que fique claro que a preservação das florestas e a redução da emissão de gases é de extrema importância por muitos outros motivos, mesmo sabendo-se não serem de
    grande influência no clima como o professor relata na entrevista!

    Por último, este debate:

  3. O que está a provocar as alterações de temperatura quer neste planeta quer nos restantes outros o sistema solar, é a temperatura do sol, que está a sofrer variações.

Obrigado por participar na discussão!

This site uses User Verification plugin to reduce spam. See how your comment data is processed.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

%d bloggers like this: