Do rir

O mundo da informação alternativa é esquisito: pois há assuntos que não podem ser enfrentados, pena a excomunhão. Um deste é o futebol.

Blogueiros empenhados numa espécie de guerra de religião, combatida com assinalável violência, contra todas as pessoas que seguem as empresas das equipas desportivas. Proibido falar bem de futebol, proibido festejar as vitórias. Obrigação: falar mal do futebol, sempre.

Os que festejarem as vitórias são deficientes, a informação alternativa não pode fazer isso: há um status que tem de ser defendido. É preciso demonstrar ser superior, ter conseguido livrar-se das correntes do sistema, não cair nas tentações que o conjunto maçónico-financeiro-religioso oferece, observar os acontecimentos com o destaque de quem sabe estar do lado da razão. Só assim podemos recolher o consentimento dos colegas blogueiros e a simpatia dos Leitores.

Eu gosto de futebol. E não desde hoje: nunca escondi ser adepto da equipa da minha cidade (a Sampdoria!). Um pouco menos adepto sou da seleção nacional, por questões históricas e pessoais, mas é claro que amanhã vou torcer pelos Azzurri.

Os Europeus de futebol são uma máquina para fazer dinheiro? Sim, óbvio.
São uma ocasião para distrair os povos? Sim, também.
Provocaram a morte de milhares de cães? Sim, é verdade, e esta é sem dúvida a parte mais triste.
Mas eu continuo a gostar de futebol.

Não dou um cêntimo para o mundo do futebol: não compro gadget de equipas, não pago canais de televisão para ver os jogos, não vou ao estádio, nem compro jornais desportivos. Recuso isso, porque não quero financiar um mundo que tem demasiados princípios que não partilho.

Mas amanhã vou torcer pela seleção italiana. Porque se o nosso desejo é ser coerentes, temos de aplicar os mesmos princípios de intransigência em todos os outros campos.

Então não é apenas não ver os programas mais estúpidos na televisão, é não ter televisão mesmo; não é só criticar a poluição, é não ter nem utilizar o carro; não é só falar mal das grandes corporações, é livrar-se do telemóvel; escolher a nossa comida com base na ideia do comércio solidário; analisar os bens antes da aquisição para ver quais são produzidos no respeito do ambiente e do homem e quais não; é recusar os medicamentos da máfia das empresas farmacêuticas; é ter a coragem para deixar de pagar os impostos para não financiar um governo de delinquentes, é deixar de ir ao cinema, deixar de votar, proibir aos nossos filhos de ir para a escola…Isso e muito (mas mesmo muito) mais é realmente ser coerente e fazer contra o sistema. 

Conhecem alguém com estas características? Não, claro.
Mesmo assim, temos uma falange de blogueiros que atiram não contra o futebol mas contra quem segue o futebol. É a nova elite de iluminados, os sábios, os que conseguem ver além, os que percebem onde está o Bem e o Mal. Nem conseguem ser coerentes com as próprias vidas, mas apontam o dedo contra os outros, cuja culpa é desejar esquecer ao longo duma tarde os muitos problemas que a vida oferece.

Divertir-se não é opção, temos que sofrer, tal como qualquer séria religião, nunca esquecer que o Sistema quer subjugar as nossas mentes. Distrair-se não é opção, rir com o Sistema é pecado, é possível rir só com o Anti-Sistema.
Que, infelizmente, esquece de fazer rir. E é por isso também que o Sistema ganha, pois a informação alternativa faz cada vez mais lembrar Jorge da Burgos, o bibliotecário do O Nome da Rosa que condenava a comédia e o rir.

A realidade oferecida pela informação alternativa é um mundo horrivelmente triste, escuro, feito de contínuo sofrimento, de raiva, de frustração, de objectivos falhados, de esperanças castradas. Não admira que a maioria das pessoas fique longe, pois poucas são as opções positivas.

Eu não sou assim, não consigo ver-me nisso. Não quero ficar refém dum mundo onde é preciso ser “contra”, sério, zangado, vingativo, desiludido, negativo a qualquer custo. É por isso que inventei um cão que fala (e recebi críticas por isso, porque a informação alternativa é coisa séria), é por isso que gosto da ironia. É por isso que não aceito uma Bíblia onde Jesus nunca ri. É por isso que amanhã vou distrair-me ao longo de algumas horas, com um jogo de futebol.

Quem quer criticar que critique, estou a borrifar-me: só sei que assim não vamos para lado nenhum, porque a realidade é feita de gargalhadas também. E desconfio profundamente de quem não sabe rir.

Ipse dixit.

15 Replies to “Do rir”

  1. Talvez por ter sido parte, na adolescência, de uma das ultras (assim que dizem na Europa?) aqui em São Paulo, não me sinta muito à vontade em escrever ou falar de futebol. Mas a arte do ludopédio… o drible, a finta, o gol(o)… Apesar de sempre ter jogado na zaga e só ter aprendido a destruir as jogadas do adversário. Ou como dizem aqui no Brasil, "bola pro mato que o jogo é de campeonato".

    : )

  2. Excelente post Max, deixa antes mais dizer que a maioria dos portugueses vão estar a torcer pela Itália amanha (eu incluido), quer não seja pela Espanha nos ter eliminado e querer-mos vingança, pelo facto de querer-mos calar o Platini, ou pessoalmente, pelo desejo inexplicável de ver aquele deus do futebol Balotelli festejar uma vitória do Europeu lol

    Eu concordo com o que falas de não dar apoio financeiro ao futebol, eu pessoalmente dou quando vou ver jogos do meu clube da terra (que está na liga orangina), podemos não ter a mesma qualidade dos jogos da primeira liga, mas sei que vou passar uma tarde bem passada e os preciosos 5 euros que gastei vão ser bem empregues de preferência a pagar os salários de alguns dos jogadores que ficaram 4 meses sem receber :S
    Pois, o lado obscuro do futebol… melhor não falar, prefiro aprofundar o que disses-te, futebol para além de desporto é um excelente entretenimento, onde podemos gritar, sorrir, chorar, é sair da apatia para podermos mergulhar em emoções únicas. É por esta libertação que vejo futebol e também wrestling e mma (sim gosto de luta :P)
    Afinal qualquer ser humano tem necessidades de se libertar e gritar de vez em quando.

    Agora é só não gritar-mos quando o árbitro é um ladrão mas gritar-mos quando os politicos também o são.

    abraço max

    p.s. Não critiques o árbitro no domingo que vai ser português… pensando melhor, critica aá vontade

  3. Conhecem alguém com estas características? Sim, claro. Eu. E continuo me aprimorando. Também gosto muito eventualmente de um BOM jogo de futebol. E ainda não morri por isto, muito pelo contrário; garanto que há um outro mundo além deste labirinto prisional de pseudo obrigatoriedades para permanecer vivo e bem. Sinto muito, sou grato.

  4. Subscrevo a ideia Max.

    "E é por isso também que o Sistema ganha, pois a informação alternativa faz cada vez mais lembrar Jorge da Burgos, o bibliotecário do O Nome da Rosa que condenava a comédia e o rir."

    Excelente associação, mas claro que sou garantidamente suspeita porque gosto mesmo muito da obra.

    Afinal, o que é que está a mais?
    O que deixa as pessoas felizes ou o sistema que controla o que deixa as pessoas felizes para as controlar?

    Dou por mim a pensar que, de alguma forma, o sistema fica sempre a ganhar e, nesse caso, o que é que as pessoas ganham quando deixam de fazer algo porque o sistema já domina esse algo?

    Na verdade, não deveria ser o sistema a mudar e não as pessoas a abdicarem do que querem fazer?

    Sim, eu sei, se todos fizessem o mesmo e dessem prioridade às mesmas coisas o resultado seria outro.

    Verdade, mas somos pessoas e como tal.. tão imperfeitas… cada uma com as suas opiniões e percepções do mundo em que vive.
    Esta é realidade. Somos assim.

    É que não fazer algo porque não se quer ou gosta é uma coisa, deixar de o fazer porque na prática é uma forma de luta/resistência em relação ao sistema… vejo isso como mais uma vitória do sistema que não só controla o que queremos, como logo aí nos divide a todos… e isso dá tanto jeito a quem controla os outros… dividir para reinar é mesmo muito eficaz.

    Ideias de sábado à tarde…

    Abraço
    Rita M.

  5. Obrigado pessoal!

    Só um reparo: obviamente o post vale apenas no caso da vitória de Italia.

    Caso contrário, o futebol não presta e tem de ser combatido em todas as suas vertentes :)))

    Abraço e bom fim de semana para todos!

  6. Max
    Realmente, agora que falas nisso a informação alternativa tem esse ponto em comum com a religião, a ausência de riso, era interessante um novo post do porque disso acontecer, a verdade é que jesus nunca ri , nem Deus ri, nem deixa ninguém rir.

    Será que a informação alternativa é um tipo de religião?!agora deixaste-me a pensar..

    Quanto ao futebol
    Lá irá mais uma vez ganhar um dos Piigs, desde 2004 os porquinhos arrebatam campeonato da Europa e do Mundo, realmente o Futebol é um desporto de países Pobres, ahaha..

    Saudações CarlosJaneiro

  7. Agora entendi pq tanta gente gritava por aí um dia desses:

    Itália x Alemanha!

    Pensei que meus vizinhos estavam brigando… heheheh… estavam comemorando…

    Não entender Italiano direito é dose… 🙂

    Já fui torcedor… já freqüentei muitos estádios… tenho camisas oficiais… coisas antigas… já colaborei com o circo… mas quando me mudei de minha cidade, enjoei… nunca mais segui… gosto de jogar… mas enjoei de assistir…

    Enfim… que ganhe a Itália para ficarem mais felizes! 🙂

    [ ]s

  8. Moro a menos de 500 metros do Maracanã. Passo todos os dias várias vezes pelos seus portões. Há muito me contento em assistir os jogos do querido Fluminense pela tv, mas nem por isso esqueço da minha juventude naquelas tardes de domingo em companhia de amigos que compartilhavam aquela mesma emoção, sentados nas velhas arquibancadas. Meu velho pai vascaíno me levou para assistir Gérson jogando pelo tricolor, assim como, levei meu filho para assistir Túlio Maravilha (cada época tem o ídolo que merece) jogando pelo seu Botafogo. São recordações positivas.

    Assim como você, Max, também penso que o futebol tá muito bem contextualizado na minha vida. Nunca entrei em briga por causa de clube, nem sequer em discussão alguma pelo mesmo motivo. Parei de frequentar os jogos porque a coisa infelizmente ficou barra pesada. Aí é que, creio, entra a crítica dos alternativos da informação. Com boa dose de razão.

    Mais uma vez vou entoar a minha cantilena preferida. As corporações tomaram conta do espetáculo, macularam os uniformes das equipes, superexpuseram os jogos por todos os dias da semana (isso sem falarmos das reprises), obrigaram jogadores e técnicos à serem public relations (serventes) destas corporações com a invenção das coletivas, e poraí vai. Ah sim, minha cantilena: tudo cooptado. "A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes". Infelizmente, tudo anda a ser menos prosaico.

    Abraços.

  9. A Itália ganhar?!

    AHAHAHHAHAHAHA!! pensavam que seriam melhores que os portugueses, não?! ahahaha!!
    Boa Espanha!!

  10. "A Itália ganhar?!

    AHAHAHHAHAHAHA!! pensavam que seriam melhores que os portugueses, não?! ahahaha!!
    Boa Espanha!!"

    Como é que se diz em português? Ah, sim: "dor de cotovelo", é isso.

    Abraço.

  11. Espero que os mesmos argumentos sobre o futebol também sirvam para as novelas, para os videogames e etc.
    Eu adoro novelas é o único lugar onde há realidade, já a nossa vida é a ficção.

    Joana

  12. Qual dor de cotovelo?… é mesmo vontade de rir!… :)) ahahhaha!! especialmente por terem levado 4 secas! histórico!

    A Espanha teve sempre tanto azar nestas competições, que um dia tinha de ser recompensada!

  13. "Anónimo disse…

    Qual dor de cotovelo?… é mesmo vontade de rir!… :)) ahahhaha!! especialmente por terem levado 4 secas! histórico!"

    Caro Anónimo ("Anónimo" também quando a discussão for o futebol??? Minha nossa…), tanto para resumir:
    Italia – 1934, 1938, 1968 (Europeu), 1982, 2006.
    Portugal- ?

    Assunto fechado.

    Abraço.

  14. Atão o assunto não é o riso?! :))

    Com Pai português e mãe espanhola, olha lá se vou torcer pela Squadra Azurra! ahahahah!!

    Águas passadas não movem moinhos,
    Abraços

Obrigado por participar na discussão!

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