África: a guerra dos híbridos

Os recentes assassinatos de cristãos na Nigéria e no Quénia por mãos de fundamentalistas islâmicos contam a desintegração social e cultural, bem como económica, de um continente, o Continente Negro.

Até algumas décadas atrás, a história da África negra e dos seus muitos grupos étnicos era uma história na qual eles procuravam uma acomodação dos conflitos, acordos em vez de coques.

E, salvo as óbvias excepções de uma história milenar que se aplica a toda a África, o que o antropólogo John Reader escrevia para o povo do Delta do Níger vale para todo o Continente:

O risco de conflito era muito alto, o delta interior do Níger deveria ter sido um surto de hostilidade inter-étnicas. Mas o que distingue esta região durante os 1600 anos de história registada não é a frequência dos conflitos mas a estabilidade das relações pacíficas.

Os negros africanos foram mestres em criar instituições para canalizar e tornar inofensiva a agressividade dos grupo, como a orgia festiva, a guerra ritualizada, que é falsa (chamado rotana nos Bambara e em outras tribos para distingui-la da diembi, a guerra verdadeira); antes da chegada dos Kalashnikov havia a guerra feita através da remoção das pequenas asa nas setas, para tornar o disparo impreciso.

Se na África havia poucas guerras, nunca houve uma com base na religião. Porque estas tribos negras não são monoteístas, não têm um deus único: muitas vezes nem mesmo um panteão de deuses, há o animismo, têm um sentido sagrado e mágico da Natureza. Um conflito sobre questões religiosas, portanto, era inconcebível.

De modo mais geral, como escrevia Reader, as pessoas sabiam como comportar-se, porque estavam consciente das diferenças e do respeito mútuo para permitir que as tribos prosperassem e os símbolos da unidade dos grupos crescessem.

Em suma, um profundo sentimento da própria identidade que passa pelo respeito dos outros. Esta era a África antes dos exércitos coloniais irromperem, seguidos pelos missionários cristãos, muçulmanos e, mais recentemente, pelo devastador modelo económico ocidental, sempre à procura desesperada de novos mercados; embora miseráveis, porque os nossos mercados estão saturados (mas agora, numa espécie de retaliação, os Chineses irão dominar regiões inteiras).

De acordo com o historiador britânico Hugh Trevor-Roper, a África antes do encontro com os Ocidentais e o Islão não tinha uma história, mas apenas “o
estéril redemoinho de tribos bárbaras em áreas pitorescas, mas
irrelevantes, do mundo.

É uma visão idiota, tipicamente ocidental, geneticamente incapaz de entender algo diferente.
As culturas africanas eram extremamente sofisticadas no pensamento abstracto, no sentindo espiritual (veja-se por exemplo a cosmologia dos Dogon e a companheira obscura da estrela Sírio) e no gosto estético. Dêem uma volta em museus dedicados, como o Quai Branly de Paris, para ter uma ideia.

Mas eram culturas fracas pela mesma razão segundo a qual o cristianismo e o islamismo são fortes: não sendo monoteístas, na ausência de uma ideia forte, totalitária, radical, pouco inclinada à tolerância, aceitaram mansamente a penetração do cristianismo e do islão.

Nasceram híbridos, monstros que agora matam-se reciprocamente por crenças que nunca foram deles. Mas a dar à luz a estes monstros e as brutalidades deles, os mesmos que hoje apontamos como espectro da “cega violência”, fomos nós: cristãos e muçulmanos.

O dia em que nós morreremos,
uma leve brisa irá apagar as nossas pegadas na areia.
Quando o vento cair,
quem dirá na eternidade que uma vez andamos por aqui,
na aurora dos tempos?
Tribo San

Ipse dixit.

Fonte: Massimo Fini, Land of Shadows

12 Replies to “África: a guerra dos híbridos”

  1. , a religião nao e deles, entao pelo mesmo pensamento o cristianismo não e religoa europeia , e max, passando essa ideia de um "nobre" selvagem nunca existiu em nem um canto do planeta, na africa mesmo antes dos exploradores malvadas , a tribos se guerrevam , se matavam tanto que os portugueses pegavam escravos que eram perdedores de guerra em tribos e levavam para o brasil. portanto essa noção de nobre selvagem nao existe …

  2. Não tenho a certeza.

    Eu prefiro um "selvagem" que luta para a terra dele do que um fanático que mata em nome dum deus que nunca viu. Ou, pior, em nome dos interesses duma corporação.

    Quem é o mais "nobre"?

    Quem respeita a Natureza e se integra com ela ou quem massacra para espalhar a "palavra divina"?

    Alguma vez ouviram falar duma Cruzada nascida em África?
    Alguma vez viram uma explosão atómica entre tribos africanas?

    Todos estes são frutos da nossa civilização "superior".

    Pontos de vista…

    Abraço!

  3. Olá Max: excelente e oportuno post.Comentamos muito do mundo onde estamos imersos, e pouco dos outros. Provavelmente por isso temos uma dificuldade imensa de entender culturas diversas e histórias outras,quase sempre tentamos entender os diferentes a luz de nossas próprias referências. Isso faz a maioria dos historiadores, de forma que o senso comum referido a culturas africanas, ameríndias e maori ficam totalmente deturpadas. Seria muito bom trazer para II escritos que buscam esclarecer noções de fé, poder, hierarquia e conflito nestes povos, antes do contato com culturas monoteístas, antropocentristas e totalizantes, porque tudo indica que suas compreensões a respeito são bem diferentes dos nossos conceitos sobre. Abraços

  4. A genética define tudo, enquanto os povos europeus meteram o homem na lua, os subsarianos quando os portugueses lá chegaram nem a roda tinham inventado, nem uma cronologia tinham… coisas da vida.

  5. "A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda."
    Mario Quintana

    Ao anônimo:
    A genética define se serás esquizofrênico ou não, define a cor da tua pele, dos teus cabelos e olhos, mas não define se inventarás alguma coisa ou não.
    Inventividade e criatividade são produtos da necessidade. Os americanos chegaram primeiro à bomba atomica por necessidade de ubjugar a Alemanha e o Japão e também, porque tinham uma estratégia de poder.

  6. Para quem está convencido que a história dos africanos depõe contra eles, e não tem tempo, vontade ou condições de ir a Eritréia hoje, ou a Líbia, como eu fiz faz alguns anos,permitam-me sugerir leitura já sugerida hoje em outros meios de divulgação na internet:
    "Como era um escritor honesto e anti-racista, Volney acreditava, segundo o que tinha visto com seus próprios olhos nas tumbas e templos egípcios, que a civilização tinha começado na África às margens do Nilo.
    Em suas próprias palavras: “Foi ali onde um povo já esquecido descobriu os elementos da ciência e da arte num momento em que todos os demais homens eram bárbaros, e ali onde uma raça, que agora é considerada escória da sociedade devido a seu cabelo crespo e sua pele escura, examinou os fenômenos da natureza e aqueles sistemas civis e religiosos que a humanidade tem admirado desde então”.
    “Ruínas” foi um dos livros históricos mais lidos no final do século XVIII e inícios do XIX. Foi publicado em seis idiomas, em mais de quinze edições."
    Abraços

  7. MAX….

    so repasso um video , respodendo ao seu comentario .

    a questao eh . que cruzadas não nasceram na africa. certo . mais ainda sim gente era morta por gente. bombas atomicas nao foram criadas por tribos africanas. ainda sim elas sem matavam umas as outras , destruim o ambiente a sua volta para pegar mais recursos. nao existe tal de tribos "pacificas" , ou adoradores de naturezas , mais sim existim pessoas como eu e vc , e como outros.. capaz da fazer coisas mais doentes do os homens do nosso tempo …

    pontos de vista certamente . 😉

  8. Max, minha estima, outro belo texto. O filme "AGORA" mostra-nos muito bem o papel das religiões em nossas manipuladas escolhas. Vale a pena assisti-lo. Sou grato.

  9. 2 notícias importantes:

    Equipe acha mais antigo calendário maia e derruba 'fim do mundo'

    http://noticias.terra.com.br/ciencia/fotos/0,,OI200069-EI238,00-Equipe+acha+mais+antigo+calendario+maia+e+derruba+fim+do+mundo.html

    ‎"Detalhe do calendário mostra datas em escritos sobre a Lua (em "1.195.740 dias"), Sol ("361.640 dias"), e possivelmente Vênus ("2.448.420 dias") e Marte ("1.765.140 dias"). As datas vão a quase 7 mil anos no futuro."

    Já tinham conhecimento de Vênus e Marte naquela época? hum…

    A outra:

    Marco Civil da Internet no País pode ser pioneiro no mundo

    http://tecnologia.terra.com.br/noticias/0,,OI5766795-EI12884,00-Marco+Civil+da+Internet+no+Pais+pode+ser+pioneiro+no+mundo.html

    Eles não desistem nunca dessa regulamentação da internet.

  10. Atualmente o cristianismo é a religião mais perseguida do mundo, não está sendo perseguida somente na Africa, mas em todo resto. Em alguns lugares ocorrem assassinatos, em outros, difamação pela mídia, pela moda, pelos filmes, etc..

    Enquanto isso, o islamismo é a religião que mais cresce hoje, e é a mais fanática.

    Outra coisa,
    culpar a religião em si é errado, pois todos sabemos que até estes povos possuem ou possuíam suas crenças, então parem de generalizar e culpar a religião. Alem disso, são culturas diferentes, com pensamentos e ambições diferentes.

    Esqueceram de mencionar que neste povo tão "próspero" que eram os Africanos, ocorria por conta das suas crenças diferentes, alguns sacrifícios de carne humana e animal. Sacrifícios de sangue em nome dos Deuses deles. Portanto parem de generalizar e culpar SEMPRE as cruzadas, o cristianismo e o catolicismo pelo mal que existe em todo mundo, não é bem assim.
    Ha algo a mais por trás disso tudo, são forças disputando poder e política, usando e abusando das religiões para isso. Hoje em dia é normal um cristão ser o "menos inteligente", " o irracional", o "fora de moda", "fora dos padrões".
    Já se perguntaram a origem das idéias e pensamentos gnósticos de vocês? Vocês não nasceram sabendo tudo, adquiriram suas opiniões, pensamentos e idéias através de suas vivencias. Não esqueçam que a batalha entre o cristianismo e o gnosticismo já existe ha milênios. Isso inclui a mídia e todo esto como citei. Tentem fazer este exercício, imaginem, pensem e reflitam a origem e opinião de vocês a respeito disso tudo, de onde veio?

  11. Olá Anónimo (o último deles, entendo)!

    É difícil pegar numa ponta do seu comentário, sério.
    Apresentar o Cristianismo como uma religião "perseguida" requer uma grande coragem e reconheço isso. Só lamento o Leitor ter esquecido o que aconteceu ao longo de séculos, mas enfim, como sempre são pontos de vista…

    "Enquanto isso, o islamismo é a religião que mais cresce hoje". Eu não sou islâmico (longe de mim tal ideia!) mas pergunto: porquê será? Ou afirmamos que é apenas obra do Diabo e fechamos assim a questão?

    "Outra coisa, culpar a religião em si é errado".
    Concordo: e aqui ninguém (pelo menos eu, mas com certeza a maioria dos Leitores) culpa a religião mas o uso que da religião foi e é feito. São coisas bem diferentes, como é óbvio.

    "Esqueceram de mencionar que neste povo tão "próspero" que eram os Africanos, ocorria por conta das suas crenças diferentes, alguns sacrifícios de carne humana e animal. Sacrifícios de sangue em nome dos Deuses deles".

    Então, meu amigo, concordámos em não culpar as religiões e depois culpamos as religiões? Pede para não observar apenas os males do Cristianismo para depois observar apenas os males dos outros? Ahiahiahi…

    "Portanto parem de generalizar e culpar SEMPRE as cruzadas, o cristianismo e o catolicismo pelo mal que existe em todo mundo, não é bem assim".
    Exactamente.

    "Ha algo a mais por trás disso tudo, são forças disputando poder e política, usando e abusando das religiões para isso".
    Concordo em pleno.

    "Hoje em dia é normal um cristão ser o "menos inteligente", " o irracional", o "fora de moda", "fora dos padrões".
    Não concordo. Não julgo os outros com base na fé religiosa, acho isso muito estúpido.

    "Já se perguntaram a origem das idéias e pensamentos gnósticos de vocês? Vocês não nasceram sabendo tudo […] Tentem fazer este exercício, imaginem, pensem e reflitam a origem e opinião de vocês a respeito disso tudo, de onde veio?"
    Não percebi isso, mas acho um ponto importante. Posso pedir-lhe para aprofundar o assunto? E faço isso sem nenhuma ironia, que fique claro.

    Abraço!

Obrigado por participar na discussão!

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