Hamas e a cor do dinheiro

O líder do Hamas Ismail Haniya fez um discurso na sexta-feira na mesquita de Al-Azhar, no Cairo. Um discurso estranho. Ou talvez não, em linha com o mercado. Pontos de vista.

Eu saúdo todas as nações da Primavera árabe e eu saúdo o povo heróico da Síria que luta para a liberdade, a democracia e a reforma.

Eeeehhh???
Isso mesmo: Hamas apoia a Primavera árabe e os revoltosos da Síria.
Então, Hamas encontrou novos donos? Assim parece. E os donos têm rostos e nomes: a junta militar do Egipto, as monarquias do Golfo Pérsico. Em última análise: o Ocidente, na sua pior vertente. 

Uma ruptura completa com o Irão e a Síria e a aproximação com o imperialismo dos EUA.
Mas não é uma autêntica surpresa. Esta mudança “sísmica” já se tinha manifestado na posição mais recente da liderança com a reconciliação com a Fatah da Cisjordânia e a vontade de abandonar a luta armada contra israel. Agora, como selo e acto de contrição, chega o apoio às operações da intelligence ocidental na Síria.

O publico ficou a olhar, depois começou a gritar slogans contra o Irão e Hezbollah.

No mesmo dia em Gaza, outro membro do Hamas, Salah al-Bardaweel, afirmava:

Nenhuma consideração política nos fará fechar os olhos perante o que está a acontecer na Síria.

Que fique claro: Hamas tem todo o direito de abandonar a luta armada e de rever as próprias posições. É que isso acontece numa altura particular, mesmo na altura em que israel e o aliado americano apertam o cerco contra Teherão.

O Telegraph:

A escolha de fazer este anúncio no Cairo é um forte indício de que Hamas está disposta a cortar as suas antigas alianças para amarrar-se ao crescente poder do mundo árabe: a Irmandade Muçulmana.

Da mesma forma um artigo Global Post:

O facto de que Haniya foi capaz de proferir esse discurso numa das mesquitas mais importantes e influentes do Egipto é notável em si mesmo. Sugere que ao líder de Hamas foi dada garantia de assistência e, talvez, as promessas de um futuro diplomático no Egipto, caso abandonasse os seus benfeitores.

Promessas similares que parecem ter sido feitas também pelo Qatar; e há especulações de que tanto o Egipto, quanto o Qatar ou a Jordânia poderão acolher a sede de Hamas. Ainda esta semana, o Qatar prometeu um pacote de ajuda de 250 milhões de Dólares para reconstrução em Gaza.

Em delírio, obviamente, os media israelitas: Haaretz, num artigo intitulado “Hamas apoia a revolta na Síria”, elogiou a reorientação de Hamas afastada da Síria [e do Irão] como um enfraquecimento do eixo anti-israelita.

Mesmo antes destas observações, havia fortes indícios de que Hamas estava disposta a abandonar os seus aliados anteriores, bem como a postura militar em relação a israel em troca do reconhecimento pelo Ocidente. O líder Khaled Meshaal, numa reunião em Novembro com o presidente palestino, Mahmoud Abbas, indicou que o Hamas iria parar a luta armada e prosseguir uma política de resistência não-violenta.
O jornal dos Emirados Árabes Unidos, o National, escreveu a este respeito:

Apesar do líder de Hamas, Khaled Meshaal, ter atenuado a posição do grupo em relação a israel, ainda está longe de ser certo que Hamas seja aceite por Washington e o Ocidente. Isto provavelmente exigirá que Hamas reconheça o direito de Israel de existir.

Sucessivamente Hamas iniciou negociações com a Fatah para um governo de unidade. As  negociações viram como intermediário em 5 de Fevereiro o Qatar, que tem fortes laços diplomáticas e económicas com israel. Negociações que não pareciam simples: mas agora, como ficou claro na semana passada no Cairo, todos os principais líderes de Hamas já estão a bordo.

Ao mesmo tempo, Haniya foi visitar as monarquias árabes pedindo ajuda.
O Boston Globe:

Mesmo com o Qatar que estava a mediar o acordo de unidade [entre Meshaal e Abbas], o primeiro-ministro de Hamas, Ismail Haniya, continuou a própria procissão pelos ricos Estados do Golfo: Qatar, Bahrein e Kuwait. O tom dele era mais parecido com aquele dum administrador e não dum militante anti-israel e encontrou os governantes do Golfo e os grupos de investimento para injectar dinheiro na luta de Gaza.

Outro aspecto significativo da viagem de Haniya foi o encontro cordial com o rei do Bahrein Hamad, em ocasião do qual Haniya tacitamente apoiou a repressão brutal contra a insurreição em curso. Segundo Haniya:

O Bahrain é uma linha vermelha que não pode ser comprometida porque é um Estado árabe islâmico.

The Jerusalem Post relatou em Dezembro, num artigo intitulado “A ascensão da Jihad Islâmica em Gaza desafia a regra de Hamas”, que o Irão “com Hamas fora da sua órbita, aumentou o seu apoio para a Jihad Islâmica, que, de acordo com algumas estimativas, tem um arsenal de foguetes que compete em quantidade e qualidade com os armazéns de Hamas”.

E a Jihad Islâmica é o único grupo importante na Faixa de Gaza que tem abertamente alinhado com a Síria. O seu líder, Ramazan Abdollah, viajou para o Irão e reuniu-se com o aiatolá Khamenei em Fevereiro: condenou os acontecimentos na Síria como uma conspiração dos EUA.

Da mesma forma, a Síria está a apoiar a Frente Popular para a Libertação da Palestina, que tem seguidores dentro dos campos de refugiados palestinianos no Líbano e na Síria, para compensar a perda do Hamas.

Em última análise, Hamas representa uma facção rival da burguesia palestiniana. O seu programa reaccionário dum Estado capitalista islâmico provou não ser capaz de satisfazer as necessidades e as aspirações do povo palestiniano. Num quadro em que Washington está a apoiar os grupos revoltosos na Líbia e na Síria e tenta abordagens com a Irmandade Muçulmana no Egipto, Hamas escolhe o realinhamento com os Estados Unidos, israel e os seus aliados árabes como a melhor forma de garantir-se contra a ameaça duma revolta em massas dos palestinianos.

O terrorismo não pode ser a solução e a Palestina já sofreu com décadas de guerra sangrenta. Mas é possível escolher a estrada diplomática sem por isso perder a dignidade.

Perante as Operações Chumbo Fundido, Hamas escolhe o ouro sólido.
E o mercado continua. Que avance o próximo.

Ipse dixit.

Fonte: WSWS

One Reply to “Hamas e a cor do dinheiro”

  1. Olá Max: da minha parte, eu ainda não comentei porque não consegui ainda organizar as ideias a respeito. Acho que o impacto me pegou de surpresa. parece mentira, mas ainda tem coisa que me surpreende nesse mundo! Abraços

Obrigado por participar na discussão!

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