O Presidente-Rei e a visita

O conto original é de Stefano Benni (Il Bar Sotto il Mare, “O Café debaixo do Mar”, 1987, Editora Ulisseia em Portugal, no Brasil encontrei só entre os usados).
Eu adaptei aos tempos actuais.

Era uma vez um planeta formado por muitos Países. Cada País tinha o seu próprio governo, mas na verdade a maioria obedecia ao Rei do Mundo. Este era um presidente como os outros, só que o País dele era o mais potente.

Um dia, os astrónomos do palácio correram até ao pé do Rei do Mundo.
– Presidente-Rei, encontrámos algo no céu.
– Sim, interessante…
– Presidente, é assunto sério: isso é algo como…como um disco voador.
– Um disco voador? Ora essa. E tu Bo, o que achas disso?
Pois Bo era o Primeiro entre os Conselheiros. Mas Bo na altura estava empenhado a roer um osso, por isso o Presidente-Rei ficou sem resposta.
– És mesmo Português – disse o Presidente-Rei enervado.
– Presidente-Rei, há mais: o objecto aproxima-se, parece que vai aterrar! Aqui, no nosso País!
– O quê? Aqui, na Terra da Liberdade e da Democracia?
– Sim, isso mesmo senhor!
– Chamem os bobos da corte, digam que eu, o Presidente-Rei Barraco, quero uma reunião já no Palácio de Cristal: convoquem todos os representantes das Nações Espremidas.
– Será feito, Senhor.

Assim, na sede das Nações Espremidas em New Pork, foi feita a grande reunião. O Presidente-Rei do Mundo estava preocupado e queria enviar uma delegação de Chineses (“Afinal são muitos, 100 mais ou 100 menos, quem repara?” afirmava), mas os israelitas não concordavam: esta era uma ocasião única para implementar um relacionamento privilegiado com uma raça alienígena. Quem sabe quais vantagens poderiam nascer deste encontro de civilizações.

Não: este era um trabalho para o Presidente-Rei do Mundo.
Barraco não concordava e recusou, mas logo, sob a ameaça de ser substituído pelos mesmos israelitas e ser fechado na prisão de Guantonamão com todos os inimigo do Reino, concordou que afinal era mesmo um trabalho para o Presidente-Rei do Mundo. Aceitou mas pôs uma condição: era preciso preparar o Mundo, pois este era um grande evento, um evento histórico.

A Assembleia das Nações Espremidas concordou e concedeu plenos poderes ao Presidente-Rei. Que depois eram os poderes que já tinha.

Uma vez voltado no seu escritório, Barraco deu ordem para que fossem mortos todos os torturados para que não dissessem que havia tortura; que fossem mortas todas as famílias das pessoas desaparecidas para que não dissessem que havia desaparecidos; que fossem mortos todos os presos para que não dissessem que as prisões estavam cheias. E mandou comprar um buquê de lírios, que ficam sempre bem.

Mas na noite antes do encontro não conseguiu dormir. Afinal, estes eram extraterrestres, pessoas evoluídas. Pessoas? Se calhar nem isso. Se calhar eram puros espíritos, incrivelmente mais evoluídos. Teriam lido a sua mente, descoberto todos os crimes. Ele, Barraco, teria sido repreendido antes de todo o mundo. Ser repreendido pela lobby do petróleo ou dos bancos era uma coisa, mas repreendido perante as câmaras era demais.

Assim, de manhã, no aeroporto John Fitzgeral McDonald´s, estava muito enervado. Tinha vestido um discreto fato cinzento com uma gravata azul e estrelas amarelas e tinha insistido por ter um grupo de Chineses aí perto, caso os  extraterrestres tivessem fome.

Às 12:00 o disco aterrou. Era enorme, metálico, com uma série de janelas redondas. Aterrou sem algum som. Sem dúvida, era uma raça superior.

Uma pequena porta abriu-se, um feixe de luz verde apareceu e no meio eis um ser com uma comprida túnica branca. Não tivesse sido pelo facto de ter um metro de altura, 3 olhos e a pele amarela com as orelhas vermelhas, pelo resto era quase humano. Olhou em volta, levantou o braço para cumprimentar, depois aproximou-se do Presidente-Rei do Mundo, enquanto as pessoas aplaudiam, também porque quem não aplaudisse teria sido espancado.

Juntos caminharam até a tenda montada num espaço relvado do aeroporto, entraram e fecharam a porta.
– Agora você e eu temos que falar – disse o ser do outro mundo.
O Presidente-Rei estremeceu. Era o momento da verdade. Barraco estava quase para ajoelhar-se quando o ser voltou a falar.
– É engraçado aqui. Boa gente, gente simpática.
– Sim, não é mal…- disse o Presidente-Rei.
– O clima é bom, o Sol não faz demasiada luz, vê-se que as pessoas vivem bem aqui.
– Sim, mais ou menos…que dizer, talvez alguém se queixe, mas…
– Sim, também no meu planeta, há sempre alguém que se queixa.
– E depois, para ser honesto, algumas vezes…tive que…
– Teve…quê?
– Tive que…intervir.
– Sim, percebo.
Ao ouvir isso, o Presidente-Rei do Mundo ajoelhou-se em lágrimas. Como era boa esta raça, Que grande lição. Era uma espécie bem superior: nada de ameaças, nada de gritos. Era a força do perdão. Com isso indicava a justa estrada.

E ele, Baracco, percebeu. Teria sido igual, pelo menos teria experimentado ser o mais parecido possível. Basta de bancos, basta de petróleo: o perdão, o amor, a força do exemplo. Esta era a estrada.
Beijou a pata do ser e jurou:
– Nunca, nunca mais! Nunca mais prenderei alguém, haverá eleições verdadeiramente livres, nada de prisões com torturas, nada de abusos, respeitarei os cidadãos…percebi a vossa lição!
O ser retirou a pata:
– Você está louco! Quer pôr o universo de pernas para o ar?
O Presidente-Rei ficou sem perceber.
– Levante-se, em vez de dizer disparates, e assine aqui.
Barraco viu uma caneta e um papel que flutuavam no ar.
– Um contrato?
– Óbvio. Acha que fizemos biliões de quilómetros para quê? Para ver qual o clima? Assine e fica desde já convidado para a inauguração da primeira filial do Banco Intergaláctico. 

Quando o disco partiu, o Presidente -Rei voltou a prender, torturar, ocupar outros Países. Mas já não era a mesma coisa.
– É verdade – dizia,- há encontros que mudam a vida.

Ipse dixit.

Original: Il Bar sotto il Mare

5 Replies to “O Presidente-Rei e a visita”

  1. Max, muuuito bommm, hahahahahaha

    Pensa que eu duvido disso???

    Do jeito que o sistema bancário está é bem provável que estão a abrir agências em outros planetas, hehehehe.

    Que loucuraaaaaaaa.

    Um grande abraço meu amigo

    PS.: Parece que o amigo Bo está do nosso lado, hehehehe

  2. Maravilha poder dar uma boa risada dessas verdades cômicas, ganhei meu "feriadão", sou gratíssimo. Dizem por aí que isto, ou qualquer coisa parecida está para acontecer qualquer dia destes…
    Muita paz e bom humor para você e todos nós.

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